15. cite que não quer mais brigas - pt. 1

Start from the beginning
                                    

      Quando terminamos, ele caiu de novo contra o assento, outro gemido. Eu ignorei os seus barulhos de protesto e fui em busca de algum casaco dentro daquela mochila. Não entendia como que ele conseguia levar tantas coisas, mas ao pensar que tudo aquilo era a sua vida, deixei ser. 

     Encontrando uma jaqueta esportiva preta, abri o seu fecho e tentei fazer ele esticar os braços que ainda seguravam o seu abdômen. 

     — Não estou com frio. — Ele disse, me encarando de lado como se quisesse falar muito mais do que aquilo. Estava acostumada com aquele olhar significando que ele me queria longe, então eu obedeci. 

      Virando para a janela, encostei a cabeça contra a porta, e olhando por todo o caminho que estávamos fazendo de volta, percebi tanto quanto a ida. 

      A saída da estrada de chão para o asfalto, as marcenarias, os pequenos mercados e as famílias que caminhavam a pé por longas quadras até o ponto de ônibus mais perto. O extremo da Zona Sul não era querido para quem usava transporte público, então comecei a escrever mentalmente alguma história aleatória sobre uma mãe e um filho de olhos azuis que o deixava com a vizinha para trabalhar em um emprego que não combinava com ela, mas viria a combinar. 

     Eu esqueci esse conto e comecei a escrever um pessoal, algumas notas cerebrais para lembrar coisas que precisava comentar, como, por exemplo, pensava não conseguir dormir sozinha no meu apartamento à noite e que Zeus podia não me querer perto, mas eu estava precisando dele depois daquelas horas incessantes. 

     Como se estivesse sentindo todos os pensamentos que eu estava começando a ter, sobre ele não me querer e ter esquecido do quanto eu tinha partilhado de mim naquelas horas, Zeus gemeu em dor esticando o seu braço até o meu colo, pegando uma das minhas mãos. 

     Sem que eu esperasse, encostou a cabeça no meu ombro. Estava atirado no assento, sem muita força para se arrumar. 

      — Só não quero sujar o casaco. Custou caro. — Sussurrou. 

      — Eu posso lavar, só não quero que tu fiques gripado. — Respondi, apertando mais um pouco a sua mão e sentindo o sangue passando para a minha palma. Não quero que tu fiques pior do que já está, queria completar, mas ele sabia do seu estado.

        Depois do que eu falei, Zeus não respondeu e retirou sua cabeça do meu ombro, encarando onde ele tinha deitado. E, como ele já sabia antes de olhar, uma mancha de sangue e suor tinha deixado sua marca no meu paletó. 

      Encarando ele, nossos olhares se prenderam. Ele estava tão machucado e sofrendo tanto por algo que não conseguia explicar o quanto era injusto. 

       Meus olhos começaram a voltar com as lágrimas, e eu quebrei nossos olhares. Acariciando o seu rosto com a minha outra mão, trouxe o rosto dele de novo para o meu ombro. O que eu menos queria era que ele continuasse assim e que pensasse que uma simples mancha era motivo para ele se afastar. 

     — Quantas histórias tu já criou olhando para a rua? — Ele perguntou, sua voz quieta. Queria se distrair do que estava acontecendo, e eu me encostei nele, onde ele não tinha saído do meu ombro. Era complexo o quanto eu estava sentindo e o quanto aquilo me deixava tão confusa em relação a tudo o que eu tinha vivido, menos em relação a ele. 

     — Não contei. — Admiti. Não era normal eu contar quantas histórias eu criava durante o dia, somente anotar as que eu acreditava conseguir fazer jus.

     — Nunca vou entender como que tu consegue. 

      — Nem eu... — Respondi, mas não completei, virando as suas mãos na minha para que eu examinasse as suas juntas, em carne pura. Ele não necessitava das minhas palavras, e talvez fosse a primeira pessoa a não precisar delas.

Boa tarde, Zeus ✓Where stories live. Discover now