Páginas Rasgadas

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MESES ANTES

Angelique Beaumont

Estava na minha aula de piano e estava tocando uma música tão tocante e profunda que fez-me chorar.

Respirei profundamente quando toquei a última nota e olhei para a Dani que me assistia, atenta aos meus erros e acertos.

Ela fechou os olhos e soltou uma respiração bem devagar.

— Perfeito — Ela suspirou.

Eu soltei um riso e limpei a minha lágrima.

— Você precisa mostrar o seu talento para o mundo, Angie — Danielle disse e se debruçou sobre o piano — Você aprendeu muito rápido, e toca com mãos de fada mesmo as canções mais pesadas...

— Eu escrevi uma música — Eu contei — Sobre o meu padrasto...

Ela me encarou com uma sobrancelha erguida em curiosidade.

— Ele é tão triste... Ele me inspira a escrever... Queria fazer uma melodia para o que escrevi.

— Posso ver? — Ela perguntou.

Eu peguei a minha mochila e peguei o meu diário lá de dentro, depois procurei pela página onde estava a música.

Encontrei e logo comecei a ler...

"Meu coração não está mais quebrado
Dentro do meu corpo
Ele está estraçalhado
Não existe mais nada aqui
Tudo foi evaporado
Evaporado
Evaporado
Eu tentei matar a dor
Mas tudo foi piorado
Piorado
Piorado
Meus sonhos bons
Foram quebrados
Quebrados
Quebrados
E agora quando vou dormir
Deito-me nos ombros da minha filha
E fico orando, sangrando, gritando
Em silêncio
Será que é tarde demais para ser salvo?
Meu medo de dormir
É o meu medo de não ser salvo
Deus, rogai por mim
Minha alma pede por salvação
É o meu medo de não ser salvo
Deus, rogai por mim
Minha alma pede por salvação
É o medo de não ser salvo
Deus, rogai por mim
Eu fui assassinado por dentro
E agora eu tenho medo de morrer
Enquanto eu durmo
Dentro do meu corpo
Ele está estraçalhado
Não existe mais nada aqui
Tudo foi evaporado
Tenho medo
De ir ao encontro da minha mulher
Mas ser negado
Na porta do céu
Deus, vou ser negado?
Negado"

Terminei de ler e olhei receosa para a Dani, mas o olhar dela não estava em mim. Ela estava olhando para trás de mim. Desviei o meu olhar para ver o que estava chamando a atenção dela e encontrei o meu padrasto na porta.

Ele estava olhando para mim, mas depois ele se virou e foi embora.

Fiquei encarando o lugar onde ele estava sem saber o que fazer.

Ele ouviu.

Será que não gostou do que escrevi? Será que eu o magoei?

Eu não esperava que ele estivesse aqui. Ele havia retornado à Londres e já faziam algumas semanas que não aparecia. Havíamos nos falado apenas por telefone quando ele ligava para a minha mãe.

Olhei de volta para a Danielle e ela estava tão temerosa quanto eu.

— Acho que é uma boa letra — Ela elogiou-me, tentando amenizar o clima — Você tem uma boa voz para cantar rock, podemos fazer uma melodia nesse estilo, a música é bem gótica.

— Dani — Eu peguei o meu diário e a minha mochila, depois me levantei — Acho que vou ir falar com ele...

— Tudo bem. Pode ir... — Ela ofereceu-me um pequeno sorriso para que eu visse que não havia nenhum problema.

Coloquei a minha mochila nas costas e corri para fora da grande sala do conservatório. Desci as escadas muito rápido e olhando para os lados em busca do Bartholomew.

Saí pela porta do conservatório e olhei para os dois lados da rua. Eu o vi caminhando pela calçada e fui até ele...

— Bart! — Eu chamei e toquei o braço dele.

Ele se virou para mim e os seus olhos estavam vermelhos e cheios de lágrimas, mas nenhuma ousou a cair...

— Me desculpa — Eu disse sem pensar muito, mas era o que eu estava sentindo — Não era a minha intenção te fazer sofrer...

— Não — Ele suspirou — Eu só... Eu estava tentando evitar pensar... e eu estive fingindo por muito tempo que nada estava acontecendo comigo. E agora, depois de ouvir você, foi um choque de realidade.

— Sinto muito — Eu toquei o rosto dele e ele colocou a mão dele sobre a minha.

— Eu prefiro tentar esquecer as coisas ruins... Ou eu vou desistir completamente de ainda ser feliz nessa vida.

Eu concordei e depois abri o meu diário na página onde havia escrito aquelas coisas e a arranquei deixando um rastro de papel ali.

Não era a primeira vez que eu arrancava uma página do meu diário.

E quando eu fazia isso, era como se aquilo que eu havia escrito não tivesse acontecido. Eu era como o Bart, eu gostava de esquecer as coisas ruins.

Eu entreguei a página para ele e esbocei um leve sorriso.

— É sua agora — Falei — Você pode fazer o que quiser com isso.

Bartholomew ficou encarando aquela página e lendo o que eu havia escrito nela...

Depois ele a dobrou e guardou dentro do seu paletó.

Sorriu para mim e então nos entreolhamos...

Era como se nada tivesse acontecido.

Eu rasgaria muitas outras páginas depois disso.

Cicatrizes de Ouro (Grátis até final de dezembro 2022)Where stories live. Discover now