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Eu realmente não tava acreditando que a tropa do seu Zé, como todos os chamavam, era composta por meu pai, meu irmão, o cara do outro dia, com mais alguns vapores que os seguiam. Eu estava de boca aberta. Me soltava de Sônia e ia saindo por entre a multidão, eu tinha certeza que meu pai tinha acabado de me vê e eu realmente estava atônita. Como assim, José Luiz era um traficante e dono de morro? E logo dono de um dos morros mais vistos do Rio de Janeiro. Eu sinceramente não estava acreditando, só podia ser uma brincadeira de mal gosto isso que acabará de acontecer. Após minha saída daquele baile, eu descia pelas ruas, até que alguém me puxa pelo braço, subo meus olhos e vejo exatamente o cara que via no outro dia com meu pai, o tal Catatau.

Taila: Da pra me soltar? O encarava com um misto de raiva e dúvidas nos olhos.

Catatau: Teu pai mando eu te levar, e por favor, não da showzinho que eu não tô bom hoje. Eu erguia minha sobrancelha e quando me dava conta estava montada em sua moto, subindo novamente por aquelas vielas até onde supostamente meu pai estava.

Tinha chegado em frente a uma casa ou como eles chamavam, biqueira. Olhava tudo, vendo alguns caras armados em sua frente e logo após uns noiados consumindo. Eles me olhavam dos vapores aos noiados, como quem vê carne pronta pro abate e aquilo me deu um certo enjoou.
Eu era guiada pelo Catatau, que estava atrás de mim com as mãos a minha cintura. Logo chegamos a uma casinha nos fundos. Entrava na mesma e logo via meu pai sentado em uma mesa não muito organizada e meu irmão juntamente com minha tia no sofá ao lado, ambos fumando. Eu me sentava na cadeira e logo meu pai se virava com um semblante preocupado em seu rosto, eu esperava explicações sobre tudo aquilo e eu definitivamente não iria parar até conseguir.

Zé: O que porra você tá fazendo no morro, Taila? E justo na Rocinha? Tu é doida, porra?
Eu ouvia tudo em silencio, espantada, totalmente espantada com o modo que o mesmo falava comigo. É sério que tô tomando esporro por ta num morro? É sério que ele é cínico a esse ponto?

Taila: Nãoo acredito que você vai me da esporro.
Me levanto da cadeira, já exaltada e vejo minha tia se aproximando, mas me afasto em seguida da mesma, indo para o canto daquela sala.

Cátia: Tá, você tem que nos ouvir, o buraco é mais em baixo do que você tá vendo.
Vejo meu pai apreensivo e percebo que ele acabará de ter lhe repreendido com o olhar pelo modo que falou.

Taila: Oha, já chega! Vocês tem agora, exatamente meia hora para começarem a falar tudo, antes que eu suma com a roupa do corpo e vocês nunca mais tenham notícias minhas.

Zé: Eu tenho olhos e ouvidos, onde quer que você imagine baixinha. Agora senta e fica quieta, que você vai ter suas explicações.
Via meu pai chamando o Rael e logo o mesmo se senta sobre a mesa.

Rael: Bom, maninha, por onde devo começar? Deixa eu ver... aaaa já sei! Bom, eu vou fazer um resumão, ok?! Meu avô ou nosso avô, era dono da Rocinha e nosso pai viu ele morrer e virou dono, isso dois anos depois, então nesse período nosso pai lutou muito pra manter a Rocinha, até conhecer minha mãe. (Como assim a mãe dele?)

Taila: Espera aí, como assim sua mãe? A nossa mãe morreu.
Vejo o mesmo sorrir de lado parecendo se lembra de algo.

Rael: Então, eu sou filho do primeiro rolo do papai, parece que o gênio ai engravidou uma x9, por pura vingança. Na verdade, nosso querido pai se apaixonou por ela e a mesma pediu auxílio aqui na Região, eles me tiveram, eramos felizes, até haver uma invasão.
A vovó e a tia cuidavam de mim, já que minha mãe escolheu trair mais uma vez meu pai, e o entregou pra milícia, alegando que ele tinha uma amante, sua mãe, no caso, que na verdade ele tinha mesmo, e olha, a mãe Cláudia foi tudo pra mim, ela foi o que minha verdadeira mãe não foi, enfim, isso é outra história. Minha mãe hoje em dia mora na puta que pariu. Mãe Cláudia morreu, e eu só te conheci com dois meses de vida, porque sua vó materna tinha fugido com você.
Nossa tia e nosso pai sempre foram isso que você ta vendo, o dono do morro e a sub dona. Você e minha vó foram as únicas que foram pro asfalto quando você fez três meses de vida, até meus onze anos eu vivia com você, quando você fez dez anos eu já estava morando no morro com a tia e o "namorado" dela, é isso irmãzinha.

Eu simplesmente não sabia o que dizer esse tempo todo.
Todos esconderam tudo de mim eu estava chocada.

Taila: Quando iam me contar? Quando eu me formasse? No dia do meu casamento? Quando, hein, pai?
O olhava com desgosto.

Zé: Filha, foi tudo pra sua proteção e  da sua avó! Jáa bastava seu irmão envolvido nisso, eu ia te contar quando ficasse de maior, e pudesse viver sem depender de mim ou quanto se formasse. Me perdoa.

Eu já chorava horrores, enquanto sentia minha tia me abraçando e me confortando. Me sentava na cadeira e logo ouvia um barulho de porta.
Não acredito, minha vó tá aqui também... Mas ela não estava em São Paulo?!

Marcela: Eu falei que tinha que deixar ela ser criada igual o Rael. Essa história de super proteger ela, não daria certo.
Me levantava, ia abraçar a minha vó.

 Zé: Não começa, mãe.
Olhava ele de canto de olho.
Agora ela pode morar aqui com você de vez, já que não aguentava aquele asfalto.
Como é que é morar aqui?

Marcela: Taila...
A mesma se afastava para falar comigo e eu olhava.
Sempre obedeci minha vó, sempre a amei e respeitei. Ela era minha segunda mãe.
Eu moro aqui, não tinha viagens nenhuma.
Eu só não queria ficar no asfalto, eu te amo tanto, baixinha! Você vai morar comigo aqui na Rocinha, junto da sua família, porque agora você sabe toda a verdade possível, não precisa parar sua vida e nem nós queremos. Sua faculdade e todas as outras coisas que  você fazia, vai poder, só que com mais cautela que antes, entendeu? Apenas abracei minha vó. Chorei e concordei com tudo.

Entre a Razão e o Ódio.Where stories live. Discover now