Capítulo 13 - Um Fio de Hortelã

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   Desde o início de minha narrativa, tenho percebido que seus olhos teimam em direcionar seu olhar para o coto de meu braço. Como lhe disse antes, e não renego isto pois faz parte daquilo que sou, e me aceito desta maneira, hoje sou um aleijado. A idade me alcançou, e não estou longe do abraço final de Tânatos, não por último, também sou um homem quebrado; física e mentalmente. A metade deste braço, que me falta tanto quanto muitas metades de escolhas que fiz, me foi retirada em uma ocasião relacionada ao capricho dos Deuses. Mas não se apresse, no momento certo contarei como fui mutilado.

   Naquele final de tarde, quando Cleômenes apareceu em Tégea, eu deveria tê-lo matado. Não por nosso ódio mútuo, mas para evitar sofrimento e desgraça para Esparta e para a própria Grécia.

   O filho mais velho de meu pai cavalgou até a frente da falange, onde os guerreiros espartanos me encaravam. Na abertura escura dos elmos dos soldados eu via olhos de sombras, famintos como uma revoada de harpias, prontos para devorarem o inimigo a qualquer instante, mas, no coração deles morava uma vergonha, pois estavam levantando seus escudos e apontando suas lanças para mim, que havia partilhado o leito com eles; assim como o frio e a fome, durante as longas provações do Agogê. Era um fato que aqueles espartanos também não odiavam nenhum de meus amigos, e nem mesmo carregavam mágoa contra Zési, aquela mulher a qual eles não faziam ideia de quem fosse. Mas eles estavam sob as ordens do Rei, e o Rei era a própria Esparta.

   Cleômenes se aproximou, enquanto os cascos de seu cavalo erguiam nuvens de poeira. Um perfume de folhas de louro se desprendeu de seu entorno e chegou até mim, mas veio carregado por um ar gelado e eu o entendi como um mau agouro. O inverno acabava de chegar. O mês de Poseidon, dezembro, estava no fim, e logo haveria um frio tão intenso que alguns animais deixariam a Grécia.

   O Rei de Esparta trajava uma túnica à moda da cidade que amava, trazia uma guirlanda de louros ao redor do cabelo perfumado, e em seu quadril se enrolava um cinto. Era um cinturão dourado feito com a pele de uma serpente imensa, a qual, e isso os Atenienses juravam, ele tinha matado com as próprias mãos ainda em sua infância. Eu sempre duvidei da veracidade daquela afirmação, mas se Leônidas era o Leão de Esparta, que Cleômenes fosse a serpente. Não haveria animal melhor para representá-lo.

   Eu argumentei que aqueles que fugiam no barco eram inimigos, mas ele perguntou de quem. Respondi que eram inimigos de Esparta, argumento este que o Rei rebateu dizendo que ele próprio era Esparta e que, portanto, os perdoava. Eu, em um momento de desespero e ainda surpreso com a intromissão Lacedemônia, respondi que aqueles Persas eram meus inimigos próprios, e Cleômenes me perguntou o motivo dessa inimizade. Eu acreditava que minha história com Lanthasménos ainda era um mistério, mas aquele homem era a serpente, e uma cobra sempre está à espreita de uma presa incauta. Se eu deslizasse na escolha de frases, certamente seria picado. Naquela época eu ainda não havia conhecido meu tutor filosófico, Pitágoras, que mudou minha forma de pensar e falar, então, não havia como vencer Cleômenes batalhando com as palavras e a oratória. Mas ele estava ciente de que eu era um homem verdadeiro, e que me parecia demais com Leônidas naquilo que se refere à honra, logo, exigiu saber o motivo pelo qual eu era inimigo daqueles homens.

   Apertei os dentes, e ouvi dois de meus amigos cochicharem em meus ouvidos. De um lado vinha a voz de Cletarco, que dizia claramente: "Não conte a verdade, pois há sempre um dia após o outro. Paráxeni, meu aprendiz de armas, os mortos não se vingam". Mas o irado Hymos também me aconselhava: "Vamos nos atracar nesta terra com nossos irmãos. Será uma morte maravilhosa, pois morreremos lutando com os melhores guerreiros do mundo. E desceremos ao Hades com os dentes cravados no crânio desse ateniense que se diz Rei."

Paráxeni - A Ruína dos Persas. (Por Marco Febrini.)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora