Prólogo

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   O mar lamentava o acontecimento futuro.

   As ondas tocavam a areia, mas fugiam logo em seguida, temendo serem maculadas pelo sangue dos homens.

   O sol pálido já não aquecia mais, apenas iluminava o dia, com tristeza e pesar. Em Esparta temos um ditado: "Veja apenas aquilo que Apolo quer lhe mostrar." E ele nos mostrava cinquenta mil Persas fedorentos atracando na praia. Com seus tecidos imundos e suas flechas covardes.

   Ao meu lado tremiam dez mil Atenienses, acostumados às palavras e diálogos. Mas como se dialoga com um demônio? Quais os argumentos válidos quando os Deuses olham de soslaio para os homens?

   Eu e meus irmãos Espartanos estávamos em seis. E eu sabia, de alguma forma, que faríamos a diferença ali. Muitos diriam que estaríamos no lugar errado e na hora errada. Em meio a tantos Atenienses, longe de casa e de nossos Reis. Mas o lugar de um Espartano é onde seu coração repousa, e o meu habitava a batalha.

   As velas dos navios persas eram como os fantasmas do submundo, vindos diretamente do Hades, carregando presságios de morte e medo. Mas não para mim. Para mim ela trazia um inimigo real e digno de minha força, onde eu afundaria meu punho e minha lança.

   O vento que vinha do mar era salgado e arenoso, entrava nos olhos dos homens, fazia arder e coçar. Alguns murmuraram que Poseidon nos mandava sair dali imediatamente. Mas se os Atenienses não se retiravam como poderiam os Espartanos fazê-lo?

   Meu escudo era meu corpo, minha capa meu estandarte, e minha lança estava casada com os músculos do meu braço.

   Os persas prepararam suas armas de covardes, e de uma hora para outra as setas subiram, para nos atingir em uma espiral de morte.

   Meu nome é Paráxeni. Essa batalha ficaria conhecida como A Batalha de Maratona, mas minha história começa muitos anos antes dela.

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   O Agogê. O treinamento brutal e exclusivo dos Espartanos. Todas as crianças de sangue Espartano eram submetidas a ele, e não havia piedade ou favorecimento. Os inscritos seriam forjados no suor do treinamento.

   E foi assim que eu o conheci. Nunca soube seu nome, mas posso garantir que ainda o vejo em meus pesadelos. Ele era uma criança magra, estava nu e cansado. Trazia uma pedra ensanguentada em uma das mãos. Era uma criança Espartana em Agogê.

   Eu também era uma criança, não muito mais gordo que ele. Minha família havia fugido de Creta comigo, e passado alguns dias nas florestas, mas meus pais contraíram alguma doença, dos animais que caçamos ou do peixe que pescamos. Eu estava sozinho, faminto e cansado. A única diferença entre eu e aquele menino Espartano é que ele tinha uma pedra, e eu um punhal. Em nenhum momento trocamos palavra. Não havia lugar para conversas ali. Éramos animais em conflito.

   A lua assistia calada. E eu me perguntava se os Deuses testemunhavam aquela cena. Rezei por alguns segundos, em meu coração, pedindo força a Ares. Quando terminei o jovem atacou. A força do garoto era descomunal, ainda posso sentir o aperto de suas mãos em meu pescoço. Lutamos como animais, não havia disciplina ou honra, só o instinto de sobreviver.

   E de matar.

   A pedra dele encontrou meu corpo muitas vezes, assim como meu punhal lambeu sua carne. Ele me desarmou em determinado momento e agora possuía a pedra e o punhal. Cinco minutos depois eu estava seriamente ferido, as roupas rasgadas caíam pelo chão, e agora estávamos os dois nus. O vento era frio, e soprava meus ferimentos com afeto. Ele deu um último ataque, e a flecha o acertou. O pobre garoto caiu sem vida, com a seta em seu olho direito.

   Por instinto apanhei o punhal e me deitei no solo gramado.

   Argonianos. Estavam caçando longe demais de sua cidade, confundiram o garoto com um lobo ou uma lebre. Eles jamais matariam um Espartano por prazer, fosse ele um homem ou um menino.

   Me esgueirei pela grama, lembrando de uma brincadeira de criança, ainda em Creta. Não podia ser visto. Os dois homens se aproximaram do garoto. Um dos argonianos o virou no solo, de barriga para cima, e levou a mão à própria boca, espantado.

   A essa altura eu já havia matado seu conterrâneo. O homem então se virou e encontrou meus olhos. Meu punhal perfurou sua garganta. Ele ainda tentou me estrangular, mas suas mãos eram fracas, nem se comparavam à força do menino Espartano.

   Não caí de cansaço, nem reclamei de meus ferimentos. Me livrei do punhal e caminhei.

   Os Deuses devem ser muito sádicos, ou muito sábios, pois na madrugada eu encontrei Esparta.

Paráxeni - A Ruína dos Persas. (Por Marco Febrini.)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora