9. Memórias

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- Posso fazer outras perguntas? - indaguei com certa cautela.

- Claro Amy. Quantas você quiser! - respondeu Charlotte sorridente.

- Só que dessa vez, é sobre você. - sabia que estava entrando em solo perigoso, mas eu sabia que Charlotte era minha amiga e queria saber sua história.

- O que exatamente quer saber? - perguntou ela, claramente desconfortável.

- Bom, que tal uma troca de informações? Você me conta sua vida e eu conto a minha. Afinal, somos amigas, certo?

Charlotte assentiu em silêncio.

- Tudo bem - continuei - primeiro você. Que tal me falar sobre sua infância ou de como veio trabalhar aqui no castelo? Andrew contou-me que você não é como os outros empregados. Você não está morta.

- Não sei se irá acreditar. - murmurou ela.

- Charlie, eu estou trabalhando para um demônio.

- É - concordou ela - tem razão. Tudo bem. - respirou fundo antes de prosseguir - tem razão, eu não estou morta. Bom, minha mãe chama-se Lilith.

- Acho que já li a respeito dela em algum livro. - eu disse, pensativa.

- Ela já foi adorada como uma deusa na Mesopotâmia. - explicou Charlotte - não vou entrar em detalhes sobre sua história. Quando os anjos caíram, ela juntou-se a eles, portanto, ela mora aqui. Enfim, Lilith foi vista como a deusa do sexo e ela dá jus a sua reputação. E não seria diferente com seus filhos. Quando nascem meninos, são chamados de íncubos; e quando meninas, súcubos. Desde que nascemos, fomos criados a saber exatamente o nosso propósito: entrar nos sonhos dos homens ou das mulheres, ter relações sexuais e tirar suas energias vitais, pois é isso que nos alimenta.

- Isso é bizarro. - murmurei sem perceber.

- Concordo - disse Charlotte - mas eu sempre fui diferente de meus irmãos e irmãs. Eu sonho em encontrar o amor verdadeiro. Quero apenas entregar o meu corpo para quem eu possa confiar. Mas minha mãe nunca aceitou isso, então mandou-me para cá. Vou lhe contar um segredo: minha mãe é apaixonada pelo o sr. Andrew. Ela sempre nega quando perguntam isso a ela, mas é evidente em seu rosto... continuando. Minha mãe sempre tentou seduzir o sr. Andrew, mas falhou em todas as tentativas. Ela me mandou para cá na esperança que eu conseguisse o levar para cama, mas eu não queria nada daquilo. E nem o sr. Andrew. Eu fiquei por um tempo aqui no castelo, pois não queria voltar aos meus irmãos e irmãs. Eles são repugnantes! Foi então que ofereci meus serviços como governanta. Sr. Andrew aceitou. Ele ajudou a escolher um nome para mim, me deu roupas e um ótimo quarto! E bom, estou aqui desde os 100 anos de idade.

- Nossa. E quantos anos tem agora?

- 115. Mas continuo uma adolescente. Com força de vontade de uma idosa, claro.

- Eu não entendo...

- As súcubos vivem em média 750 anos. - explicou.

Murmurei um breve "ah" enquanto pensava um pouco na história de Charlotte e no tanto que sua mãe era horrível. Aliás, todo aquele lugar em si era horrível.

- Bom, sua vez! - exclamou ela enquanto abria mais um de seus sorrisos.

- Ok - comecei - bem, eu moro com minha irmã mais velha, como já disse antes a você, no dia da biblioteca. Ela se chama Lucy e moramos com nossa mãe, que se chama Sally Mayhew. Minha mãe ainda usa o sobrenome de solteira pois ela abandonou meu pai assim que nasci. O velho Philip Rogers sempre teve problemas com a bebida. Minha mãe disse que passou quase os 9 meses comigo ainda na própria barriga trabalhando em um café nojento de beira de estrada. Juntou as gorjetas que recebia e conseguiu sair de casa comigo e com Lucy. Certa vez, vi Philip em um supermercado bem afastado do meu bairro. Soube que era ele porque Lucy estava comigo e o reconheceu. Ele tinha cabelo aparado e barba bem feita. Estava vestido em um terno preto. Não ousamos chegar perto e talvez foi melhor assim. Há essa altura da vida, ele nem sequer deve lembrar que já teve uma família.

Meu CarmaWhere stories live. Discover now