Capítulo 12 - Rios e Risos

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   Ziliáris queixava-se por não ter um órgão como o de Agnéio, chutando pedras na água. O imenso Plístia, que ainda trazia partes da carne queimada do sacrifício de Elenikeus, tentava, sem sucesso, convencer Ziliáris de que ele havia sido abençoado com o dom da caça. Mas Ziliáris era daquele jeito, e ele não mudaria nunca, então, continuou se queixando, dessa vez dizendo que Hymos era o melhor corredor da Grécia, enquanto ele próprio era desajeitado com o dardo ou em corridas.

   Olhei meu reflexo naquela lagoa, e me dei conta de que uma volumosa barba começava a tomar meu rosto. Tive vontade de tirá-la com minha espada, mas Hymos, campeão dos jogos Olímpicos, me disse para mantê-la, pois eu parecia mais sábio do que minha idade revelava. Decidi por fim cultivar uma barba, e, como pode ver, ainda a mantenho; mesmo que hoje ela esteja branca como a neve. Naquele lago, ainda encarando meu reflexo e ouvindo os gemidos enlouquecidos da bela Zési, que se unia ferozmente a Agnéio na estrada, me perdi em devaneios sobre o que faria quando resgatasse meu amor.

   Lanthasménos era graciosa, eu ainda me lembrava, e em seu sorriso descansavam as estrelas de meu mundo, mas, a ferida que ela havia sofrido, a qual eu partilhava da dor, poderia mudar seu sorriso para sempre. Eu me afligia, imaginando como ela lidaria com a morte de nosso pequeno Dásos. Ela era uma mulher forte, eu não tinha dúvidas disso, pois parte daquela força arrebatou meu coração e minha vida, mas o golpe de ter um filho assassinado poderia derrubar até a mais forte das mulheres.

   Agnéio nos revelou, quando retomamos a marcha com Zési ao nosso lado, que ele nunca havia conhecido uma mulher como ela, e por isso autorizara sua companhia até chegarmos a Tégea. Por um momento, o grande Plístia brincou, pensamos que Agnéio estava apaixonado por aquela mulher.

   E ele realmente estava. Mas negou laconicamente com um belo e claro "não".

   Tégea se ergueu à nossa frente como uma série de curvas de pedras e árvores, casas e templos. A cidade se desenrolava ao longo de seis colinas, como um pano sobre o corpo de uma mulher nua. Subia e descia por morros e vales, hora sumindo por completo, hora emergindo elevada como uma montanha. Haviam plantações no oeste que iam até o horizonte, e eu imaginei que muitas pessoas viviam ali. E de fato havia uma massa surpreendente de pessoas vivendo em Tégea. Era uma verdadeira Pólis, e representava toda a grandiosidade e força da Grécia. Seus muros eram altos, feitos de pedra branca, e muitas torres de mármore estavam espalhadas pelo campo à frente da cidade. Soldados marchavam pelas cercanias, e percorriam as florestas próximas aos campos, afugentando ladrões, resolvendo brigas, e espantando os animais selvagens das colheitas.

   Ao lado da bela cidade corria um rio chamado Potámis, repleto de barcos e balsas que subiam e desciam a rua aquosa. Esse atalho fluvial era importante para toda a Grécia, e transportava mercadorias para as ilhas que ficavam ao longo do Mar Egeu, que se conectava ao Potámis através de uma engenhosa rede de canais e valas.

   Fomos recebidos por guardas armados no arco de entrada, mas eles não nos fizeram mal, recebendo-nos como Príncipes, o que me fez lembrar do pedido de Leônidas. Adentramos a cidade e nos deparamos com um templo tão grandioso que fizemos uma reverência involuntária. Aquele era o santuário de Poseidon, que abrigava escravos fugidos, ladrões reconhecidos, senhores falidos e até mesmo Reis depostos. Todas as colunas e as pedras eram pintadas com um pigmento azul, e muitas faixas de tecido desciam ao longo da entrada, amarradas no alto, dançando no vento como estandartes divinos; cântaros se derramando estavam bordados neles. Duas estátuas gigantescas representando cavalos de mármore, também azuis e com olhos de pedras preciosas, guardavam a entrada, empinando de maneira ameaçadora. Zési, que nos acompanhava, correu para dentro do local puxando Agnéio pelo braço. O templo do Deus dos Mares era um local sagrado, e armas não podiam macular o ar interno do lugar, por isso Agnéio deixou suas armas e armaduras com os sacerdotes da entrada. Ficou decidido, após Ziliáris reclamar que perderia uma oportunidade única na vida, que adentraríamos o templo para fazer votos a Poseidon.

Paráxeni - A Ruína dos Persas. (Por Marco Febrini.)Where stories live. Discover now