CAPÍTULO TRINTA E UM

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CAIXA DE E-MAIL — RASCUNHOS (1)

De: Rebecca

Para: Daniel

(Sem assunto)

Estou me sentindo exausta, mas tive que vir até aqui só... desabafar. Eu não sei o que eu quero, mas tenho certeza que no final vou me sentir estranha e ao mesmo tempo aliviada. Enfim.

Eu vi Louis hoje... ele foi até a loja e pareceu estar ali só por estar mesmo. Não parecia ter nada para falar. Mas eu o fiz falar. Não de um jeito raivoso, do tipo "fale ou eu esgano você, seu desgraçado". Não. Foi do tipo "senta aí, vamos conversar". E eu não me senti angustiada nem nada. Eu me senti mesmo aliviada e... pela primeira vez, segura de mim.

Só agora estou começando a perceber o quanto fui boba em ter fechado os olhos para algo que estava tão na minha cara todo esse tempo. Talvez tenha sido por estar realmente tão óbvio assim, que eu não quis acreditar. Quer dizer, quando algo é óbvio e fácil demais, a gente sempre desconfia, não é? Por isso fiquei tão hesitante, e por isso joguei todo esse assunto para um lugar bem no fundo da minha caixinha, bem no fundo da consciência, e não quis mais tocá-lo por muito tempo. Até agora há pouco, na verdade. Até hoje à tarde quando eu vi Louis e FINALMENTE o sino tocou na minha cabeça. Ding-Dong, acorda, Rebecca, está na hora de acordar.

Eu tenho algo a dizer, e só queria mesmo colocar para fora

Eu preciso dizer, escrever, gritar, registrar isso, ou eu não vou organizar meus pensamentos. Este e-mail é só uma forma de organizar meus pensamentos. Se você receber esse e-mail na sua caixa de mensagens, provavelmente será um engano (sou estabanada com e-mails e perdi a conta de quantas vezes enviei alguns que deveriam ter sido mantidos apenas no rascunho... enfim), ou então eu estava realmente num estado tão pesado de sono que achei que seria uma boa ideia enviá-lo. Pode ser daqui dez minutos, quando eu terminar de digitar, ou pode ser algum dia em que estarei me sentindo tão mal que revisitarei e-mails no rascunho, quem sabe? Vamos descobrir em breve.

Eis o que tenho a dizer: eu ouvi.

Eu ouvi o que você disse sobre me amar, lá, quando estávamos deitados na grama entre os dois quintais. Acho que você disse alguma coisa antes, mas eu só folguei os dedos nos ouvidos a tempo de ouvir você dizer que me ama, e não só de brincadeira. E você pediu para eu abrir os olhos se tivesse ouvindo. Eu não abri porque não sabia o que você faria, e eu não estava preparada para enfrentar o que quer que fosse. E eu não queria te decepcionar, por isso continuei lá, deitada, até dormirmos. Eu não queria encher minha cabeça com pensamentos loucos sobre você e eu, ou sobre você me amando, e eu segurando a responsabilidade de não te decepcionar sobre qualquer coisa. Foi mais fácil enfiar essa memória lá no fundo, sabe? Como se tivesse sido um sonho. EU ME CONVENCI de que foi um sonho. Eu sei que não foi. Mas foi mais fácil convencer a mim mesmo que eu estava sonhando. Então assim foi.

E agora eu acordei Ding-dong.

Naquele dia, eu não abri os olhos (literal e metaforicamente). Não abri os olhos para o que estava óbvio, e não quis encarar o que você dizia. Deixei pra lá. Porra. Eu não sei porque eu fiz isso, mas eu fiz, e eu estou me sentindo frustrada. E com vontade de rir. Rir porque é tão frustrante que chega a ser engraçado.

Eu corri até sua casa e te beijei naquele dia porque estava me sentindo para baixo, no pior ponto da minha vida até aquele exato momento, e eu sabia, sabia mesmo, lá no fundo, e na superfície, se eu olhasse para ela, que só você podia me fazer sentir melhor. Eu sabia disso, e eu corri até sua porta para que você me fizesse sorrir. Só no meio do caminho, ao passar pela cerca de um quintal para o outro, eu busquei lá no fundo do meu cérebro, a lembrança do que você tinha dito, e minha cabeça buscou aquele sentimentozinho que eu tinha escondido lá atrás. Ele me deu um "oi" a tempo de todo meu corpo esquentar e estremecer ao te ver.

E aí eu te beijei. Porque eu lembrei de um milhão de coisas, e também porque eu quis.

E quer saber de uma coisa? Eu continuo querendo. E eu faria de novo.

Agora eu tenho toda a certeza do mundo: eu faria de novo. E se eu pudesse voltar no tempo, eu não faria antes. Foi importante ter feito naquele momento, porque eu fiquei sozinha para descobrir esses sentimentos. Eu faria de novo. E de novo, e de novo, e de novo... droga. Eu quero fazer de novo.

✩✩✩

Rebecca abriu os olhos e encarou o breu do quarto. Começou a se adaptar com a escuridão, acariciou a cama ao seu lado e sentiu Zeus, ainda desmaiado pelo sono. O relógio na prateleira em frente a cama marcava em vermelho vivo "05:58". Cedo demais para estar acordando, e ela sentiu o peso sob os olhos assim que se deu conta só ter dormido pouco mais de cinco horas. E depois, sentiu uma inquietação no peito, como se seu corpo tivesse tentando mandar sinais para o cérebro, uma lembrança de algo que fizera na noite anterior. O que foi estranho, porque Rebecca não lembrava de sequer ter saído de casa na noite anterior, após chegar da loja. Começou a refazer sua noite em um pequeno trajeto. Chegou em casa, preparou qualquer comida rápida, alimentou Zeus, entrou debaixo do chuveiro, saiu e caiu na cama. O sofá pareceu muito desconfortável para o nível de cansaço do seu corpo, e ela foi direto para o colchão macio da cama vazia e espaçosa. Levou o notebook consigo. Assistiu a um filme on-line e checou os e-mails. Estava na hora em que geralmente Daniel enviava os e-mails, entre as 23h-00h. Ela esperou, mas nenhum e-mail chegou na caixa de mensagens. Ela abriu um novo campo vazio e começou a digitar uma mensagem para o amigo. O destinatário não estava preenchido, mas ela sabia que era para Daniel. O e-mail não precisava ser enviado, então ela o deixou no rascunho e... lembra-se de estar acordando.

Ela tinha certeza de que o e-mail não tinha sido enviado. Pelo menos ela não apertara o botão "enviar", porém, aquela sensação inquietante continuava incomodando-a.

Já totalmente acostumada com a escuridão, Becca procurou o notebook na cama. Estava ao seu lado, ainda aberto, mas a tela apagada. Iniciou o aparelho. Lá estava, a caixa de Rascunhos do Outlook.

Mas não tinha e-mail nenhum guardado.

Estava vazia.

Abriu a caixa de enviados e lá estava.

— Ah, não — Rebecca só gemeu, e fechou o notebook mais uma vez.

A única coisa quepodia fazer era esperar uma resposta.     

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SO-COR-RO

O Amor (nem sempre) Mora ao Lado (À Venda Na Amazon)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora