5. Gatinhos na chuva.

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- Yeah, finalmente livre! - Mike gritou com as mãos pro alto quando entramos em casa e saltitou escada acima.
- Nem me fale! - comentei bocejando e subi para guardar minha mochila - com guardar eu quero dizer jogar ela em qualquer canto - e troquei de roupa. Desci e fui para sala assistir Adventure Time, já tínhamos comido tacos ao sairmos da escola, então eu estava de barriga cheia. Quer dizer, eu e Mike comemos, Kellin nem tocou na comida, dizendo que seu estômago não estava legal e, depois do que vi hoje de manhã, tinha certeza que não estava mesmo.
- A aventura vai começar, todos juntos vamos visitar o mundo de Jake e seu amigo Finn, diversão é aqui, Hora de Aventura! - eu e Kellin cantamos juntos e rimos em seguida. Era engraçado o modo que nossas vozes pareciam combinar juntas.
- Crianças, eu vou sair - Mike disse aparecendo na sala colocando seu inseparável boné. - Vou ir pra casa do Turtle. Sejam coleguinhas e não coloquem fogo na casa. Bye bye. - ele acenou.
- Bye bye. Boa tarde com seu boy. Eu sou shippador número um de Perrentes. - brinquei sorrindo maliciosamente para ele, que me lançou um sorriso bobo e murmurou um "cala a boca", antes de sair porta à fora.
- O que é Perrentes? - Kellin perguntou entortando a cabeça levemente para o lado, o que fez seu cabelo ir junto.
- Mike Fuentes + Tony Perry. - respondi prestando atenção no desenho e depois olhando pra ele, que estava sorrindo.
- Pensei que era só eu que shippava casais não héteros... - ele sorria de lado.
- Nah. Eu shippo qualquer coisa que se move. - ele deu uma risadinha. - Tipo Bubbline.
- Yep, é fofo. Mas, considerando que ela é uma jujuba ambulante e a outra é uma vampira, é bem estranho também.
- É, eu nunca olhei por esse lado... - falei pensativo. Um silêncio confortável se instalou e fiquei apenas assistindo por um tempo. Olhei para o outro sofá e vi Kellin afundado entre as almofadas, com uma expressão calma e sonolenta. - Ei, você está com fome? - perguntei baixo.
- Hm, não. - por frações de segundos, vi desconforto passando por seu rosto.
- Seu estômago está vazio desde aquela hora? - perguntei assustado.
- Não e-eu... Quer dizer, sim, mas eu realmente não estou com vontade de comer. De verdade, meu estômago tá horrível.- ele me olhou sério.
- Então tá. - dei de ombros. - Se sentir vontade de comer, revire o armário ou a geladeira, mi casa es su casa.
- Yo habla español? - perguntou com um falso sotaque.
- Si, rayo del sol. Mi abuela es mexicana. - respondi tentando soar sexy, o que o fez soltar uma gargalhada e corar.
- Sério? - perguntou me fitando.
- Sim. Minha família tem uma descendência muito forte de mexicanos, por isso eu e Mike somos loucos por tacos e tudo pertencente a lá. - respondi e nossa conversa foi cortada por meu telefone vibrando em meu bolso. Era Mike. - Que foi, Perrentes? - perguntei atendendo.
- Cale a boca. - ele dá uma risadinha. - Os caras estão nos chamando para ensaiar e talvez gravar algum vídeo para o YouTube. O que você acha?
- Eu acho que eu estou com preguiça até de respirar e que não vou caminhar até aí, então você vai ter que vir me buscar. - respondi com preguiça exalando por meus poros.
- E eu acho que eu não sou seu motorista e que você deve levantar essa sua bunda gorda daí, parar de paquerar o Kellin e vir aqui tocar agora.
- Vá se foder, eu não sou você. - brinco e posso vê-lo rolar os olhos do outro lado da linha. - Mas eu não tenho nenhuma música em mente. O que vamos tocar? - perguntei coçando meus cabelos bagunçados e me sentando. Notei Kellin prestando atenção discretamente na conversa.
- Que tal tentar uma de suas composições?
- Ahm... - mordi meu lábio pensando. - Eu não acho que elas sejam boas o suficiente...
- Traga algumas delas e nós escolhemos a melhor aqui. Vamos, você sabe que é bom, não fique inseguro. Chega de covers. - ele insistiu.
- Tá, okay. - virei os olhos. - Eu vou escolher umas aqui. Daqui a pouco tô aí.
- Beleza. Até daqui a pouco.
- Até. - respondi desligando a chamada.
- Você tem uma banda? - Kellin perguntou curioso.
- Tenho - sorri orgulhoso.
- Legal. Eu também tenho uma.
- Tem? - perguntei supreso.
- Sim. Mas meus amigos partiram em uma jornada para encontrar a namorada virtual de Justin, então estamos sem tocar por alguns dias. - ele fala como se fosse algo super normal.
- Como assim, "jornada"? - eu pergunto fazendo aspas com os dedos.
- Eles pegaram a van do meu amigo Gabe e foram para uma cidade próxima daqui, esqueci o nome dela. É que Justin conheceu uma garota virtualmente e eles queriam se conhecer, então, como eles são malucos e ótimos amigos, estão o ajudando. - ele diz gesticulando.
- E por que você não foi junto? - eu sei que tô sendo curioso de mais, mas ok né.
- Porque minha adorável mãe me pegou no flaga justo quando eu ia pular da janela e desde então não saiu do meu pé. E é por isso que eu tive que vim para sua casa ao invés de ficar sozinho na minha: ela não confia em mim mais. - ele deu um sorrisinho maligno e toda a impressão de que ele era um anjo foi pro espaço.
- E eu achando que você era um santo! - eu exclamo o fazendo gargalhar.
- Dude, ninguém é santo. - ele piscou para mim e mordeu o lábio de um jeito atrevido. De repente, ele pareceu terrivelmente perverso e sexy, ao mesmo tempo que parecia a criatura mais fofa da face da terra, enquanto mantinha o sorriso no rosto e puxava as mangas da blusa xadrez preta e branca até elas encobrirem seus dedos pálidos. Era a primeira vez que eu achava alguém - principalmente um homem - tão fofinho e adorável e, wow, isso é tão estranho...
- Eu vou subir e já volto. - falei me levantando e ele apenas balançou a cabeça em resposta. Fui até meu quarto, peguei meu caderno de composições e fiquei em dúvida de qual escolher para tocar. Escolhi The Divine Zero, One Hundred Sleepless Nights e Caraphernelia que eram umas das minhas composições favoritas até agora, escolhi algumas outras, peguei minha guitarra e desci. Olhei para Kellin e travei uma guerra mental entre ir e deixá-lo sozinho. - Quer ir ver minha banda tocar? - perguntei ao ver que estava ok tanto para mim, tanto para meus amigos a presença dele.
- Okay. - ele levantou jogando a franja. Ugh, para de ser seduzente, por favor... - Por que tá me olhando assim? - ele fez uma careta desconfiada e riu.
- Assim como? - disfarcei, desligando a TV e pegando meu skate atrás da porta. Sai de casa, com ele atrás de mim.
- Com essa cara de babão.
Dei uma risada desconfortável e forçada.
- Nah, impressão sua. - dei um tapinha no ar e subi no skate, indo devagar para ele não ficar para trás.
- A casa do Tony fica longe? - ele perguntou com as mãos nos bolsos da skinny preta e justa, olhando para o céu azul acima de nós com os olhos semicerrados. O dia estava quente e ensolarado, exatamente do jeito que eu gosto.
- Não, são duas quadras só. - respondo.
- Posso ler as letras das suas músicas quando chegarmos lá? - ele pergunta, me olhando com os olhos tão brilhantes quanto a de uma criança curiosa. Ele também é falante como uma.
- Quando eu cantar você vai ouvi-las, Kells. - reviro meus olhos. Desço do skate o pondo debaixo do meu braço e abro o portão de madeira branca da casa de Tony e entrando como se ela fosse minha. Na verdade, eu passo mais tempo aqui do que em casa.
- Ei! Você me deu um apelido! - ele diz me fazendo arregalar os olhos levemente.
- Cara, eu nem percebi. Foi mau. - eu me viro pra ele um tanto sem graça. Kellin sorri tranquilo e minha vergonha passa quando noto que não tem nada de anormal em apelidar alguém.
- Eu gostei, Vic.
- Que bom, Kells. - eu brinco adentrando a casa de Tony, que está aparentemente silenciosa. Mas sempre é assim, do lado de fora parece tudo em perfeita paz e ordem, mas em algum cômodo eles devem estar gritando feito macacos.
- AWN, QUE LINDOS! ELES JÁ ESTÃO DANDO APELIDOS UM PROS OUTROS! - Jaime chega gritando e eu levo um puta susto.
- Cala a boca, seu 'topetudo. - eu tiro sarro de seu cabelo em pé com aquelas mexas loiras mega esquisitas e bonitinhas ao mesmo tempo.
- Fazer bullyng com os coleguinhas é feio, hein. - ele aponta pra mim com uma banana, mordendo ela em seguida. Eu e Kellin rimos. - Vem, os caras estão no porão.
Seguimos ele e vamos até o porão, onde é nosso "estúdio" e batcaverna secreta. Aqui tem uma geladeira antiga abastecida com latinhas de Monster e outras bebidas, um armário antigo cheio de besteiras, um sofá confortável de couro todo furado, um piano velho, uma bateria e video-games. A mãe de Tony deixou ele ficar com o porão só pra ele e nós nos encontramos aqui quase todas as tardes para ensaiar e fazer vários nadas até enjoar e irmos andar de skate. A iluminação daqui é meio fraca e a janela é pequena, fazendo com que um mínimo raio de sol rasgue o lugar, mas é necessário que as luzes estejam acessas pra enxergar alguma coisa.
Ouço um toquinho triste e vejo Tony e Mike sentados um ao lado do outro no piano, tocando, enquanto Jaime uiva como um lobo tentando soar dramático, o que nos faz rir. Ele segura um gatinho de brinquedo na mão, o colocando ao seu lado e uivando novamente. Eu e Kellin nós sentamos para ouvir o "show".
- São pequenos gatinhos na chuva, uuh. Solitários e perdidos, uuh. Gatinhos na chuva. - ele canta num tom triste e fofo. Mike se treme todo, fingindo estar sentindo a vibração da música, enquanto Tony o encara sorrindo. Rimos mais. - Gatinhos na chuva, uuh. Levem-os para casa, estão com fome e frio, gatinhos na chuva se sentindo vazios, uuh.
- Se um dia eu não for mais o vocalista já sei quem vai tomar meu lugar. - brinco e Jaime põe a mão no peito, sorrindo orgulhoso.
- Então a banda iria por água abaixo. - Tony comenta maldoso e o sorriso dele morre.
- Ai Turtle, não seja rude assim com ele. - Mike o olha chateado.
- Eu pensei que você estivesse do meu lado! - ele diz em tom acusador e nós rimos.
- Sinto muito, baby. E aí, qual música você escolheu, Vic? - Mike diz saindo do piano e se sentando em sua bateria, pegando as banquetas e as girando entre os dedos.
- One Hundred Sleepless Nights, The Divine Zero e Caraphernelia. Mas eu trouxe outras. - respondi me levantando e pegando o pedestal. Meus amigos pegaram seus instrumentos e eu peguei minha guitarra. Demoramos um pouco para achar uma melodia condizente à letra e assim que conseguimos, comemoramos. - Certo, vamos lá. - suspirei ansioso. - Kells, nos assista para dar uma nota depois, okay? Você vai ser nosso jurado. - eu estava um pouco inseguro e nervoso, pra ser sincero. Ele era a primeira pessoa que me ouvia cantar além dos meus amigos.
- Okay. - ele sorri.
- Isso aqui tá parecendo aquele filme lá, como é o nome mesmo?- Mike resmungou rindo.
- A culpa é das estrelas. - Tony respondeu. - Tão lindo...
- Fiquem quietos! - Jaime reclamou, recebendo revirares de olhos de ambos.
- 1, 2, 3...

Broken Pieces • KellicWhere stories live. Discover now