2. Um dia qualquer.

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(Um dia depois, segunda-feira)

Acordei com o objeto que atormenta a vida de todo e qualquer adolescente: o despertador. Ainda de olhos fechados, tatei meu criado-mudo procurando meu celular, e quando achei nem sei como foi que o fiz parar de tocar. Eu estava com uma sensação estranha, uma vontade imensa de me enfiar debaixo das cobertas e nunca mais sair, mas sabia que eu tinha uma vida pra viver mesmo que fosse contra-vontade.
Joguei minha coberta para o lado e me levantei, sentido meu corpo todo se arrepiar e meus pés congelarem ao entrar em contato com o piso gelado. Meus olhos ardiam e eu estava tonto. Parecia que alguém tinha me dado uma surra.
Tomei um banho rápido para espantar o sono, vesti um jeans preto rasgado nos joelhos, uma blusa qualquer, uma jaqueta jeans e pus um boné para esconder a bagunça que meu cabelo se encontrava. Calcei meus vans, passei um perfume, peguei minha mochila e desci me arrastando. Por que temos que acordar cedo e ir pra escola? Argh.
Ao chegar na cozinha, vejo Kellin sentado bebendo café e mexendo no celular, só pra variar. Me sentei na cadeira do outro lado da mesa e senti seu perfume agridoce e inebriante adentrar minhas narinas, me obrigando a respirar mais profundamente só para senti-lo melhor. Bem, eu não costumo ficar apreciando cheiros masculinos, mas ele é excepcionalmente cheiroso. Mas que porra.
- Bom dia. - ele disse ainda com o olhar fixo no celular e só então eu o olhei. Ele usava um moletom preto com a toca vermelha e sua franja tapava seu olho esquerdo, o que fez ele a jogar para o lado. Ele era estranhamente fofo e delicado. Blé.
- Bom dia. - respondi sonolento e sem emoção.
Nesse curto espaço de tempo que Kellin esteve aqui, nossas conversas não passavam disso. Eu nunca tinha mantido uma conversa por mais de 10 segundos com ele, mas também não fazia questão.
Um silêncio não muito confortável se instalou ali, e eu peguei meu costumeiro cereal de rosquinhas coloridas com sabor de frutas no armário, o que é o café da manhã meu é de Mike desde quando éramos crianças. Eu já tinha terminado meu café há tempos quando Mike chegou com cara de sono.
- Até que enfim, eu já tava achando que você tinha caído no ralo e morrido. - falo e ouço Kellin dar uma risada bem baixinha.
- É, eu me atrasei hoje. Dormi mal. - ele disse bocejando e se espreguiçando todo, seus ossos estralaram. Eu sabia porque ele não tinha dormido direito. Também ouvi mais do que devia da conversa dos meu pais e eram coisas horríveis. Eles brigaram feio, e eu tive a leve impressão de ter ouvido minha mãe chorar alto. E eu acho que Kellin também tinha ouvido tudo.
Mike pegou seu cereal e comeu rapidamente, com um pouco de pressa porque estávamos meio atrasados. Quando ele se levantou para colocar a vasilha dentro da pia, eu joguei minha mochila sobre um ombro e fui procurar a chave do carro, porque ele sempre a perde dentro da casa. Mesmo sendo mais novo que eu, Mike já sabe dirigir. O único problema é que ele não sabe o significado do semáforo e nem de freio, então ele é um motorista maluco e irresponsável, mas quem é que liga, não é? Pelo menos não precisamos andar.
Jogo as chaves para Mike e saímos de casa, trancamos tudo e entramos no carro, eu fui na frente com Mike e Kellin foi atrás. Ouço meu celular apitar indicando notificação, então o pego no bolso vendo que era uma mensagem de Jaime:
"Dá uma carona pra mim e pro turtle. Preguiça de andar."
- O Jaime e o Tony querem carona. - falei enquanto enviava um "daqui a pouco estamos aí, suas antas preguiçosas". Nossas casas ficavam bem perto uma das outras.
- Sem problemas! - Mike respondeu e ligou o rádio. Estava tocando Panic! At The Disco - The Ballad Of Mona Lisa. Pelo retrovisor vi Kellin com os olhões arregalados, provavelmente assustado com o jeito que Mike fazia as curvas.
- Se eu soubesse que você dirigia assim tinha ido à pé. Tô com medo de não chegar vivo na escola. - ele disse rindo.
- Relaxa, eu sou um ótimo motorista. - Mike falou sorrindo convencido e dando uma piscadela pra ele.
- Oh, claro. - eu disse irônico.
- Não reclamem, garotas. Se não fosse por mim, vocês estariam caminhando agora. - Mike se gaba.
- Cala a boca. - digo rindo. É verdade.
Não foi muito tempo para que estivéssemos na frente da casa de Jaime.
- E aí, tampinha. - ele disse entrando no carro. Quase ri ao ver seus vans com estampa de oncinhas.
- E aí. - eu respondi fazendo nosso toquinho esquisito. - Bonito o tênis. Pegou da sua mãe?
- Não. Do seu pai. - ele respondeu e nós rimos. Tony também entrou e fechou a porta. Ele usava um óculos escuros e parecia que estava mais dormindo do que acordado.
- Você tá legal, Turtle? - Mike perguntou voltando a dirigir. Tony apenas fez um positivo com o dedo.
- Ele terminou com a Clary e encheu a cara, agora tá com uma ressaca monstro. - Jaime explicou. Ele sempre sabia de tudo sobre corações quebrados, depressão e era o maior conselheiro da face da terra (pelo menos para nós). Ele devia virar psicólogo.
- Meus pêsames. Por que terminaram? - perguntei.
- Ela era uma vadia. - foi a única coisa que ele disse, e fungou em seguida. Assim como eu, Tony não curtia falar de sentimentos seus. - Aí, esse aqui é o tal Kellin que vocês tinham falado?
- É - Mike respondeu. - Kellin, essas antas são o que eu chamo de amigos, o do tênis de oncinha é Jaime Preciado - ele deu um sorriso e fez um rápido toque com Kellin. Não importava se fosse a rainha da Inglaterra, o papa ou até o presidente: Jaime sempre cumprimentava as pessoas com toques estranhos ao invés de apertos de mão. - E esse aí de óculos escuros com cara de bunda é o Tony Perry, também conhecido como Turtle. - Tony fez um positivo pra ele. Quando merdas aconteciam com ele o deixando na bad, ele só fazia joinha pra tudo. - Ele costuma ser mais legal quando tá de bom humor - explicou irônico, Kellin deu um sorriso de lado mostrando seus dentes bem alinhados.
- Por que você tá na casa deles? - Jaime perguntou curioso.
- Minha mãe se casou de novo e foi viajar pra Itália, e como não queria que eu fosse junto e não confia em mim para me deixar sozinho com meus meio-irmãos malucos, me deixou aqui. - ele respondeu.
- Ah, saquei.
- Mas como a gente não se conheceu antes se nossas mãe são tão próximas? - Mike perguntou estacionando o carro meio torto numa vaga próxima ao portão. Era a última, demos sorte.
- Eu sempre ficava na casa do meu pai quando ela dizia que iria visitar suas amigas. Eu achava muito chato. - ele respondeu com cara de tédio e deu ombros.
Todos descemos do carro e adentramos o inferno da terra, também conhecido como selva, campo de guerra, purgatório, centro de tortura e por pessoas normais como escola. Fomos para área dos armários e só pra variar, tinha uma foto imprimida da minha ex namorada transando com um cara do time de basquete colada no meu armário, como todos os outros malditos dias do ano. Isso fez minha vida virar um inferno. Todas as pessoas fazem piadinhas sobre mim e espalham fotos dela por minhas coisas, sem falar do buraco que Danielle deixou em meu coração. Isso ocorreu há menos 6 meses atrás. Ronnie Radke deu uma festa e eu não fui. No dia seguinte todo mundo estava vendo minha namorada transando com outro cara em seus celulares. O vídeo viralizou, e logo chegou até mim por mensagem. Isso me devastou, acabou comigo, foi a pior e mais vergonhosa forma de ser traído. E ela ainda teve a cara-de-pau de pedir perdão, pedindo pra voltar. Porra.
Peguei aquela foto sentindo meus olhos arderem e a rasguei no meio, a atirando num lixo próximo dali. Olhei para o lado e vi Kellin e meus amigos me encarando.
- O que foi? - perguntei bravo.
- Isso ainda mexe contigo, né? - Mike me analisou. Desviei o olhar e me apoiei contra a porta do armário.
- Não - menti e suspirei fundo, tentando esvaziar meu interior de toda a sensação ruim que me inundava toda vez que eu via o vídeo ou a imagem daquilo. Relaxei a expressão e voltei a ficar inexpressivo. - Qual é a primeira aula de vocês? - mudei de assunto.
- Química - Tony respondeu.
- A minha é de... - Jaime pegou a folha dele em seu armário ao lado do meu. - História.
- Pultz, o meu é matemática - Mike fez uma careta.
- Poxa, ninguém tem química? - perguntei desanimado.
- Eu tenho - Kellin respondeu. Aliás, o que ele está fazendo aqui? Pensei que tivesse seu próprio grupo de amigos.
Conversamos mais um pouco sobre qualquer coisa e logo deu o sinal. Ficamos enrolando um pouco antes de irmos para nossas salas e quando cheguei na minha tinha poucos lugares livres. Me sentei na última carteira do canto e Kellin se sentou na minha frente. A sala estava uma completa bagunça e eu iria dormir se Kellin não tivesse me cutucado.
- Ei, você fez o exercício da semana passada? - perguntou me fitando com seus grandes olhos verdes-água.
- Eu dormi - respondi sem nem saber do que ele estava falando e Kellin deu uma risada gostosa, fazendo seus olhos ficarem menores e eu acabei sorrindo junto. Aquele tipo de sorriso que você dá porque outra pessoa deu.
Aproveito a ausência do professor e puxo meu fone de ouvido, colocando pra tocar músicas no aleatório. Observo Kellin olhando para as pessoas distraído e ele retira delicamente a franja dos olhos, colocando seus fones de ouvido também. Então uma coisa me ocorre: se minha mãe disse que ele estuda aqui há tempos, como foi que eu nunca o vi ou ouvi falar dele? Por que ele não foi andar com os amigos dele? Por que ficou conosco, sabendo que nunca tivemos nenhum tipo de contato antes?
Estranho.
- O que você está ouvindo? - pergunto ignorando meus pensamentos curiosos.
- Green Day - 21 Guns. - ele responde. - E você?
- A Day To Remember - All I Want.
- Bom gosto. - ele ergue a sombrancelha.
Começamos a falar sobre músicas e bandas, e eu nem notei que o professor tinha entrado. Kellin não era tão ruim assim, ele tinha um gosto bem parecido com meu. Posso suportá-lo, acho.
O professor explicou alguma coisa que eu não prestei atenção e depois começou a fazer a chamada, e quando todos tinham respondido, ele começou a falar nossas notas por ordem alfabética de chamada.
- Kellin Quinn, 10,0. - o prof. Ivan anunciou. Segurei a vontade de arregalar os olhos.
- Victor Fuentes, 2,5. - passei a mão pelo rosto. Porra, eu tô ferrado. - Quinn, como vi que você o Fuentes estavam mais interessados em seus fones de ouvidos e conversas paralelas, creio eu que possam se ajudarem mais tarde. Bom, quero dizer, o sr. Quinn pode ajudá-lo Fuentes, pois se ele dependesse de você para passar de ano... Coitado. - o professor deu uma gargalhada e alguns alunos o acompanharam. Continuei inexpressivo, mas isso me irritou.
Apenas ignorei o mundo ao meu redor e aumentei o volume dos meus fones.

Broken Pieces • KellicWhere stories live. Discover now