Prólogo

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31 de Outubro de 2013

Jamais imaginei que iria a uma festa de Halloween de universidade, mas foi difícil recusar quando Wendy propôs deixar suas coisas arrumadas e não levar estranhos para o dormitório. Wendy era minha colega de quarto maluca. Enquanto eu sou mais reservada e passo a maior parte do meu tempo livre estudando no quarto ou trabalhando todas as quartas e sextas-feiras, Wendy Kimura é festeira e sempre chega na madrugada. Ela gosta tanto de festas que mal conversamos, é difícil estarmos no quarto as duas juntas, mas quando ela finalmente ficou, me infernizou para ir a festa com ela.

Wendy prometeu que manteria suas coisas arrumadas e não levaria mais nenhum desconhecido para o quarto. Seria um alívio já que um dia até cheguei a acordar e ver um careca deitado ao lado dela. Ele quase saiu correndo quando me viu, não fosse ainda estar tão bêbado e bater com a cara na porta.

Nem consigo descrever o susto que foi ver um homem de quase dois metros de altura, forte e com uma careca reluzente correndo feito uma criança indefesa.

E também tem as roupas, os sapatos, as embalagens de cosméticos e as maquiagens que ela usa. Sério, a garota não pode usar a metade do quarto dela, ela tem que invadir o meu espaço sempre Não sou maníaca por limpeza, mas não aguento o Furacão Kimura destruindo o cubículo que temos de dormitório.

Enfim, ela me fez essa promessa maravilhosa que eu desejei por muito tempo e topei ir à festa. Wendy ficou repetindo que eu aprenderia a festejar como ela. Uma de suas tatuagens era a frase "Play hard", cada palavra em um pulso.

Ela era mesmo maluca.

Depois de ir com ela a uma loja de fantasias, saímos de lá com as fantasias de enfermeira sexy e Cleópatra. Eu seria a Cleópatra, é claro. Sua versão de enfermeira era muito bem maquiada e com um salto enorme que a deixava da minha altura. Minha fantasia falava por si só, a peruca e as roupas egípcias deixavam tudo óbvio. Contudo, a maquiagem precisava ser bem feita, e Wendy me ajudou fazendo tudo. Ela era muito boa nisso.

Depois de me apressar muito, Wendy e eu nos dirigimos até a enorme casa que funcionava como república, que ficava a duas ruas do campus. Era lá que a festa acontecia. Ao chegar, respirei fundo e passamos pela porta. Wendy gritou com alguém e um garoto alto vestido de jogador de futebol americano com ombreiras enormes apareceu e a abraçou. Ele demorou o olhar no vestido branco de látex que ela vestia e só depois ela me apresentou.

- Marc, essa é a Sam. - disse ela enquanto eu apenas acenei de longe, mas o grandalhão fez questão de me dar um beijo demorado no rosto e me fez sentir seu bafo de álcool - Hoje a Sam vai saber como são as nossas festas. - Wendy continuou e eu não gostei do sorriso que surgiu em seus lábios.

- Será que ela consegue? - o garoto riu.

- Ela é meio caipira, mas vai conseguir sim.

Eu odiava ser chamada de caipira. Meu sotaque não era mais tão carregado, mas ela ainda insistia em me chamar assim. Aquilo me dava nos nervos.

...

Eu não estava em clima de festa, mas havia feito o pequeno acordo com Wendy e teria que aguentar. Fiquei perto dela e de seus amigos o tempo todo, ela me ofereceu bebida, alguns caras bêbados me chamaram pra dançar e eu não fui. Estava sem condições de dançar com medo de alguém virar e vomitar em cima de mim a qualquer momento. Aquelas coisas não aconteciam na minha cidade, eu não estava acostumada.

Eu estava a ponto de desistir e voltar para o dormitório quando Wendy gritou, agora já em seu estado comum, bêbada:

- Alguém pode dar uma bebida para essa garota? Sam! Você disse que ia tentar curtir a festa!

Revirei os olhos e a ignorei. Eu podia sobreviver à bagunça e aos desconhecidos no quarto, mas a essa festa não. Alguém conversou ao pé do ouvido com a japonesa, agora descalça e sem o chapéu com a cruz vermelha, e ela gritou como se eu não estivesse ouvindo:

- Ela é assim mesmo, caipira. É de uma cidadezinha da Carolina do Norte e nunca nem viu uma escada rolante. - Wendy caiu na risada e os seus amigos ao redor também riram e olharam para mim.

Senti o sangue esquentar e respondi:

- Sul.

- O que disse, caipira? - um de seus amigos, fantasiado de Super Homem, falou, gargalhando bem alto.

Falei mais alto:

- É Carolina do Sul! E não me chame de caipira. - senti os detalhes dourados da minha peruca baterem uns nos outros quando dei um soco o mais forte que pude no braço do idiota.

Wendy apenas sorriu e levantou seu copo.

- Que diferença faz? Sul ou Norte, ainda te faz uma caipira que não sabe socializar.

Eu queria socializar, mas não daquela maneira bêbada e descontrolada. Mas a vontade de fazer parte daquela festa de cidade grande me fez caminhar até tomar o copo da mão de Wendy e então beber o que havia nele. Estava tão forte que tossi depois do último gole.

- Que droga é essa? Gasolina? O que colocaram aqui? - perguntei sentindo a garganta queimar.

- Diversão. É isso que tem aí dentro, caipira. - Wendy disse de novo, sorrindo, e eu percebi que ela entendeu bem o quanto fico irritada quando me chamam assim.

E então, quando dei por mim, estava ganhando mais uma rodada na brincadeira de furar a latinha e beber o mais rápido possível. Àquela altura, depois de tantas vezes que ouvi a palavra caipira, estava dançando com todo mundo, bebendo até cerveja, que detesto, e me divertindo como manda a cartilha de Wendy.

O salão principal ficou mais vazio com o tempo e eu vi uma rodinha no canto com várias pessoas e um loiro alto que, pelo que consegui distinguir, era muito bonito. Vi que ele sorriu para mim e dei passos curtos em sua direção, me senti sedutora e insinuante pensando que ele me beijaria, mas não. Acabei beijando outro desconhecido e foi como se o álcool tivesse evaporado do meu organismo de tão profundo que foi.

E eu nem tive tempo de ver seu rosto. Aliás, nem tive tempo de prestar atenção nele, só consegui ver Natalie Jackson atravessando o salão com um vestido branco enorme e um cabelo preto que, com certeza, não era dela. E então só tive a certeza de que não podia mais ficar ali.



NOTA: Fiz uma pastinha no Pinterest c/ as referências de personagem. Caso tenha curiosidade (e sugestões tbm, eu adoro ♥) o link da pasta é https://pin.it/3jJfILr




O AcordoWhere stories live. Discover now