I will survive

4K 348 89
                                    


Eu simplesmente não acreditava em como estava atravessando a rua prestes a entrar no Doran'z. Eu não deveria ter ido. Mas como uma força sobrenatural, algo me empurrou até lá. Talvez fosse meu subconsciente disfarçado de voz de um certo ser incrivelmente lerdo e insistente me infernizando para ir, ou realmente fosse minha vontade escondida de ir e cantar.

Durante todo o caminho até meu trabalho, que pareceu mais longo que o normal, eu tinha um filme repassando na cabeça. Pensar em cantar em público me fazia lembrar de uma sequência de fatos marcantes e traumáticos. Meu pai me incentivando a cantar e a participar do show de talentos do colégio, minha mãe jogando o pequeno troféu dourado no lixo, meu irmão mais velho sempre apático e sem opinião, os aplausos e sorrisos das pessoas no colégio quando cantei, Douglas Christensen elogiando minha voz na primeira vez que nos vimos para se aproveitar de mim, Steve de olhos fechados e depois chocado ao me ouvir cantar. Eram muitas lembranças. Flashes de toda uma vida.

E lá estava eu, na porta do Doran'z olhando o pequeno espaço onde estava o microfone e seu suporte, as caixas de som e Steve de costas falando com alguém. E foi quando Mercedes, uma das filhas do meu chefe, me viu do lado de fora e sorriu acenando. Steve logo se virou e abriu um sorriso enorme que parecia ser de alívio. Ele provavelmente percebeu como eu estava travada ali na porta, então veio e abriu para mim. Assim que entrei, Doran veio falando:

- Walker, seu amigo disse maravilhas sobre você e sua voz. Eu não sei de nada, mas ele me ajudou então confio nele. Não vai servir mesas hoje, mas se cantar mal voltará a servir as pessoas. Entendido?

Ele era sempre assim, já me recebia com ordens e sermões. Apenas concordei com a cabeça e ele saiu depois de dar um tapa, que não deveria ser forte, mas foi, no ombro de Steve.

- Você veio. - foi o estapeado que falou comigo.

- Não, talvez seja meu clone, quem sabe? - eu o olhei séria, mas quando ele começou a rir perdi um pouco da minha expressão e sorri.

- É muito bom te ver de novo, Granada. - ele se acalmou. - Bom, pensei que seria legal ter um banco onde você possa se sentar e cantar. É mais confortável, não acha?

Eu o encarei por alguns segundos, tentando segurar uma pergunta que, no final, acabei falando:

- Por que está fazendo tudo isso? Por que... - os flashes me perturbaram de novo. - Você sabe que isso não é nada fácil para mim, ainda mais agora.

- Primeiro: seu chefe me procurou porque o Brad prometeu ajudá-lo, mas sumiu. Segundo: eu acho que seria bem mais legal você cantar do que servir mesas. Terceiro: isso ajudaria a lanchonete a atrair os clientes de volta. Quarto: você é minha melhor amiga. - ele arqueou as sobrancelhas e seu rosto de repente tinha uma expressão de ironia que até então eu desconhecia. - Precisa de um quinto motivo?

- Não, eu falo: você é um idiota que faz as coisas sem a minha permissão.

- Vou fingir que não gostou da ideia de cantar aqui. - Steve apontou o lugar onde eu ficaria e saiu dali com um sorriso de vitória nos lábios e se juntou a família Doran perto do balcão.

Eu não podia acreditar no complô que ele havia feito junto com os Doran, estavam todos contra mim.


Para uma sexta, o movimento estava bem fraco, mas havia alguns clientes interessados na minha cantoria que ainda não havia começado. Ou eles só queriam comer comida mexicana, como sempre.

Mas foi quando Doran me olhou atravessado detrás do balcão que soube que a hora de cantar havia chegado. Acho que ao todo havia umas doze pessoas ali, me olhando e esperando minha voz soar mais alta do que todas. Porém, mais estranho do que estar ali esperando o momento para cantar, era imaginar que eu faria isso sozinha, não havia playback ou sequer algum instrumento para me acompanhar. E então me ocorreu que ninguém havia pensado no detalhe mais importante.

O AcordoKde žijí příběhy. Začni objevovat