35. Nevasca de verão

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Minhas lágrimas sempre congelam (...)
Tudo que preciso é me lembrar
Como era me sentir viva
— Aurora

***

O tempo escolar chegava ao seu último suspiro acompanhado pelo medo irracional por um maníaco sem rosto demarcado pela descrição. As vítimas da cidade continuavam vivas e inesquecíveis apenas em nossas memórias, já que as reportages cessaram assim que novas manchetes se encontraram dentre metrópoles.

As salas de aula se encontravam vazias. Todo o refeitório se silenciava durante as refeições e a maioria dos armários caiu em desuso logo após o funeral mais recente. Deprimente.

Não sendo a depressão coletiva o suficiente para o final, professor Harry teve o desprazer de me passar na recuperação por dois décimos, o que me fez deixar o prédio com o maior sorriso do mundo. Enfim pude aproveitar o recesso e sentir os primeiros flocos de neve cobrirem meu nariz. As crianças de condomínios próximos construíam bonecos de neve, da mesma forma que meu irmão e eu fazíamos quando menores, além de venderam seus famosos chocolates quentes com biscoitos azuis de porta em porta. A paisagem inteira se descolorira apenas para que os pequenos a revivessem com sua bondade.

Todavia, a magia é quebrada ao avistar as duas melhores amigas líderes de torcida em um banco solitário do colegial. Por estar um pouco distante, creio que não me escutaram chegando de fininho e ouvindo sua conversa:

— Pare de chorar, Candace — consola a morena. — Nada irá trazê-lo de volta.

— Por que ele foi tão burro?!

Os olhos de Summer caem sobre seus sapatos para neve, dignos de grifes caras que alguém como eu jamais teria condições de pagar.

— Ele está em um lugar melhor, creia que está tudo bem com o Don...

— Não! Donnie irritou meu namorado, foi mais que merecido!

A reação da loira me afronta. Eu tinha certeza de que ela estaria junto ao garoto que quis defendê-la de um abusador, mas era claro o meu erro. Se a mensagem marcada no banheiro mostrasse a verdade sobre aquela noite, não seria mais precisa tanta supresa, já que Candace tramava contra Summer para convencê-la de sua pureza.

O fato é que estou tão desnorteada que parto correndo para casa, sem ao menos voltar a olhar para trás.

***

A lareira está acesa. Red descansa em meu colo enquanto Thomas termina o balde de pipoca caramelizada juntamente ao filme de suspense que colocamos no DVD. Conto a ele sobre a conversa das duas amigas que ouvi no outro dia, claro, pois tive que tomar tempo para pensar se valeria a pena soltá-la.

— Acredite se quiser — digo, bebendo o restante de minha água. — Depois de ele tê-la defendido daquele cara, a garota solta uma dessas? Só pode estar louca.

— Não tem sentido, Sya. De onde tirou essa ideia, por que ficar com Donnie para depois desejar sua morte?

— É algo que eu gostaria de saber, mas acho que Candace sempre foi assim. — Uma cena do filme conta com a noite de Ação de Graças canadense. — Fiquei triste por seus irmãos não terem vindo da faculdade.

O loiro bufa.

— Tenho certeza de que eles aparecerão no Natal. Suzanna faz um bolo de frutas ótimo.

Solto um riso só de imaginar como seria sua reação ao saber que não posso comer nada exageradamente doce. Meu pai fazia tantos biscoitos de gengibre às crianças carentes do bairro que eu chegava a ficar com inveja de elas poderem comer tudo aquilo.

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