24. Sem misericórdia

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E você me agradeceu por te curar
Por salvar sua vida
Quando pensou que ninguém poderia
— Flatsound

***

É semana de Halloween e Thomas fará aniversário em breve. O que dar a alguém que parece já ter tudo? Ou melhor: que parece só querer você?

Pelo ginásio, quadra, corredores e salas, as cores laranja, preta e roxa dominavam a vida estudantil por completo. Abóboras fofas, morcegos-vampiros e fantasmas camaradas foram feitos pelos membros do grupo de artes, enquanto a equipe de Europa ficou encarregada de personalizar mais de quinhentos convites para o baile do dia das bruxas na noite do dia 31.

Fantasias para lá, para cá, o jogo da maçã na água com a boca, bonecos de feno, concurso de quem constrói a melhor abóbora. Há tempos eu não ouvia coisas tão doces.

Avisto, naquela manhã, Candace pendurando alguns esqueletos em tamanho real no salão gigantesco onde ocorrerá o evento. Jack e Donnie estão nos fundos do palco, arrumando as luzes incandescentes, efeitos de fumaça e microfones. Nossa escola levava a sério as datas comemorativas.

— Oi, Sya! — Ela me chama, descendo da escada e me dando um abraço. — Faz tempo que não nos vemos.

— Donnie deve ter contado sobre... você sabe, o acidente.

— Sei — seus olhos cheios de olheiras vão para baixo. — Nem imagino o que eu teria feito. Você é mais forte do que imaginávamos.

Rio de sua comparação. Os meninos me encaram com certo desprezo e diversão, mas os ignoro.

— Summer está ajudando o grupo jornalístico com a distribuição dos convites. Se quiser dar uma passadinha lá, o preço está mais barato se comparado ao do ano passado.

Concordo com um aceno, depois saio sem rodeios. Não pretendo distraí-la, muito menos fazer com que os outros cinco garotos que ajeitam a decoração caiam de suas escadas.

De um lado para outro dos corredores, vejo alunos e professores trabalhando juntos para terminarem os preparativos a tempo. A festa é no sábado, e Tom faz aniversário na quinta. São tantas coisas para fazer e pensar que acabo por não fazer nenhuma.

Ainda penso naquele mendigo. O nome dele era... Donald? É estranho demais não ter ouvido seus gritos. Mas eu estava fraca, quase entrando em coma profundo. Os policiais investigaram tudo o que podiam, mas entre mim e o pobre homem não havia nada em comum, apenas o próprio sangue pintando nossas roupas.

Porém, tenho certeza que sobrou uma ponta solta nessa história. Não é possível que um assassino desse nível tenha desaparecido em pleno ar.

Se bem que ninguém ligou muito para o pobre homem.

Essa confusão toda não me faz sentir menos raiva de mim, dos meninos otários daquela escola, das meninas que antes implicavam comigo, dos meus amigos próximos.

Não sei em quem confiar. Somente no Halder.

Falando nisso, vou até o pátio do colégio, sem nada em mente para fazer. Sento sob uma árvore alta e começo a ler uma obra antiga para a aula de literatura. Nada aparentava estar fora do lugar, até que a risadinha de um casal de adolescentes me distrai.

O estranho não foi o ato em si, mas sim aqueles que o faziam. Jimmy e Úrsula não estavam tendo um caso? Então por que Melissa e ele estão de papinho furado?

— Oi? — Chego por trás, surpreendendo-os. A filha do diretor tenta ir embora, mas puxo-a pelo braço. — O papo não é com você.

Viro-me para o menino de aparelho e coturnos, as folhas alaranjadas do outono cobrindo seu colo. Respiro fundo, enfurecida.

Hell GirlOnde as histórias ganham vida. Descobre agora