21. A droga da vida

885 114 71
                                    

E gastei todo meu dinheiro bebendo
Atordoada e um pouco solitária
— Tove Lo

***

Aqui, enquanto a água do chuveiro esquenta dentro do box, penso em como as coisas podem mudar em nossas vidas. Em como a falta de pessoas importantes pode nos deixar sem rumo. Ou até nos motivos que nos fazem ser quem somos.

Sou um perfeito caos. Perdi quem eu amava, mas aquele que chamam de Deus me deu outra chance. Para variar, estraguei tudo quando terminei a gincana. Sei lá, não sinto mais a mesma alegria de ficar perto deles. É que o normal nunca foi para mim. Quero conhecer novas pessoas, me socializar, e agora que tenho o que desejo, percebo que meus amigos estão se distanciando.

Nicholas me telefonou noite passada. Me disse que Thomas estava fazendo o possível para compreender minha nova fase, mas que era difícil. O cara pode até gostar de mim, mas não sei se consigo processar tanta informação em uma única noite.

Entrando no chuveiro, a água despeja sobre minha pele. Depois de tantas reviravoltas, voltar à rotina de quando meus pais eram vivos, de quando eu acordava cedo para trocar meu irmão e irmos para a escola não seria má ideia. O que quero hoje é me trancar no quarto e dormir para sempre.

Nossa equipe colocara o troféu na sala dos professores. Todos decidiram que, por eu nos ter dado a vitória, ficaria por minha escolha o lugar onde jantaríamos nessa sexta-feira. Já que Henna tinha me falado sobre uma nova pizzaria na zona oeste da cidade, perto do farol onde Tom me levara para apreciar a vista, o acordo foi aceito sem mais delongas.

Neste exato momento, estou colocando um moletom preto e calças jeans claras para o evento tão desesperado. Algumas mensagens de Candace, perguntando qual roupa escolhi, aparecem em meu celular, mas decido não respondê-la. Estamos conversando há duas horas, no mínimo, sobre saias curtas e blusas decotadas, e digamos que não sou do tipo que gosta de se aparecer em eventos.

A campainha toca. Quando abro a porta, a namorada de Nick passa por mim sem nem me cumprimentar e se senta junto ao grupo masculino que assiste a Scream com um acompanhamento especial de sanduíches de salame e queijo suíço. Decido que é melhor não incomodá-los porque senti um clima meio tenso se formando em minhas costas.

— Não leve para o pessoal, ela ainda está tentando se acostumar. — Diz Henna, seus cabelos cacheados caindo sobre um vestido colado branco e preto. — Nossa, o inverno já chegou e eu não vi?

— Cale a boca, menina.

Recebo um sorriso carinhoso, e sei que posso contar com ela durante este novo processo de escolha de grupos. Acho que a amo por causa disso, sua compreensão sem julgamentos.

Ou será que estou ficando louca? Por que ela gostaria de mim? E por que Thomas teria um "penhasco" por uma garota que nem sequer se lembrou de seus conselhos nas primeiras semanas de aula?

Em tempos como esse, onde seria possível que eu encontrasse o verdadeiro amor?

***

Donnie nos espera em frente à pizzaria. O grande movimento de pessoas indo e vindo me deixa tonta. As luzes da mercearia logo ao lado não ajudam a focar minha visão.

Entramos, encontrando toda a equipe em uma mesa retangular no final do primeiro andar. Alguns músicos tocam em um palco improvisado e as garçonetes de patins já servem os convidados há algum tempo. Sento na ponta mais distante, com Don e Henna um de frente para o outro. Ao esperarem que eu faça o pedido das bebidas, meu cérebro não consegue identificar as letrinhas miúdas, que saem das páginas e voltam para seus lugares como se eu fosse disléxica.

— Tem remédio para dor de cabeça?

Meus colegas não param a conversa e a música aumenta. Estou perdendo a capacidade de ficar ereta. Começo a ver as garrafas de bebida e garotas de uniforme contornadas com um estranho brilho verde e violeta quase néon.

Envolvo a cabeça entre os braços, perdendo o ar de meus fracos pulmões. Sinto um gosto amargo no fundo da garganta e não há mais tempo para nada além de correr na direção do banheiro.

— Sya? — Chama Henna. Não respondo.

Tranco a porta que dá acesso aos boxes, à pia e uma janelinha alta. O ar-condicionado no último aumenta a vontade de vomitar.

Chelsea... escuto.

O que estou fazendo aqui?

Você desmaiou. Encontraram-na jogada no seu quarto, dizendo coisas estranhas.

Encontro uma privada vazia e me agacho nela. Meu corpo inteiro está tremendo como um filhotinho de gato na chuva. Aquela cena passa depressa.

Eu não sou louca!

Tivemos que te prender nessa maca. Você estava querendo quebrar a janela do quarto.

NÃO! Você não entende, Munhoz.

Eu entendo, Chelsea. A morte da garota, a adoção, o corte dos remédios. Tudo causou um impacto muito forte.

Não é isso, é aquilo. Aquilo voltou, está atrás de mim!

Algo se acumula entre meus dentes e solto um espirro sangrento por todos os ladrilhos da parede. Não vou aguentar.

Enfermeiras, tragam o sedativo!

Doutor? O diretor nos disse que seria melhor experimentar isso.

Vomito mais um pouco de sangue. Escuto minha acompanhante na porta, chutando-a com tanta força que não sei como ela ainda está de pé.

Chelsea, ainda estamos em fase de teste com essa droga, mas os médicos nos asseguraram de que seria o melhor a se fazer nessa situação.

A agulha perfura meu braço. Mamãe sempre dizia para manter distância de coisas ruins, mas e se alguém injetasse LSD direto na minha veia?

Começo a ficar sonolenta.

Enxergo um ambiente colorido e em dobro.

— SYA!

Jenny se suicidou há algumas horas.

Donnie e Jack são os caras mais filhos da puta dessa escola.

Há algo de errado entre Jimmy e Úrsula.

Thomas gosta de mim.

Espere...

Uma gosma verde bem fraca sai por entre os jatos de sangue.

O que é isso?

As festas estão chegando, Sya. Mas nossos joguinhos começam hoje.

É a última coisa que escuto antes de perder os sentidos.

***

Acordo com a cara no piso sujo pelo vômito, um ótimo jeito de passar a noite.

Meu braço continua latejando. Minha cabeça ainda dói, mas pelo menos a visão das luzes incandescentes sumiu. Não quero que pensem que sou uma drogada, por isso limpo um pouco do meu rosto com a manga do moletom. Saio do banheiro e o que encontro é uma garota preocupada me esperando no corredor.

— O que deu em você? — Pergunta, sacudindo meus ombros.

— Perdão, Henna, estou passando mal ultimamente. Sinto muito.

Ela lança um olhar por cima do meu ombro.

— Nossa, eu teria te emprestado algum.

Viro-me para trás, analisando o estrago que fiz no último box, mas não parece ser coisa nova às donas da limpeza. O estranho é que a janelinha alta está aberta. Um pequenino rastro de sangue escorria dela. O que poderia ter feito aquilo?

E por que há uma sirene de polícia do lado de fora?

— Chelsea

Hell GirlOnde as histórias ganham vida. Descobre agora