31. Visões do inferno

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Do berço ao manicômio
Uma mente deformada
Não há saída deste inferno
Avantasia

***

Durante a aula, alguns dias depois, mal consegui olhar para a cara do professor que quase conseguira me abusar. Sinto que nossa pequena confiança do primeiro dia havia sido retalhada em sua frustrante tentativa de me seduzir. O que, no caso, me fez lembrar de sua parceria com o diretor no dia das bruxas e o quanto aquilo não me cheirava bem.

Ninguém pôde deter a mídia carniceira após aquela repercução toda. O colégio inteiro, por principal, ficou sabendo que Lucius se matara ao tentar fazer uma curva perigosa com os freios pegando fogo, apesar de a história contada por parte da coordenadoria ser de outro material. Era impossível não perceber que a rua toda fora atingida pelas chamas e as poças de sangue negro. Com Pathy agora no poder, o charme do senhor Singer desaparecera. Sempre soube que os dois nunca tinham se dado bem.

— Chelsea? — Cutuca Thomas. — O que houve?

— Sono.

— Eu te conheço. Vamos, me diga o que está havendo.

­— Nada, caramba!

Omitir o assédio escolar para meu irmão-quase-namorado era um erro, mas não posso deixar minha vida pessoal tão exposta. Se ele ficasse sabendo, contaria para a diretora, resultando na demissão de Harry, que então espalharia o que bem quisesse de mim pela escola. Já que o caso não se repetiu, resolvi continuar quieta no meu canto apenas ouvindo sobre a guerra dos palestinos e israelenses.

Todavia, não menti ao dizer que estava cansada. Desde que as mortes começaram na cidade, assimilar tudo virara uma tarefa quase impossível. O que acontecia dentro das entranhas regionais continuaria sendo um mistério por muito tempo.

Bocejo ao ouvir sobre a Cisjordânia. Logo, bastaram duas piscadelas para que eu capotasse de vez em um sono profundo.

***

Lucius entrou na sala. Eu era uma espécie de fantasma que vivia em sua televisão a observar todos os seus movimentos.

— Não pode ser... ela matou minha filha?

Os olhos dele incham. Reconheço a imagem por trás de sua janela: a mesma rua onde, dias depois, aconteceria o acidente. Andando de cá para lá, sentia o desespero se espalhar pelo velho homem e o quanto parecia preocupado com quem quer que "ela" fosse.

A professora Clara dizia que eu tinha sérios problemas em diferenciar pronomes. Acho que agora entendo seus sermões.

— Maldita mulher, por que fez isso comigo?

Espere. Será, então, que o assassino não era quem suspeitávamos ser? O quão louca esta história se tornava se até a presença do velho diretor foi requisitada?

Volto a reparar na sala de sua casa. Lucius não devia limpá-la há dias, pois a lixeira lotava de papéis amassados e pedaços de vidro quebrado. Muitas garrafas de bebida alcoólica se enfileiravam nas prateleiras mais altas, nas restantes havendo livros de história da arte e política. Alguns, no entanto, eram mais recentes, tratando de ficções policias e dos piores assassinos em série do último século.

Por que há algo assim em seu estoque?

— Querido?

Para minha surpresa, uma mulher de alta estatura e empalidecida abre a porta com tudo. Seus cabelos longos estão presos em coque alto, a cor preta parecendo viva por entre os nós. O próprio Lucius quase solta um grito ao vê-la entrar.

Hell GirlOnde as histórias ganham vida. Descobre agora