Chegada importante

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-Alice, filha, temos que sair por um momento, não gostaria de ir? -ouvi meu pai perguntar do primeiro andar.
Havia chegado a sexta-feira, dia 11, eu estava quieta e sozinha no quarto a manhã inteira, podia facilmente afirmar que estava sozinha se não fosse a tentativa do meu pai de me fazer sair.
-Não, prefiro ficar aqui. -disse em resposta.
Aproximadamente dois minutos depois minha mãe apareceu na porta e perguntou:
-E amanhã?
-O que tem? -respondi.
-Está disposta a ir à tal oficina ou vai ficar aqui conversando com as paredes de novo?
Eu já havia dito para os meninos algumas semanas antes que iria, mas nas circunstâncias em que me sentia ali, já não tinha certeza. A inscrição/matrícula já estava feita, só me restava aparecer lá no dia seguinte e aproveitar, porém até a sexta à tarde eu sentia tudo, exceto ânimo.
-Eu não sei. -falei em desdém- É provável que não, mas qualquer coisa, eu aviso.
Ela então, entrou no quarto e me deu um abraço, uma tentativa de afugentar toda a dor psicológica que eu sentia naquele momento.
-Seu pai e eu não vamos demorar, temos que ir ver uns amigos, mas voltamos já.
Assenti e disse que ficaria bem, e eles então saíram. Passou-se aproximadamente meia hora e eu permanecia quieta no quarto; naquela tarde especificamente, mais que na semana inteira, eu me vi fortemente apegada às lembranças; meus álbuns de infância estavam espalhados em cima da cama, as fotos de São Paulo também estavam ali jogadas. Eu sinceramente não sabia o tipo de jogo que o meu psicológico estava fazendo comigo; até antes tudo estava bem, eu tinha praticamente tudo o que precisava, por que sem mais ou menos eu passei a tratar a mim mesma como a menininha melancólica, a solitária que só queria se apegar a um passado com alguém que não voltaria mais?
-Rafa, por que você me dá trabalho até fora dessa vida? -falei sozinha enquanto olhava minhas fotos.
-Sente muito a falta dela, não é? -ouvi, o que me tirou dos meus pensamentos.
Eu sabia quem era a dona daquela voz, então me levantei rápido e secando as lágrimas fui correndo abraçá-la.
-Tia Cris! -era a mãe da Rafa. Com tudo aquilo eu havia esquecido completamente que eles chegavam a São Paulo naquele dia e, claro eles eram os tais amigos que os meus pais tinham ido ver, no caso, buscar- Que saudades!
-Ah, minha pequena, está exatamente do jeitinho que estava da última vez que nos vimos.
Sorri e a chamei para entrar no quarto.
-Opa, posso fazer parte desse momento? -disse tio Bruno aparecendo na porta.
-Tio!! Ai que saudades eu estava de vocês.
Ele se aproximou de mim e me abraçou.
-Como você está? -ele perguntou.
-Bem.
-Não minta, por favor, conhecemos você. -ele disse.
Eu não sabia como responder, apenas olhava pr'aquelas fotos em cima da cama e eles entenderam o recado.
-Ela faz muita falta, eu sei. -tia Cris disse com uma mão em meu ombro.
-Quem são essas pessoas? -tio Bruno perguntou enquanto me entregava a foto do final do meu primeiro Improvável.
-São a minha salvação desde que cheguei aqui. -falei sorrindo.
-Então por que parece tão mal agora?
Fiquei calada buscando palavras corretas para responder, e tudo que pude dizer foi:
-Como vocês superaram? -falei segurando a última foto que tirei com a Rafa.
Eles se entreolharam e tia Cris respondeu:
-Não superamos, só deixamos o tempo correr. Sabe, Lice, às vezes eu ainda faço isso que você está fazendo; relembro momentos que não voltam, mas aí eu penso em como a Rafa ficaria feliz por estarmos deixando a tristeza de lado e isso conforta ao menos um pouco.
-Olha só pra você, -tio Bruno começou- está em meio à maior cidade do país, vivendo bem, com amigos, ou seja lá o que esse rapazinho da foto seja seu. -disse apontando para o rosto de Renan na mesma foto de segundos antes. Eu ri e ele continuou- A Rafa estaria orgulhosa de você.
-É, acho que vocês têm razão. Eu realmente devia focar exclusivamente no momento, mas.. ah, não sei, tem horas que o passado volta com tudo. -falei unindo uma foto de Rafa com uma das minhas foto do fim do Improvável. Naqueles pequenos registros fotográficos estavam as pessoas que haviam sido a minha salvação, quer seja desde a infância, ou desde a chegada em São Paulo meses antes.
-Muito bem, mocinha. -tia Cris falou- Agora, nos conte tudo! Os detalhes sobre essa cidade, sobre as pessoas que conheceu, os lugares que visitou, tudo!
Eu ri e comecei a falar de alguns dos melhores pontos turísticos que conhecera lá, sobre a nova escola e até mesmo sobre Renan e os meninos, eles ouviam com atenção, pareciam realmente interessados em conhecer um pouco mais daquele lugar do que em remoer lembranças de um ano antes que, com certeza ainda doíam pra eles. Eles me contaram, também, detalhes sobre a mudança, sobre a rua em que morariam, que era não muito longe dali e disseram que eu devia ir vê-los na nova casa o mais rápido possível, disse que o faria e eles agradeceram.
Já próximo da noite, quando eles tiveram que sair e ir para a nova casa, eu os abracei e agradeci pela conversa, eles disseram que não havia do que agradecer, que tudo o que fizeram foi me contar apenas a verdade, que tudo estava bem, era só questão de focar no presente.
Voltei a meu quarto e continuei a olhar as fotos. O 'aniversário' da Rafa era no dia seguinte, a oficina também, eu teria a noite inteira para realmente decidir o certo.
Era só questão de horas...

Nos Improvisos da VidaWhere stories live. Discover now