Palestra

128 9 0
                                    

Com a chegada do mês de maio, eu pude começar a sentir que a minha zona de timidez para com os Barbixas estava se rompendo cada vez mais, desde março, até então, já haviam sido diversas conversas trocadas, conselhos dados, risadas correspondidas, eu já tinha ganho muito mais do que eu imaginava um dia ter; se naquele dia de fevereiro -quando conheci o canal- alguém tivesse me dito que eles se tornariam o meu melhor refúgio em tão pouco tempo, eu provavelmente teria desacreditado, mas como ninguém me alertou nada, tê-los como minha salvação àquela altura foi a melhor surpresa do ano. Outra surpresa incrível que o ano me proporcionara era a companhia de Renan, que, tinha se tornado bem mais que um vizinho, bem mais que apenas um colega de escola, ele tinha se tornado um amigo, um confidente, alguém com quem contar a toda e qualquer hora.
A cada nova experiência adquirida direta ou indiretamente com aquelas pessoas, eu me questionava: "E se a Vida não tivesse me proporcionado essas pessoas? Será eu estaria perfeitamente sã agora?" Era óbvio que provavelmente eu não estaria, por isso mesmo eu buscava aproveitar cada momento com eles focando no presente, deixando para trás tudo o que havia acontecido de ruim antes.
Foi exatamente o que fiz naquela manhã no começo de maio; era dia dez, meio de semana, poderia facilmente ser apenas um dia comum, o que tecnicamente era, não era como se o universo fosse automaticamente explodir nem nada do tipo... Eu estava na sala de aula -era o 4º horário, aula de Biologia, eu daria tudo naquele momento pra sumir daquela aula, e visto que quase metade da turma cochilava em suas mesas, eu não era a única a querer que aquela aula acabasse logo- onde fomos informados de que haveria uma palestra com ex-alunos da escola e que, a mesma ocorreria ainda durante o horário da aula; fomos, então, liberados a sair da sala para assistí-la.
-Quem serão esses ex-alunos? -perguntei a Renan quando saímos da sala rumo ao local da palestra.
-Tenho uma leve suspeita. -ele disse.
-E pretende me dizer ou vai manter o mistério até lá?
-Prefiro a segunda opção, obrigado.
Dei um soco leve em seu ombro, e ele, ao invés de revidar, me deu um abraço de lado, o que nos fez rir, seguimos, então, para o auditório da escola, onde haveria a palestra. Lá estava tudo perfeitamente ajeitado, ainda havia poucos lugares ocupados, procuramos, então, um lugar para sentarmos e assistirmos à palestra que, seja lá quem fosse ministrar, seria muito melhor do que aquela aula que acabamos por não completar.
-É, confirmei minha suspeita. -Renan disse virando-se para trás.
-Achou os tais ex-alunos? -falei.
-Sim, e você já até os conhece.
Antes de eu perguntar qualquer coisa, passaram por nós, e subiram ao palco, provavelmente a minha mais improvável suspeita de palestrantes.
-Bom dia a todos vocês, para quem já nos conhece; nós somos Os Barbixas, ex-alunos desta instituição e, hoje em dia improvisadores, pra quem não nos conhece; Somos vendedores de pão. -disse Daniel, o que arrancou risos dos alunos.
-Por que nunca me disse que eles estudaram aqui? -cochichei a Renan.
-Que diferença faria? -ele perguntou.
-A diferença de eu ficar um pouco mais nervosa que o normal, obrigada. -falei voltando a atenção a eles, que naquele momento terminavam de se apresentar individualmente.
-Então, pessoal, -Andy começou- o que poderia sair de ensinamento de três humoristas vindo aqui falar com vocês?
-Praticamente nada, sabemos. -disse Elidio, o que arrancou mais risos de todos nós.
-Mas, -Daniel disse tomando a palavra- a diretoria da escola nos convidou a vir aqui, então a gente decidiu contar pra vocês um pouco de como funciona o mundo do improviso e talvez até coisas que aprontamos na nossa época de escola, hein.
-A gente fez eles perderem aula pra aprenderem sobre humor. -disse Andy virando para a platéia- Disponham, viu.
Todos rimos mais um pouco e daí em diante a palestra foi se seguindo. Os três começaram a nos contar sobre a difusão do improviso no Brasil, sobre o surgimento do Improvável, as influências que tiveram para que o espetáculo surgisse e acontecesse, foi então que Daniel pediu que levantassem as mãos aqueles que conhecessem e/ou tivessem assistido ao Improvável ao vivo, ou mesmo na internet; Renan, eu, e mais algumas pessoas levantamos as mãos, é, claramente o Improvável era bem conhecido por ali.
-Olha só, público grande, quero ver todos no Tuca, hein. -ele direcionou o olhar para Renan e eu- Vocês dois eu sei que vão juntos, não preciso nem me preocupar.
Olhei pra ele, que riu pra mim e voltamos a focar nas palavras dos meninos.
Elidio, então, disse à platéia em geral:
-Então, pessoal, o Improvável funciona da seguinte maneira: Temos um Mestre de Cerimônia que é quem nos comanda durante os sete jogos de improviso de cada espetáculo, ele pega a sugestão nos transmite e daí pra frente a gente que se vire, além dele e de nós três, temos mais um jogador convidado e um músico que auxilia nos efeitos sonoros de algumas cenas.
-E pra quem tem dúvida de se há preparação pra isso, sim, há, -disse Andy- antes de cada espetáculo nós treinamos técnicas e alguns jogos pra facilitar o raciocínio rápido.
-Nem sempre sai como a gente quer, -disse Dani- mas esse é o sentido do improviso, é se agarrar e fazer o que puder de acordo com a circunstância dada e dar ao público o máximo que a gente puder de acordo com o exigido.
-E, modéstia à parte, tem funcionado bem nos últimos anos. -disse Elidio.
A palestra teve duração de uma hora e dez minutos -após ela estávamos liberados a ir pra casa-, aquele foi o melhor momento que eu já tinha presenciado naquela escola desde fevereiro; uma palestra me fez esquecer do tédio da aula anterior, da preocupação com provas, dos problemas em geral, claro, aquele momento só podia mesmo ter sido proporcionado por aquelas pessoas.
Ao fim de toda a palestra eles agradeceram ao convite feito pela diretoria, e todos nós da platéia nos levantamos para aplaudí-los, e fazê-los se sentir, de certa forma, acolhidos, como, sem dúvidas, se sentiam ao fazer aquilo que gostavam, eles então tiraram conosco uma foto semelhante à de fim do Improvável, após isso, todos saímos do auditório.
Já na saída, Daniel e eles se propuseram a levar Renan e eu até em casa no carro dele; ele e Elidio foram na frente e Andy, Renan e eu atrás, no caminho fomos conversando sobre o que achamos da palestra, a qual elogiamos bastante e eles agradeceram dizendo não saberem se realmente tinham feito um bom trabalho, o que respondemos positivamente e assim, seguimos rumo a nossos lares.
Quem diria que um dia aparentemente comum se tornaria um dos melhores de todo aquele semestre? Mais uma surpresa positiva da Vida, o que mais me aguardava daquele dia em diante...?

Nos Improvisos da VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora