Capítulo 17.

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A musica alta e agoniante ressoava pela casa fazendo as grossas paredes tremerem. Havia muita gente ali, à julgar pelo que eu via, Diego havia convidado praticamente a escola inteira.
O local era iluminado apenas por luzes coloridas que piscavam no ritmo de batida da musica, o cheiro forte de álcool vindo do bar improvisado abaixo da longa escadaria, misturado ao odor suado e os gritos embriagados das pessoas fazia minha cabeça latejar.
Um garçom que eu não fazia ideia de quem fosse e nem de onde surgira colocou à minha frente uma bandeja com uma única tulipa vermelha solitária no centro. Olhei para o homem que debaixo das luzes coloridas aparentava uns quarenta e poucos anos sem entender nada e ele me lançou uma piscadela cúmplice.
-Um presente. -disse com sua voz rouca.
-De quem? -perguntei sorrindo.
Peguei a bela tulipa e vi que de perto era ainda mais delicada, muitos podem dizer que flores não tem cheiro, mas para mim, aquela tinha um perfume incrível, aquele perfume não me era nada estranho. Segurei a bela flor junto a mim e instantaneamente meu coração bateu mais forte. Eu sabia de quem era, mas mesmo assim, meu cérebro precisava de uma confirmação.
-Do jovem que está de branco. -falou o garçom.
-Obrigado. -falei rindo um pouco envergonhada.
Meus olhos como por mágica foram atraídos para um ponto no lado oposto do salão, onde encontrei o olhar de Matheus. Ele vestia jeans brancos rasgados e camisa social branca com mangas puxadas nos cotovelos. Como se um fio imaginário nos ligasse, assim que meu sorriso se abriu, seu rosto se iluminou e instantaneamente ele também sorriu.
Minha alegria se desfez assim que Christina agarrou seu braço e o levou por entre as pessoas para longe. Por cima dos ombros ele me olhou, seu olhar era suplicante.
Uma lágrima escapou de meu olho naquele momento, ele estava fazendo de novo. Estava brincando novamente comigo.
Joguei a porcaria da flor no chão e à esmaguei com a sola dos meus all-stars olhando em seus olhos. Observei quando seus lábios se entreabriram como se fosse dizer algo, porem pensou melhor e se calou.
Cruzei meus braços em frente ao peito e saí dali. Não queria ver a cara dele nem mais um minuto se quer. Não sei como pude me enganar tão cegamente com ele. Eu pensava que Matheus fosse bom, nunca imaginei que ele fosse esse monstro sem consideração. Ele acha que eu sou o que? Uma bonequinha de sua coleção? Um animalzinho de estimação que você maltrata até cansar e depois dá um pouco de comida para ele e tudo fica bem?
Eu não sou um brinquedo, muito menos um animal. Sou uma pessoa, tenho um coração, onde se encontram muitos sentimentos, entre eles o amor e o ódio que vivem em constante conflito, e no presente momento quem está vencendo essa disputa é o ódio e a culpa é toda de Matheus.
Fui até uma das grandes varandas e me debrucei sobre ela. Meus pulmões agradeceram quando inalei o ar puro e fresco da noite, sabia que precisava pensar em muitas coisas, inclusive em minha situação, porem naquele momento eu queria me distanciar, me afastar daquilo tudo.
Observei as montanhas ao longe, além das casas, além dos prédios, além do horizonte e da poluição luminosa da cidade, imaginei o quanto seria melhor estar lá, viver lá. Mas infelizmente eu estava condenada pelo crime de um dia ter nascido, confinada na decadência da minha realidade.
Será que um dia seria livre para escolher minha vida? Será que um dia seria aceita como realmente sou? Acharia alguém que se apaixonasse pelos meus defeitos assim como pelas minhas qualidades?
Dizem que nesta vida tudo podemos comprar. Que cada coisa tem seu preço. Seria isso verdade?
Se sim, quem estipula este preço? Quanto preciso pagar para viver como os outros à minha volta? Qual seria o preço da felicidade? E do amor? Poderia este sentimento tão nobre e sagrado ser comprado com as riquezas humanas? Qual seria o seu preço?
Eram tantas as perguntas para tão escassas respostas.
Em meio aos meus pensamentos altos e distantes, senti que era observada, na escuridão da noite sem lua, não pude ver seu rosto, mas ainda sim, seus olhos denunciavam sua identidade.
Meu olhar perfurava friamente o seu. Ele não iria fazer aquilo de novo, eu não iria permitir.
-Só quero esclarecer certos "assuntos" com você. -ele deu um paço à frente.
-Não tenho nada à tratar com você. -falei.
-Nós temos sim, muito à tratar e você bem sabe disso. -falou buscando minha mão mas eu o neguei.
-Você não fala com as mãos. -disse dura.
-Porque me trata assim? -perguntou.
Hipócrita.
-Não sei do que você está falando.
-Sabe sim. -ele disse.
-Você não pode falar por mim.
-Gabriela, sejamos adultos e paremos de agir como duas criancinhas de pré-escola.
-Aí está o ponto, eu não sou adulta. Sou adolescente. Mas isso não é desculpa para justificar os meus erros. O mesmo vale para você. -falei.
-O que está insinuando? -perguntou.
-Eu não insinuo nada, quando falo é porque tenho certeza, pois do contrário eu sequer gastaria o meu tempo com hipóteses. -falei.
-Eu vou ignorar esta indireta e continuemos à tratar do que realmente interessa. -ele disse.
-O que pode importar mais do que isso? -perguntei.
-Muitas coisas. -falou.
-Olha, você é quem está agindo pior que uma criança, porque as crianças são inocentes e não tem maldade para com os outros, já você eu não poderia dizer o mesmo.
-Do que você está falando?
-Matheus, você acha legal magoar as pessoas? Gostaria que alguém te iludisse para depois sair por aí desfilando com outra pessoa? Seja sincero. Uma vez na vida fale a verdade, pelo menos isso!
-Gabi, sempre fui sincero com você, aliás, em momento algum eu menti.
-Você não respondeu à minha pergunta. -falou.
Ele baixou os olhos encarando seus pés por algum tempo.
-Matheus? -chamei.
Quando ele levantou a cabeça e me encarou por um minuto, seus olhos eram tristes e escondiam uma grande mágoa.
-Não. -falou por fim.
-Não? -questionei.
-Não, eu não acho legal magoar as pessoas. E não, eu odiaria que você me iludisse.
-Então porque você faz isso? E eu falei uma pessoa, não eu.
-Só você pode me iludir Gabriela. Minha intenção nunca foi te magoar, só eu sei o quanto queria poder te poupar da maldade que tem nesse mundo. -falou.
-Mas você não pode.
-Infelizmente eu sei disso.
-Porque você magoa então? De que adianta querer proteger do resto do mundo se não consegue nem proteger de si mesmo?
-Juro que eu não queria, Gabi você é tudo. É o meu mundo. E... -ele disse e sua voz foi cortada por um soluço. -e eu preciso que me perdoe.
-Perdoar? Você é um cretino.
-Porque me chama assim? -ele levantou seus olhos cheios de água.
-Por que é exatamente isso o que você é. -falei acusadora. -Um cretino. Covarde, incapaz de tomar decisões.
-Gabriela, eu gosto de você. -falou.
-Gosta nada! Você não se importa com ninguém além de si mesmo.
-Não diga isso. -ele pediu.
-Eu digo o que eu quiser! -gritei. -Você não ama ninguém, nem mesmo Christina, porque se amasse não iria ficar me agarrando.
-Você realmente não me conhece. -ele disse virando as costas para mim.
-Tem razão, eu não conheço. Pensei que conhecesse, mas adivinha?! Eu estava redondamente enganada. -retruquei.
-Entenda, eu tenho minhas razões. Juro que não queria que as coisas fossem assim.
-Entender? -minha voz não passava de um sussurro. -Nada que você diga poderia justificar o que você está fazendo.
-Eu só queria fazer o certo, mas acabou dando tudo errado. Eu só queria ter uma chance, um momento em que só existisse eu e você mas... -sua voz falhou. -Só preciso que confie em mim.
-Até quando?
-Sinceramente, eu também queria saber. -ele apertou as pálpebras um segundo antes de continuar. -Não posso contar minhas razões porque isso não diz respeito apenas à mim.
Refleti um tempo em suas palavras. Não tinha dúvidas de que Matheus gostava de mim, porém, gostar não era o bastante. Por um momento me orgulhei dele, por perceber que renuncia aquilo o que quer em nome do que é certo. Mas a realidade era que eu não poderia mais viver daquele jeito, tudo aquilo me machucava muito.
-Eu acredito em você. -disse.
Tenho certeza que por essa resposta Matheus não esperava. Naquele momento tudo o que eu queria era que ele soubesse, que entendesse o meu lado da história.
Ele tentou me abraçar e eu novamente o afastei.
-Da mesma forma que eu entendi seus motivos, agora é você quem precisa entender os meus. Eu não posso ser a sua segunda opção. Eu sou muito mais do que isso. Preciso de mais.
-Isso é um adeus? -a palavra tinha um tom amargo quando falada em voz alta.
-O adeus é uma palavra forte, assim como o nunca. Quem sabe, da mesma forma que nos encontramos naquele dia, quando menos esperarmos, pode haver um tempo, um lugar, uma vida só nossa. Todas as coisas tem seu tempo. Nós também precisamos do nosso. Mas enquanto ele não chega, nos resta esperar e sonhar. -disse tentando demonstrar a força que eu, não tinha.



Cadê Suas Asas, Anjo?Where stories live. Discover now