Capítulo 14.

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Demorou um pouquinho para eu me habituar novamente à vida regrada e ditada por relógios da escola. Depois de uma semana chegando atrasada e levando sermões, finalmente consegui me acostumar com as coisas.
Eu seria hipócrita se dissesse que meus dias estavam sendo fáceis, porque não estavam. Eu procurava manter a maior distância possível, sempre esperava no banheiro até que todos já estivessem nas salas de aula para só aí eu entrar. Não queria correr o risco de me encontrar com Matheus ou Christina nos corredores.
Às vezes, me perguntava a verdadeira razão de ainda estar viva, mais fácil seria se morresse, tenho certeza que não causaria grandes dores.
Era segunda-feira, 21 de dezembro. Faltavam quatro dias para o natal e as pessoas estavam empolgadas com os cinco dias de feriado. Menos eu. Já estava começando a formular respostas para possíveis perguntas sobre as razões de permanecer na escola enquanto todos passam o feriado em família.
A data para a apresentação de Romeu e Julieta já estava definida para o dia 31 daquele mês, às 22:15 horas no pátio central da escola, por conta disso, as aulas de teatro estavam uma bagunça, e fomos obrigados à assistir a peça tantas vezes que eu fui capaz de decorar todas as falas de quase todos os personagens.
Eu estava na aula do professor Rian e estávamos em prova. Aquele cara ficou me encarando, como se pressentisse que assim que ele desviasse o olhar eu iria colar.
Todas as respostas estavam escritas em minha cadeira, bastava-me abrir as pernas para gabaritar a avaliação, mas aquele carrasco me fuzilava silenciosamente. Então eu tive que recorrer à um antigo e às vezes eficiente método chamado Calculo Hipotético Mundial Estimativo, mais conhecido como "chute".
Quando entreguei a prova, não pude deixar de notar o sorriso vitorioso naquela cara de pau do Rian. Aquele desgraçado! Sentia plenamente que eu ainda me ferraris muito por sua causa.
Saí da sala e a primeira pessoa que vi foi Diego.
-Oi. -ele deu aquele sorrisinho fofo.
-Oi. -respondi.
-Tudo bem? -perguntou andando junto comigo.
-Eu estou e você? -falei lhe entregando meus livros que ele pegou sem discutir.
-Eu estou ótimo. Estou em uma montanha-russa que só vai para cima. -falou ele.
As montanhas-russas um dia tem que retornar à terra firme para assim começarem novamente o trajeto de subida. E dessa maneira é a vida, cheia de curvas, altos e baixos, quanto mais alto subirmos, mais violenta será a nossa queda. -pensei.
-Andou lendo "A Culpa é Das Estrelas", foi? -brinquei.
-Não. -ele sorriu. -Na verdade eu olhei o filme, sou muito preguiçoso para ler livros.
Ri da sua capacidade de falar isso na maior cara dura.
-Não tenho mais te visto por aí. O que andou fazendo durante esses dias? -perguntou.
Não era para ver mesmo.
-Comendo, estudando e dormindo, eu acho. -falei.
-Nossa.
-O que foi?
-Isso que eu chamo de vida patética! -ele riu. -Você precisa de emoção.
Ele provavelmente não diria isso se soubesse o tsunami de emoções particulares que eu carregava comigo!
-Por enquanto querido Diego, a única grande emoção que terei é aquela que sinto toda vez que vejo a cara de Márcia. -falei quando chegamos na sala de biologia.
-Então boa sorte! -ele riu e me entregou meus materiais.
-Vou precisar. -sussurrei entrando na sala.
Se havia alguém que me irritava mais do que Tácia naquela escola era Márcia. Duas "tribufus" como o próprio Diego chamava.

***

Acordei com um irritante barulho na porta.
-Quem é? -gritei com voz afetada pelo sono.
-Eu. -alguém disse.
-Eu quem, criatura? -disse fazendo um tremendo esforço para me levantar da cama.
-Diego. -falou o ser atrás da minha porta.
Funguei ao olhar para o relógio e ver que eram sete e trinta da manhã.
-Que tipo de idiota... -fui obrigada a me calar assim que o vi.
Provavelmente eu estava parecendo uma débil. O garoto lindo da minha turma estava na porta do meu quarto, escondendo o rosto atrás de uma margarida branca e ao invés de pular em seu colo, chorar e dizer coisas melosas eu comecei à rir.
-O que é? -ele baixou a flor revelando sua expressão confusa.
-Você parece um cachorro que caiu de um caminhão de mudança desse jeito! -falei rindo dele.
-E isso é ruim? -perguntou.
-Bom, se você curte ser chamado de cachorro, então não. -falei.
-E você, gosta de cachorros?
-Mais ou menos.
-Escolha: o mais, ou menos? -perguntou.
-Ok. Gosto.
-Então eu ganhei o meu dia! -ele sorriu idiota e me entregou a margarida.
Peguei a flor meio sem vontade.
-Não gosta de margaridas? -ele perguntou.
-Sinceramente? Não.
-Desculpe então. Aquela mulher além de tudo ainda tem mau gosto para flores! -ele revirou os olhos.
-Do que está falando? -perguntei.
-Sério, foi mal mesmo Gabi. É que essa era a única flor que eu achei na mesa de Tácia.
-Seu pirado! -sussurrei alto fingindo horror. -Você roubou a flor na mesa da velha azeda! -ri.
-Mais ou menos. -falou.
-Vá agora mesmo devolver! -entreguei a flor em sua mão.
-Tem certeza? -ele levantou as sobrancelhas.
-Absoluta.
-Sabe, se eu devolver não volto à pegar. Não quero aquele ser humano esquisito me passando a mão novamente.
-Seu jaguara! -falei rindo e fechando a porta.
-Hey! -ele voltou a bater. -Abra a porta!
-Então devolva a margarida da velha tarada. -falei ainda rindo.
-É sério isso? Não vai mesmo me deixar entrar?
-Não.
Tranquei a porta e pulei em minha cama.
-Ah Gabi! -ele forçou a fechadura que nem se quer movimentou-se.
-Até mais tarde Diego!
O ouvi bufar e chutar algo do lado de fora do quarto e isso só me fez rir mais. Esse garoto ainda me mata!
Coloquei meus fones de ouvido, escutar música era a coisa que melhor me ajudava a passar pelo tempo em que não tinha outros afazeres.
As aulas de biologia e literatura foram as piores, matemática e artes foram apenas normais. O almoço foi igual, com as mesmas pessoas e até a comida ruim da cantina era igual. Nunca tive grandes expectativas para com a minha vida, porém a rotina já estava me cansando seriamente.



















Cadê Suas Asas, Anjo?Where stories live. Discover now