Capítulo 08.

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Quando o beijo acabou, eu me odiei por ter que respirar. Queria que durasse para sempre.
-Quer sair comigo hoje à noite? -perguntou.
-Até parece, né! Não podemos sair do hotel sem sermos acompanhados. -lembrei à ele.
-Mas e quem falou em sair do hotel? -ele sorriu. -Relaxe!
-O quê sugere?
-Você verá.
-Acho que não é uma boa ideia. Eu odeio surpresas.
-Vamos fazer assim, apenas deixe a sua janela aberta. -ele disse.
-Em primeiro lugar, porque você não pode fazer como as outras pessoas normais e entrar pela porta? -perguntei. -E em segundo, o que eu ganho com isso?
-Por quê eu não sou normal, nós não somos normais. E... O que você ganha? -ele fingiu pensar por um minuto e então me agarrou novamente para me beijar, porém apenas aproximou o rosto do meu. -Você sabe perfeitamente que eu posso te obrigar.
-O quê você realmente quer comigo, hein?
-Eu quero você. -ele disse.
A porta do elevador se abriu e ele me soltou.
Ainda meia zonza por aquilo o que acabara de acontecer, caminhei para fora, estava no meu andar. A porta se fechou atrás de mim e eu soube que Matheus já tinha se afastado. Botei as mãos nos bolsos traseiros de meus jeans e tirei um papelzinho. Uma letra elegantíssima escreveu:

"Te espero às 21:00 horas, não esqueça de abrir a janela."

Quando foi que ele deixou aquilo ali que eu nem percebi?
-Você viu o Matheus? -a voz de Daianna me assustou quando ia entrar em meu quarto.
-Acabei de vê-lo, deve estar lá embaixo. -respondi.
-Ah, valeu mesmo, é que Chris quer falar com ele. -ela sorriu.
-Chris? -ri do nome.
-A Christina. -meu sorriso se desfez. -Ela disse que o celular dele está desligado, e ela morre de saudades do amorzinho dela! -riu.
-"Amorzinho"? -repeti sentindo o gosto azedo da palavra.
-Você não sabia? Eles estão namorando.
Só então eu entendi por quê o Matheus queria entrar em meu quarto. Ele não gostava de mim, apenas me considerava uma distração, alguém para ocupar o espaço vazio enquanto a namorada estava doente. Eu não podia acreditar que não percebi aquilo antes! Idiota! Idiota! Idiota!
Não respondi o comentário de Daianna. Apenas fechei a porta.
Eu não seria uma garota desse tipinho barato. Meu nome não estaria na listinha do garoto que toca guitarra na banda da escola! Maldita ilusão!

***

Senti o colchão afundar com o peso de outro corpo. Abri meus olhos e enxerguei Matheus ao meu lado, seus olhos escurecidos, com um brilho obscuro e intenso.
-Você esqueceu de abrir a janela. -ele disse com sua voz rouca, estava pensativo.
-Eu fechei a janela. - falei. -Como você entrou?
-Tenho meus meios. -ele riu.
-Imagino que você não tenha ido pedir a chave reserva na portaria do hotel. -comentei.
-Devo dizer que você imaginou certo. -ele disse.
-O que você quer? -falei doida para ele sair logo do quarto.
-Já conversamos sobre isso. -ele disse.
Ao ver minha cara de confusão ele completou:
-Já te disse que quero você.
-E eu quero apenas saber, por quê você está aqui. -falei.
-Temos um encontro, lembra? Nós marcamos.
-Correção: você marcou. -falei.
-Tanto faz. -ele deu de ombros.
-Ok. O que quer?
-Falar com você.
-Sobre?
-Nós.
-Nunca poderá haver um nós. Existe eu e existe você. -falei.
-Eu adoraria que você não dissesse mais esta palavra. O nunca é muito forte.
-Fale logo, preciso dormir.
-Vista-se, vamos sair.
-Não, você é quem vai. -corrigi.
-Te dou cinco minutos, ou eu mesmo tiro essa sua camisola sexy, e então não poderei me responsabilizar pelas consequências. -ele sorriu safadamente e sentou na beira da cama.
Levantei as sobrancelhas significativamente.
-O que foi? -perguntou.
-Você pelo menos poderia sair e me dar privacidade para eu me trocar? -falei incrédula.
-Querida, eu vi você de camisola, não precisa mais se envergonhar de mim. -ele riu.
Eu corei.
-Saia logo daqui! -mandei.
Matheus estava sentado no parapeito largo de pedra da sacada quando acabei de pentear meu cabelo. Seus pés balançavam do lado de fora.
-Estou pronta. -falei me aproximando e sentando ao seu lado.
Quando segui o seu olhar, vi o que encarava. A lua crescente, nunca tinha visto um céu tão estrelado.
-A noite está linda. -comentei.
- Está mesmo. -ele disse, eu sabia que sua mente viajava para outro lugar, desejei saber o que ele pensava. - Sabe, quando eu era pequeno, gostava de admirar o céu com meu pai. Ele me ensinou tudo que sei. -ele apontou para uma constelação.
-As três-marias, não é? -falei.
-Sim. É a minha preferida. Papai costumava falar que sua teoria era de que elas representavam as três coisas mais importantes em uma pessoa.
-Quais são essas coisas? -perguntei.
-Fé, amor e esperança. -ele sorriu. -Uma das poucas coisas que me lembro de meu pai é a imagem de ele me falando que um homem deveria ter fé sobre tudo em Deus e em se filho, Jesus, e depois ter fé que uma pessoa pode mudar, acreditar. Esperança que dias melhores virão e acreditar que o amor pode sim transformar até o pior coração congelado.
-E você acredita? -perguntei.
-Acredito em Deus, em seu filho, acredito que seu amor pode mudar as pessoas, e desde muito cedo fui obrigado à crer na teoria de que dias melhores viriam. Mas eles nunca vem. -ele baixou a cabeça e encarou o chão lá embaixo.
Eu sabia que algo o torturava, algo referente aos seus pais o machucava. Ele estava triste, e isso doía em mim. Faria qualquer coisa, seria qualquer coisa, se isso o fizesse feliz.
-Matheus, às vezes tudo o que você precisa é simplesmente abrir os olhos e ver ao seu redor, ver que você não é nenhum Super Homem para suportar tudo sozinho. Algumas dores quando divididas ficam mais fáceis de serem sentidas. -peguei sua mão direita e a envolvi nas minhas.
Ele finalmente olhou para mim, seus olhos estavam marejados. Eu não queria vê-lo chorar.
-Olha, se você não quiser falar, eu entendo, mas... Quantos anos você tem, afinal? -perguntei.
-Dezessete. E você? -ele falou.
-Quinze. -respondi e ele sorriu. -O que foi?
-Você é novinha.
Sorri.
-Além do seu incrível conhecimento sobre o céu, há algo mais sobre você que eu não saiba? -sorri.
-Tem muito sobre mim que você não sabe. -disse ele.
-Ok, você poderia me contar.
-Matheus Dennyl, 17 anos, melhor guitarrista da escola...
-Exibido. -murmurei.
-Talvez. -ele riu.
-Olha! -apontei o céu. -Acho que vi uma estrela-cadente.
-Na verdade, é apenas um meteorito.
-Meteorito? -perguntei.
-Pedras espaciais, basicamente.
-Ok, pedrinhas alienígenas. -repeti da minha maneira e ele riu. -Mas o que isso tem a ver com as estrelas-cadentes?
-As "estrelas-cadentes", como você chama, são pedrinhas alienígenas. -ele sorriu gesticulando o céu. -Quando entram na atmosfera terrestre, entram em combustão. -explicou.
-E o que acontece com as "pedras"? -perguntei.
-Algumas são dissolvidas pela Ionosfera, o que forma um rastro luminoso. Outras por serem grandes demais acabam caídas na Terra, como meteoros.
-Nossa, você sabe bastante sobre o assunto. -falei boba.
Desde pequena essa coisa de estrelas e planetas me encantou, mas eu jamais decoraria algo assim.
-Só o básico. -ele falou.
-Vem! -ele pegou a minha mão e me conduziu pelo quarto, corredor e elevador.
-Aonde vamos? -perguntei quando saímos no pátio do hotel.
-Quer a verdade?
-Sempre.
-Não sei. -ele sorriu.
-Sério? -falei surpresa.
-O problema de vocês patricinhas é que não entendem a expectativa do desconhecido.
-Eu não sou patricinha. -cuspi.
-É, sim. -ele sorriu.
- E você é um caipira! -retruquei.
-Mas você é louca por esse caipira, né?!
-Não sou não! -cruzei meus braços.
-Viu, está agindo como uma patricinha. -ele falou.
-Arght! -bufei. -Você me irrita!
-Eu sei. -ele riu.
-Você está rindo? -ele não me respondeu. -Ai cara, nem sei por que eu vim aqui.
-Mas eu sei. -ele ficou sério -Sua boca diz uma coisa, mas seus olhos revelam outra.
Bufei mas ele puxou minha mão tão forte que perdi o equilíbrio contra seu peito. Ele me agarrou forte com as mãos em minhas costas.
-Me solta! Seu caipira, seu... -ele me beijou e calou qualquer xingamento.
Levada pelo momento, pousei minhas mãos em seu peito e senti uma vibração acelerada. Seria seu coração?
Se fosse, estava batendo exatamente compassado com o meu. Isso quase me comoveu. Quase.
Matheus ainda era o garoto perfeito que balançava meu coração, e que tinha uma namorada. E por essas e outras razões eu deveria ficar o mais longe possível.
Por mais vaca que Christina fosse, ela tinha mais do que eu jamais poderia sonhar em ter. Ela tinha o amor do Matheus, e eu respeitava isso. É super errado eu ficar me esfregando nele como se fosse desimpedido, solteiro, livre, leve e solto. Porque eu sei que as coisas não são assim.
Por mais difícil que fosse, o empurrei para longe sem olhar em seus olhos, eu sabia que se olhasse, eles me convenceriam a ficar, e acredite, eu queria ficar, queria muito. Mas não podia.
Ele tentou pegar minha mão, mas eu o recusei e corri para dentro do hotel. Ouvi-o chamar por mim, mas ao invés de olhá-lo ou mesmo espera-lo. Apresei-me no elevador.
Quando a porta se fechou eu o vi de relance, a confusão em seus olhos fizeram eu me encolher. Não queria deixá-lo sem uma explicação, mas se tentasse, eu não conseguiria.












Cadê Suas Asas, Anjo?Where stories live. Discover now