40 - Meu filho me acordou no meio da noite e disse "tem outro papai na casa".

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Fui acordado com um leve cutucão no meio da noite. Vi meu filho de quatro anos de idade de pé na minha frente, agarrado ao seu ursinho de pelúcia favorito. Sussurrou algo inaudível para mim. Ainda meio dormindo, não consegui entender direito o que disse. Perguntei "o que foi, amigão?" e então ficou mais claro.

"Tem outro papai lá em baixo," sussurrou em um tom apreensivo que sempre faz.

"Que?" perguntei. Eu tinha o ouvido, mas não conseguia acreditar nas palavras.

"Tem outro papai lá em baixo. Igual você, mas ele tá brabo."

"Ok, amigão," falei enquanto o pegava do chão e o colocava na cama do lado de sua mãe. Peguei o taco de beisebol de alumínio de trás da cama e fui descendo as escadas o mais silenciosamente que podia. Certamente eu teria ouvido alguém entrado na nossa casa, o alarme teria disparado. Eu dava cada passo suavemente, esperando que meu filho estivesse apenas tendo um pesadelo.

Quando meu pé tocou o último degrau, eu senti o cheiro. Um cheiro que não sentia fazia anos, mas nunca havia esquecido. Uísque puro-malte. O ar estava impregnado. Eu não bebia há 4 anos, mas o aroma era óbvio. Quem havia trazido bebida alcoólica para esta casa? Nunca tinha notado os rangidos do chão de madeira, mas na quietude da noite pareciam como trovões. Foi aí que ouvi o arfar.
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Tinha alguém ali. O arfar era de ódio, puro e inegável. Tipo um cachorro depois de uma briga, mas que não quer que a briga termine. Espiei a sala de jantar, de onde o respirar estava vindo. Seja lá o que estivesse produzindo aquele barulho, pelo menos estava parado. Olhei ao redor, e até mesmo na escuridão, podia distinguir as luzes do luar sobre a figura de um homem, de pé diante de uma parede. Ele não tinha me notado. Ficou lá, respirações profundamente, diante de uma parede branca.

Não, espere, aquela parede não é totalmente branca. Tem algo pendurado nela. É o retrato da minha esposa no dia do nosso casamento. Aquele monstro está respirando com raiva olhando para ela, e parece que estragou-o de alguma forma. Esperei alguns segundos para meus olhos se ajustarem a escuridão. Consegui ouvir ele falando "vagabunda" para o retrato de minha esposa. Nesse momento eu já estava além do pânico. Segurei o bastão com força. Estou dividido entre a luta e correr dali. Eu pego meu filho e minha esposa e fujo, ou o ataco enquanto ele não me vê? E mesmo se eu o atacar, ele parece estar tão cheio de adrenalina que é capaz de nem machucá-lo.

Neste momento de indecisão finalmente pude perceber que, seja lá quem fosse, parecia comigo. A decisão de correr ou lutar foi feita por mim. Lentamente ele olhou por cima do próprio ombro em minha direção e disse em uma voz grave e assombrosa, "Eu te odeio."

"Que-" Mal consegui falar uma palavra.

"Eu. Te. Odeio." murmurou de novo. "Odeio tudo em você. É sua culpa. Tudo. Espero que você morra."

O medo que fazia meu coração disparar e lavava minha alma era de tal maneira que nunca havia experienciado antes. Finalmente percebi que havia sangue por todos os lados. Todos os cantos. Estava nas paredes, no chão, nas roupas dele e no cabelo também. Era como se ele tivesse banhado a sala de jantar em sangue.

"Como você ousou casar com aquela maldita meretriz? Te falei há mais de uma década que isso aconteceria. E agora vou te matar."

Se virou e começou a vir em minha direção. Bati a porta que ficava no pé da escada e fiquei segurando por dentro, mas podia senti-lo tentando puxar. Ouvi ele gritar do outro lado como um cão com raiva; batendo na porta com a fúria de uma alcateia de lobos. Essa luta durou o que pareceu uma eternidade. Várias vezes eu quase soltei sem querer a maçaneta, mas de repente tudo parou. Usei esse momento para recuperar meu folego. Estava com medo de soltar a porta. Seja lá quem era aquele, não queria que ele tentasse escalar para o segundo andar pelos lados da casa. Então, em pânico, corri lá para cima para pegar meu filho.

Liguei a luz e vi meu filho coberto de sangue sentado na cama, do lado da minha esposa que estava com o crânio totalmente esmagado.

"Papai, você fez a mamãe ficar dodói com o seu taco! Porque você fez isso?"

O taco estava coberto de sangue, ossos e chumaços de cabelo. Sangue cobria minha blusa e rosto. O que eu fiz? Eu estava segurando o taco com minha mão direita e outra coisa com a esquerda. Era um copo de Uísque.

Contos De Terror 1° EDIÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora