35 - TEM ALGUÉM NA CASA

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- Querido, tem alguém na casa.

Ao som trêmulo deste sussurro, o doutor foi tirado de seu profundo sono. Sentiu uma pontada rápida de impaciência pelo incômodo, mas foi logo invadido pela surpresa. Havia alguém na casa? Como assim?

Mexeu-se na cama, causando alguns estalidos na velha armação de madeira. Parou subitamente ao som que produzira, amplificado pelo silêncio da noite. Ora, se havia intrusos na casa, devia fazer silêncio. Pegou os óculos na cabeceira, fixou o olhar no rádio-relógio: 1h30.

Aguçou os ouvidos para tentar captar algum ruído que entregasse a presença do invasor. Acalmou a respiração para que pudesse ouvir o mínimo barulho não familiar e, ao estabilizar o fluxo de entrada e saída de ar em seus pulmões, pôde escutar alguns murmúrios e sinais de atividade bem sutis. Seu coração acelerou, a respiração tornou-se mais frequente e uma sensação de desespero começou a tomar forma em sua mente. Fechou os olhos e tentou se concentrar. Sabia que em momentos de estresse, o melhor era tentar manter a calma na busca pela melhor solução.

Pensou em chamar a polícia. Não... O maldito celular estava dentro do carro. O telefone fixo não tinha extensão em seu quarto, e sua esposa estava com o número do celular inativo já há muito tempo.

O que fazer? E se forem bandidos armados? Não se pode mais ter nada hoje em dia... Um homem que trabalha duro após anos e mais anos de estudo e dedicação ao ofício da medicina, logo menos despertaria a cobiça de algum safado, preguiçoso ladrão.

Ficar parado não seria a melhor opção. Se forem bandidos minimamente espertos e um tanto mais corajosos, irão pensar que as maiores riquezas podem estar no quarto, em uma carteira ou num cofre, talvez. Pensou em sair do quarto... Tinha de ter uma arma em suas mãos. Não tinha arma de fogo, mas tinha uma pesada bengala de madeira de lei que fora de seu pai. Com certeza ela faria algum estrago na cabeça de qualquer gatuno.

Levantou-se da cama com o máximo cuidado... Sua esposa estava paralisada, não emitia som algum. Devia estar aterrorizada. Caminhou descalço pelo carpete do quarto escuro, iluminado levemente de vermelho pelos números de led do rádio-relógio, que agora marcava: 1h34. Tirou a bengala do suporte em que ficava exposta na parede e se encaminhou para a saída do quarto. Pousou o ouvido na porta, podia ouvir mais claramente os passos e murmúrios dos bandidos. Sim: dos bandidos. Provavelmente, pelos seus passos, não mais que dois. Covardes... Nunca vêm sozinhos, sempre tem de ter um parceiro para dar cobertura. Contra quem? Velhos indefesos? Senhoras apavoradas? Ah, esses moleques iam ver só do que ele era feito... Ah, iam.

Sentiu um calor de adrenalina subir à cabeça, encheu-se de coragem. Destrancou a porta, girou a maçaneta. O lado de fora do quarto estava um pouco mais claro pela mistura das luzes da rua e da lua que entravam pelas janelas, filtradas levemente pelas cortinas e refletidas nas paredes. Podia ouvir somente o zumbido da geladeira na cozinha, o tique-taque do velho relógio de pêndulo da família e alguns sons dos invasores. Nada mais. Na vizinhança, um silêncio sepulcral.

Encostou a porta com máximo cuidado, e parou após o estalido da maçaneta. Ah, essa maçaneta miserável... Precisava denunciar seu dono justamente neste momento? Parou por um instante para perceber se havia sido notado: aparentemente.

O chão da casa era totalmente acarpetado, o que facilitava ao velho médico caminhar em silêncio. Foi pelo corredor dos quartos calculando calmamente seus passos, sem apressar-se muito. Precisava usar da cautela para que não fosse surpreendido em nenhum momento. Parou encostado na parede que fazia a curva para o banheiro e a escada. Mais uma vez, fixou sua audição na direção de onde os ruídos vinham, e sua intuição lhe dizia que estavam na sala. Refletiu sobre uma estratégia de ataque, mas se apercebeu de que não tinha nenhuma. A confiança subitamente o abandonava ao passo em que ele tentava buscar uma resposta à questão: como atacá-los sem se ferir? Mas, enquanto vacilava, ouviu leves passos na escada.

Contos De Terror 1° EDIÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora