17 - PILOTO AUTOMÁTICO

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Alguma vez você já esqueceu o seu telefone?

Quando você percebeu que tinha esquecido? Eu estou supondo que você bateu a mão na testa e exclamou "caramba!". Você não lembrou que o havia esquecido espontaneamente, o mais provável é que você estendeu a mão até o bolso ou bolsa, apalpando procurando pelo celular, e ficou momentaneamente confuso(a) por não estar lá. Então você refez mentalmente os passos dos acontecimentos anteriores do dia.

Merda.

No meu caso, o alarme do meu telefone me acordou como sempre, mas eu percebi que a bateria estava mais fraca do que eu esperava. Era um celular novo, e ele tinha esse hábito irritante de deixar os aplicativos executando em segundo plano, drenando a bateria durante a noite. Então, eu coloquei-o para carregar, enquanto eu tomava banho, em vez de deixar da minha maleta do serviço, como sempre faço. Foi um lapso momentâneo da rotina, mas que foi o suficiente. Uma vez no chuveiro, meu cérebro voltou para a "mesma rotina" de toda manhã.

Esquecido.

Isso não era só eu sendo desajeitado, como eu pesquisei mais tarde, esta é uma conhecida função do cérebro. Seu cérebro não trabalha apenas em um nível, ele funciona em vários. Tipo, quando você está andando em algum lugar, você pensa sobre o seu destino e enquanto isso, evita os obstáculos, mas você não precisa ficar pensando em como manter as pernas em movimento corretamente. Se você fizesse, iria complicar totalmente suas tarefas do cotidiano. Eu não estava pensando em regular minha respiração, eu estava pensando se eu deveria tomar um café a caminho do trabalho (o que eu fiz). Eu não estava pensando em processar o meu café da manhã através dos meus intestinos, eu estava me perguntando se eu sairia a tempo de pegar minha filha Emily na creche, após o trabalho ou ficar com outra taxa de atraso. Este é o ponto, há um nível de seu cérebro que apenas lida com a rotina, de modo que o resto do cérebro pode pensar em outras coisas.
Pense nisso. Pense no seu último trajeto. O que você realmente se lembra? Pouco, ou nada, provavelmente. Toda a lembrança se tornou apenas um borrão, e recordar qualquer outro trajeto em particular está cientificamente provado ser difícil. Faça algo com bastante frequência e torna-se rotina. Continue fazendo isso e essa coisa para de ser processada pelo pouco de pensamento do cérebro e fica relegado a uma parte do cérebro dedicada a lidar com a rotina. Seu cérebro continua a fazê-lo, sem você pensar nisso. Em breve, você pensa sobre o seu caminho para o trabalho, tanto quanto você manter suas pernas em movimento enquanto você anda.
A maioria das pessoas chamam isso de piloto automático. Mas tem um perigo nisso. Se você tem uma pausa na sua rotina, a sua capacidade de lembrar e explicar a ruptura é tão boa quanto a sua capacidade de impedir o seu cérebro entrar em modo de rotina. Minha capacidade de lembrar que meu telefone está no balcão é tão confiável quanto a minha capacidade de impedir o meu cérebro de entrar no "modo de rotina matinal", que ditaria que meu telefone está na verdade na minha maleta. Mas eu não impedi meu cérebro de entrar no modo de rotina. Entrei no chuveiro como sempre faço. Rotina iniciada. Exceção esquecida.

Piloto automático ativado.

Meu cérebro estava de volta à rotina. Tomei banho, fiz a barba. No rádio, a previsão de tempo incrivelmente belo. Dei à Emily seu café da manhã e levei-a para o carro (Ela estava tão adorável naquela manhã, ela reclamou do "sol malvado" da parte da manhã cegando-a, dizendo que isso impediu ela de cochilar um pouco no caminho para a creche) e sai. Essa era a rotina. Não importava que o meu telefone estivesse no balcão, carregando silenciosamente. Meu cérebro estava na rotina e na rotina, meu telefone estava em minha maleta. É por isso que eu esqueci de meu telefone. Não foi falta de jeito. Não foi negligência. Meu cérebro entrou em modo de rotina e sobrescreveu a exceção.

Piloto automático ativado.

Fui para o trabalho. Era um dia bem quente. O "sol malvado" estava ardendo desde antes de meu telefone traiçoeiramente ausente me acordar. O volante estava queimando ao toque quando me sentei. Acho que ouvi Emily se mover atrás do banco do motorista para se esconder da luz do sol. Mas eu tenho que trabalhar. Apresentei o relatório. Participei da reunião da manhã. Não antes de uma parada rápida para tomar um café e procurar meu telefone celular, com a ilusão de que estaria na maleta. Não estava. Refiz os passos mentalmente. Lembrei-me da bateria arriada. Lembrei-me de colocá-lo na carga. Lembrei-me de deixá-lo lá.
Meu telefone estava sobre o balcão.

Piloto automático desativado.

Mais uma vez, é aí que reside o perigo. Até que você tenha esse momento, o momento em que você procura pelo seu telefone e quebra a ilusão, aquela parte do cérebro ainda está em modo de rotina. Não tem nenhuma razão para questionar os fatos da rotina, por isso é uma rotina. Atrito da repetição. Não é como se alguém pudesse dizer "Por que você não se lembrou do seu telefone? Como você pôde esquecer? Você deve ser negligente", o que é perder o foco. Meu cérebro estava me dizendo que a rotina foi concluída normalmente, apesar do fato de que ela não estava normal. Não é que eu esqueci meu telefone. De acordo com o meu cérebro, de acordo com a rotina, meu telefone estava na minha maleta. Por que eu deveria questioná-la? Por que eu iria verificar? Por que não, de repente eu me lembraria, do nada, que meu telefone estava em cima do balcão? Meu cérebro estava ligado na rotina, e a rotina era de que meu telefone estava na minha maleta.

O dia continuou a passar. A neblina da manhã deu lugar ao calor implacável da tarde. A luz do sol escaldante, incidindo diretamente sobre a calçada, ameaçava trinca-la. As pessoas trocaram os cafés por bebidas geladas. Casacos descartados, mangas arregaçadas , gravatas afrouxadas, sobrancelhas sendo enxugadas. Os parques lentamente enchendo-se de pessoas nas sombras das árvores. Plásticos se deformando. O termômetro continuava a subir. Porra, que bom que os escritórios têm ar-condicionado.
Mas, como sempre, o calor infernal do dia, deu lugar a uma noite mais fria. Outro dia, salário garantido. Ainda me xingando por ter esquecido o meu telefone, eu fui para casa. Os dias de calor já haviam deixado o interior do carro abafado, liberando um cheiro horrível que vinha de algum lugar. Quando cheguei na entrada de casa, ouvi o som das pedras sendo esmagadas embaixo dos meus pneus, minha esposa me cumprimentou na porta.
"Onde está Emily ? "

Merda.

Como se esquecer o telefone não fosse ruim o suficiente. Depois de tudo que eu tinha deixado Emily na porra da creche. Eu imediatamente corri de volta para a creche. Eu fui até a porta e comecei a praticar minhas desculpas, perguntando, em vão, se eu poderia escapar da taxa de atraso. Eu vi um pedaço de papel preso na porta.

"Devido ao vandalismo durante a noite, utilize o porta lateral. Hoje, apenas. "

Durante a noite? O quê? A porta estava bem esta manh...

Eu congelei. Meus joelhos tremiam.

Vândalos. Uma mudança na rotina.

Meu telefone estava sobre o balcão.

Eu não estive aqui esta manhã.

Meu telefone estava sobre o balcão.

Eu passei direto, porque eu estava bebendo meu café. Eu não tinha deixado Emily.

Meu telefone estava sobre o balcão.

Ela mudou a posição em que estava sentada, para se esconder do sol. Eu não a tinha visto no espelho retrovisor.

Meu telefone estava sobre o balcão.

Ela tinha dormido fora do "sol malvado", então não falou nada quando eu passei direto pela creche.

Meu telefone estava sobre o balcão.

Ela mudou a rotina.

Meu telefone estava sobre o balcão.

Ela mudou a rotina e eu tinha esquecido de deixá-la.

Meu telefone estava sobre o balcão.

9 horas. Esse carro. Aquele sol escaldante. Sem ar. Sem água. Nenhuma ajuda. Esse calor. Um volante muito quente ao toque.

Aquele cheiro.

Fui até a porta do carro. Vertigem. Choque.

Eu abri a porta.

Meu telefone estava em cima do balcão e minha filha estava morta.

Piloto automático desativado.

Bom é isso pessoal
1400 palavras nossa
DURMA BEM MINHAS CRIANÇAS.

Contos De Terror 1° EDIÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora