Mommy

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A brincadeira acaba quando pingos fortes começam a cair sobre o jardim, borboletas sumiram, e tudo ficara feio novamente, sem brilho, como minha vida. Me chamaram, como se aquela chuvinha fosse me matar, mas não reagi, à essas horas já estava cansada, querendo me deitar e ficar olhando o teto a espera de Bianca. Ainda havia um fiozinho de entusiasmo, mal podia esperar para saber mais do garotinho que me fizera sorrir mais cedo. Entrei já ensopada, e fui ao banheiro, Jane me esperava do outro lado da porta, sentada no canto do quarto mexendo no celular, falando com sei lá quem, mas devia ser grave, antes de fechar a porta reparei em suas expressões horas triste, horas desconsolada. Ignorei, não cabia a mim perguntar o que houve. Fechei. Liguei o chuveiro, e passei a me encarar na frente do espelho. Esticava a pele palida de meu rosto, grunhia insatisfeita. Tirei a blusa que cobria meus seios pequenos, tanto quanto os de uma criança imatura. Descobertos os apalpei sem sentir absolutamente nada além de desgosto. Era tão magra, ossos visiveis. Suspirei. Abaixei meu shorts, e já desnuda adentrei o chuveiro quente. Mordisquei meu labio inferior ao sentir a água contra meu corpo, deixei meus cabelos molharem, fitei o chão, fechando meus olhos, mantendo os pensamentos vagos.

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Conversava sobre desenhos animados com Jane, conclui que ela não era tão sonsa como pensei, afinal para falar de animes, tinha que entender, era complexo. Acredite ou não acabei dando vários sorrisos. A morena havia me trazido uma degustação de um café-da-tarde perfeito, sanduiches de presunto e mussarela, torradas integrais e um copo contendo um suco maravilhoso de laranja. Apreciei tudo com muito gosto, e aproveitei a oportunidade para perguntar o nome da tal mulher de cabelos longos e pretos:

- Jane, me diga... como é que se chama a mulher?

Entendeu rapidamente de quem se tratava e respondeu-me simpatica:

- Eve, chamamos ela de Eve. (Lê-se Ive)

E continuou:

-Não sabemos ao certo o nome dela real, nunca nos disse.

-Humm...

Abocanhei o sanduiche, logo depois oferecendo-a um pedaço. A loira negou, por estar no horário de serviço, assenti e continuei a comer. Terminado, coloquei a bandeja no criado que havia ao lado da minha cama. Respirei profundamente e ela quebrou o silencio de minutos:

- Já namorou, Martinez?

Estranhei a pergunta, talvez fizera parte de suas anotações inuteis, neguei com um gesto. Ela sorriu mordiscando teus lábios, tentando ser sensual, suponho, mas não me encantei, parecia que comia sua boca. Segurei o riso, apenas sorrindo sem mostrar os dentes. Sua mão tocou a minha, e meus olhos espontaneamente se arregalaram. Batidas na porta. Ufa! Puxei minha mão, e sorri para a entrada do quarto sem ao menos saber quem era... BIANCA!

- Doutora!

Percebi a expressão de insatisfação da loira e seu rolar de olhos. Que maluca! Não posso ser gentil que já se atirara em mim. Não, definitivamente não. Bianca gesticulou com um sorriso singelo, como se este pudesse dizer "agora deixa comigo", e assim Jane deixou o quarto.

- Como vai, Jullie? Fiquei sabendo que está mais bem humorada. Fiquei feliz com isso.

Assenti, e sorri retribuindo teu belo sorriso. Um elogio, vamos lá... A conversa seguiu-se por mais ou menos 40 minutos e quase ao fim da terapia diaria, questionei:

-Conhece um garoto... chamado Max?

Ela me olhou sério, pensou, e repontou:

- Porque a pergunta?

- Não se responde uma pergunta com outra, Doutora. - retruquei.

- Já ouvi falar. - bufou - é o garoto que sofre de autismo. Vive aqui a mais ou menos 9 meses.

Me assustei. Nove meses? Engoli a informação que mexera comigo instantaneamente e a mulher continuou:

- Não deve falar com ele. E nem com ninguém.

Estranhei. Qual era o problema de falar com alguém? Passei a duvidar de seu objetivo. Seria este me curar, ou acabar de matar? Sua expressão, me deixou apreensiva, tinha ódio nos olhos. Assenti sem continuar o assunto. Ela despediu-se e saiu em passos pesados, batendo a porta.

- Anne...

Peguei a boneca e coloquei-a em meu colo, era como se eu acabasse de levar um esporro daqueles de mãe, emoção acima da razão, e lagrimas começaram a escorrer por minha face.

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Não sei quando e como foi, mas adormeci, e só percebi quando acordei, com cutucadas insensiveis em minha bochecha. Abri os olhos resmungando, estes ardiam, cocei-os. Espera... Mirei o "meio metro" a minha frente, me olhando ansioso e soltou:

- Oi...Vamos...brincar?

Me sentei na cama, assustada. Menino travesso, como ousa a me acordar? Respirei exalando um ar desprazeroso. Me levantei:

- Sabe que não pode ficar aqui, não é? Se te pegarem, estaremos encrencados.

Ele assentiu, mas não parecia temer. Subiu em minha cama, e sem que eu notasse, pegou Anne.

- Gostou mesmo dela...não?

-Sim! - sorriu - Sabe brincar.. de bolinha de gude?

-Sei, sou perita nisso.

Retruquei, deixando me levar por seu papo. Lembrei que tinha uma coleção na gaveta. Diversão solitaria, agora tinha alguém para partilhar. Fui até a comoda, e peguei o saquinho cheios das bolinhas de vidro, sentei no chão e assim o garoto também fez. Abri e começamos a bater bolinhas e trocar pontos. Riamos de maneira sincera. Precisavamos disso, ambos.

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Max foi cansando, deitou-se no tapete, ainda jogando... era minha vez. Ele saira invicto, entendia do jogo. Vergonhoso, eu estava prestes a perder. Joguei. Ganhei a bolinha menor. Vez dele.

-Vai Max, sua vez...

Resmungou, com os olhos fechados. Havia dormido. Pensei em desperta-lo, mas como? Não era capaz... seu dia devia ter sido dificil, e já passavam das 21h. Acariciei seus cabelinhos e me levantei. Ajeitei todas as bolinhas dentro do saquinho e guardei-as. Voltei e o peguei no colo, não despertou. Me arriscaria a sair do quarto e leva-lo ao teu. Caminhei até o corredor e ele murmurou:

- Ma...mamãe..

-Shh! Vá dormir meio metro.

Sussurrei e ele sorriu ainda adormecido, empurrei a porta do quarto do garoto com o traseiro, adentrei e o deitei em sua caminha pequena, o cobri até o peito. Apaguei a luz e sai de lá silenciosamente. Em passos cautelosos, voltei a meu quarto, encostei a porta e me deitei, pelo interruptor do meu lado, desvaneci o ambiente. Não pude deixar de pensar em seus resmungos. Mas evitei focar naquilo, para não dar bandeira no dia seguinte. Fechei os olhos, abraçada com Any. Cantarolei Let me Love You até pegar no sono.

PsicoLove.Where stories live. Discover now