11b. O patamar celestial (Kunhã Rendy)

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Firmo a vista, chegando a apertar os olhos, mas ainda assim não consigo ver nada ali. E me movimento no sentido de me levantar.

Subitamente percebo um movimento em uma árvore próxima, as folhas se mexem, galhos se movem. E tenho uma certeza. Realmente há algo ali que meus olhos humanos não conseguem captar e, estranhamente, sinto-me atraída para lá. Me levanto e, ainda que não tenha saído do lugar, parece que estou me vendo de cima da árvore. Como se meu ser estivesse em outro corpo. Um corpo que se movimenta silenciosamente no galho da árvore que tomba para frente, quase horizontalmente. O movimento é como se fosse de um animal, como de uma onça.

Aperto muito forte os amuletos e clamo mais ainda o meu Járy. E então já não estou naquele corpo e sim no meu. Mas vejo através da neblina o que está na árvore. E parece ser mesmo uma onça.

É claro que meu corpo estremece de medo. Se for mesmo uma onça, eu não tenho a mínima chance. Eu ouço um baque surdo e sei que a onça pulou no chão e antes que eu consiga pensar em algo, vejo que ela já está em volta de mim. Ela para em minha frente e me encara. Fico como que hipnotizada. E ainda me encarando, ela dá uma caminhada em passos leves, suaves, em volta de mim. Esses olhos...

Eu sinto que conheço esses olhos.

— Jogue os amuletos! – ouço como que dentro de minha cabeça.

— O quê? – eu falo, sem saber para quem estou falando.

Eu giro e giro de novo, procurando de onde vem a voz. Mas não tem ninguém. Só a onça me encarando esmaecida pela neblina.

— Tire o amuleto e jogue! – eu ouço de novo dentro de minha cabeça. Não é um som audível. É como uma telepatia. – Se não tirar, eu não tenho como estar com você. Não tenho permissão.

É isso mesmo? Isso que está sendo enviado para minha mente está vindo da onça? Será que eu estou certa? Sim, e eu agora tenho certeza. Está vindo da onça, mas não é necessariamente o animal que está falando comigo, eu sei. Agora eu sei. É O Adornado. Eu tenho certeza de que é ele.

A onça se movimenta e, com força, arranha o chão. Eu sinto meus amuletos, que foram benzidos pelo Pa'i, como que sendo forçados para baixo. Como se alguém estivesse tentando arrancá-los de mim. E, num ímpeto, eu os seguro ainda mais forte. Percebo que, seja o que for que está materializado em forma da onça, não é realmente uma onça, e sim um ser espiritual. E se é realmente o Adornado, os amuletos estão impedindo que ele se aproxime de mim em forma humana. Então me dou conta de que não sei o que o Adornado é. Só sei que, definitivamente, ele não é um ser humano.

— NÃO! – eu falo firme e categoricamente. Ainda que atraída, eu tenho muito medo.

— Por favor! – e agora a voz é suave e sedutora – Eu não vou te fazer mal.

Eu olho para aqueles olhos. E eles estão fixos nos meus. Eu percebo claramente que é o olhar do Adornado.

As patas da onça insistem no solo. E eu sinto em mim, em meu corpo. Agora é suave, gostoso. Como uma carícia. Como um carinho. Sinto como que sua mão deslizando pelo meu corpo, subindo pelas costas, braços. Mas quando ela vai tocar o meu pescoço, ele recua.

— Tira – Sua voz dentro de mim é quase uma súplica.

Então me dou conta do que está acontecendo. Eu estou ali, de frente para uma onça, mas não é realmente um animal. É ele. Mas ele também não é o que eu pensava ser. Então eu estou com ele perto de mim, em forma de onça, mas me tocando de forma não natural, não material. E na mata, o barulho suave de vento nas folhas das árvores próximas, como água deslizando no rio, me mostram ainda mais que aquele ser não é humano e tampouco animal. Eu só não sei exatamente o que ele é.

Jegwaká: o Clã do centro da Terra (COMPLETO) 🏆Prêmio Melhores de 2019 🏆Where stories live. Discover now