- Isso eu não posso prometer. Tchau, princesa. Comporte-se, alimente-se bem, e tome cuidado nessa cidade!

- Pode deixar. – eu voltei a ligação para Homero.  – Tudo bem, você ganhou. Mas quando eu lhe devolver o dinheiro, vai aceitar, não vai?

- É claro. Se isso tirar um peso das suas costas. – pude imaginá-lo dando os ombros, da mesma maneira que fizera ontem em diversas ocasiões. Os ombros dele eram largos, formando um desenho perfeito das costas. Balancei a cabeça. Por que estava pensando nisso?

Foco, Elizabeth, FOCO!

- Então é isso, preciso quitar a minha dívida com o Sr. Ling e arrumar o apartamento. Ugrh, papai acharia estranho manter os sapatos no forno...

- Você mantêm os sapatos no forno? – Homero questionou rindo.

Eu estalei a língua.

- Esqueci que você ainda está aí. E, sim, algumas pessoas precisam utilizar o máximo de espaço que tem. Não é como se o meu apartamento fosse enorme.

- Eu não vou discutir isso com você. – ele decidiu sabiamente. – Passarei aí daqui a trinta minutos, para lhe entregar o dinheiro. E ser útil no que mais você precisar.

Eu senti uma ponta de duplo sentido em suas palavras. Apertei o celular de novo, o meu maldito cérebro me traindo, trazendo à tona a cena na minha sala, Homero me prendendo contra o chão, seu nariz tocando meu pescoço... Respirei fundo e decidi ignorar.

- Só o dinheiro está ótimo. – esclareci.  – E obrigada. Salvou a minha vida.

Ouvi seu sorriso do outro lado da linha.

- Quem diria, salvei a vida de uma garota independente. Não achei que estaria à altura. – ele parecia realmente surpreso, não havia ironia em sua voz.

- Não vá se acostumando. – cantarolei e antes que  Homero pudesse dizer mais alguma coisa, desliguei.

*

Dei a volta no apartamento, certificando-me que estava tudo impecável. Homero estava sentado ao lado de Ray no sofá e os dois me observaram surtar em silêncio.

O chão de linóleo estava impecável, brilhante e encerado. A louça lavada, os quadros na parede azul anil da sala – tinham sido feitos por Brad mas não tive coragem de jogá-los fora, eram bonitos demais para fazer tamanha crueldade – milimetricamente ajeitados, o sofá e as poltronas haviam sido aspirados, a estante de livros do lado oposto ao sofá, que antes tinha livros empilhados e entulhados, agora estava espanada e organizada.

- Lizzie, você vai fazer um furo no chão se continuar andando de lá para cá. – alertou Ray.

Olhei para o relógio em meu pulso.

- Para que horas era a previsão do voo? – perguntei cerrando os punhos, estava tomada pelo nervosismo.

- Oito e meia. – Ray prontamente respondeu. – Você já me perguntou isso cinco vezes e já verificou tudo umas dez vezes. Está me deixando nervoso.

A campainha tocou. Eu dei um salto e corri até a porta, escancarando-a.

- Sr. Ling! – um suspiro de alívio escapou da minha boca. – Oi.

O síndico tinha uma carranca formada, estava de braços cruzados, sua espátula usual presa nas garras direitas, quer dizer, mãos.

- Elizabe-tí. – murmurou sério e desconfiado. Era quase estranho ouvir ele dizer o meu nome que não fosse esbravejado, gritando e perseguindo-me escadas abaixo, ou acima, dependendo do momento em que ele me encontrava. O Sr. Ling estendeu a mão livre na minha direção, sua palma amarelada e descascada aberta. – O meu dinheiro, mocí-nha.

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