A Cerimónia

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Quando finalmente despistei Peter, pude respirar de alívio. Como é que podia ter sido tão estúpida ao ponto de beijar um desconhecido logo no primeiro dia de aulas? A verdade é que não era assim tão desconhecido... Lembro-me de há alguns meses me ter aproximado demasiado do fim da floresta e encontrado um rapaz com feições similares às de Peter. Que estúpida! O rosto dele não me tinha parecido familiar até ao momento em que ficámos demasiado juntos.
Enquanto me embrenhava pela floresta, com as mãos geladas nos bolsos, recordei o beijo. A verdade é que tinha sido espetacular, foi como se tivesse acendido uma chama dentro do meu peito. Mas estava tudo tão errado... Ele tinha namorada (não que eu me importasse muito com isso) e eu não queria que ele arranjasse problemas. Chloe parecia uma rapariga problemática.
Quando finalmente avistei a nossa pequena cidade escondida no meio há floresta, acelerei o passo. Atravessei algumas ruas até finalmente encontrar a minha casa. Limpei os pés no tapete que dizia "Bem-vindo" e abri a porta. O calor invadiu-me logo. Despi o meu casaco e pendurei-o no bengaleiro. A cozinha estava cheia de movimento, e decidi então entrar e ver o que se passava. Quando me deparei com a minha mãe cheia de massa de cozinha no rosto todo, com os meus irmãos a atirarem comida uns aos outros e com o meu pai a barafustar, fui invadida por uma enorme vontade de me rir.
-A que se deve está súbita vontade de cozinhar, mãe?
A minha mãe olhou-me como se tivesse enlouquecido. A imagem dela divertia-me: a sua pele impecavelmente perfeita, os olhos azuis escuros cansados (apesar de serem azuis, sempre tinha sentido que não pertencia àquela família), o cabelo escuro ondulado todo emaranhado e o seu tamanho pequeno que contrastava com as suas curvas generosas.
-É para o grande dia.
-De que falas?
Estiquei-me para alcançar o armário e tirar uma chávena de café. Enquanto o preparava, os meus irmãos mais novos corriam atrás uns dos outros.
-Do início dos treinos, óbvio!
Como é que me podia ter esquecido?! Naquele dia começavam os treinos. Sempre tinha achado uma coisa despropositada. Supostamente, as alcateias da floresta viviam em completa paz, com os seus representantes a reunirem-se mensalmente para debater os problemas da sociedade, mas no entanto, havia treinos diários de preparação para as guerras. Como mandava a tradição, todas as famílias cozinhavam imensa comida para comemorar a verdadeira entrada de um membro da família na alcateia. Na nossa casa, a comida era a dobrar, já que éramos dois a celebrar esse dia tão estúpido.
Suspirei. Estava tão cansada que não tinha cabeça para mais nada. Richard corria atrás da minha irmã, Juliet. A diferença de idades entre eles era apenas de 9 meses, fazendo com que fossem como os melhores amigos. Eu e Jackson não tivemos a mesma sorte. As nossas personalidades distintas geravam muitas vezes conflitos e nunca tivemos aquela ligação de gémeos que toda a gente fala. Sinceramente, vivia bem sem ele.
Sentei-me numa cadeira a observar os meus irmãos mais novos a correrem. Richard era como uma réplica de Jackson, só que numa versão mais nova e com os olhos azuis escuros da minha mãe. Juliet era a mais bela da família, na minha opinião. Com apenas seis anos, ela conseguia tudo o que ambicionava devido à sua beleza exótica: olhos grandes, do mesmo formato que os meus, verde azeitona, a pele morena e o cabelo em cachinhos pequenos do meu pai.
-O Jackson ainda não chegou?- perguntei.
-Pensei que vinha contigo...- disse o meu pai.
-Ele acabava as aulas uma hora antes de mim.
O meu pai levantou a cabeça do seu livro e olhou alternadamente para mim e para a minha mãe, com os olhos verdes repletos de preocupação. Estiquei o braço para apertar a mão dele.
-Pai, tu sabes como é o Jackson... Deve estar por aí com os amigos.
Nesse momento, a porta abriu-se e fechou-se logo de seguida. Ouvi passos pesados, típicos do meu gémeo, e ele entrou na cozinha com a respiração ofegante. A roupa estava amarrotada, o cabelo escuro dele estava todo revolto e tinha vários arranhões na cara.
-Andaste à luta com gatos, foi, Jackson?- perguntei com malícia.
Jackson fulminou-me com o olhar e eu consegui conter uma gargalhada. Os meus irmãos pararam de correr para admirarem o irmão mais velho. A minha mãe limpou as mãos ao avental e foi logo abraçar o meu irmão.
-O que te aconteceu, meu filhinho?
Revirei os olhos. Levantei-me da cadeira e pousei a chávena no lava-louça. Encontrei umas luvas de borracha e comecei a lavá-la. Ainda não tinha ouvido uma única palavra por parte do meu irmão, talvez por a minha mãe nem lhe dar oportunidade para se manifestar. Ouvi uma cadeira a ser arrastada. Olhei por cima do ombro e vi Jackson sentado com um ar abatido.
-Um grupo de rapazes de outra alcateia atacaram-me.
-Que alcateia?- questionou o meu pai com a sua voz rouca, no entanto, imponente.
-Pelas roupas que envergavam, penso que se tratavam da Alcateia Maior.
Alcateia Maior. O nome ecoava na minha cabeça como se estivesse no fundo de um poço. Sempre os admirara pela coragem e força. Na Alcateia Maior apenas se encontravam os melhores lobisomens, e sempre desejei ter nascido lá...
-O que estavas tu a fazer tão longe para te encontrares com ele?
Passei a chávena por água e pousei-a a escorrer. Tirei as luvas e voltei-me para olhar para o meu irmão, que tinha os olhos fixos num ponto qualquer do chão. Por algum motivo, ele não queria contar porque se tinha afastado tanto do nosso território. Basicamente, a cidade estava dividida em seis. Na ponta extrema da cidade encontram-se os lobos da Alcateia Maior, talvez por serem tão poderosos. A Alcateia Arvoredos, a minha alcateia, encontra-se no outro extremo da cidade, junto da Alcateia Menor, que é a alcateia mais pequena, tal como o nome diz, e que precisa sempre de aliados para combater.
Jackson mexia nervosamente na bainha da camisola.
-Jackson, fala!
-Eu e a Beth quisemos aventurar-nos um pouco...- acabou por confessar- E decidimos comemorar o primeiro dia de treinos afastando-nos mais do que nos costuma ser permitido.
Beth era a melhor amiga dele. A relação deles era como a minha com Thomas. Sempre odiei a Beth e o meu irmão sempre odiou o Thomas, por isso, evitamos estar os quatro juntos.
A minha mãe acariciou-lhe a face e disse-lhe para ir descansar. Era incrível como ele se safava sempre... Jackson levantou-se e desapareceu no corredor mal iluminado da nossa casa.
-Também preciso de ir descansar.
-Ah, Johanna, esqueci-me de te dizer uma coisa- alertou-me a minha mãe. - O teu amigo pediu-me para te dizer que queria encontrar-se contigo uma hora antes de começarem as cerimónias de celebração dos treinos.
Estranho... Tinha estado todo o dia com Thomas e ele não me tinha dito nada. Retirei-me da cozinha e fui para o meu quarto. Tomei um duche rápido. Maquilhei-me com bastante cuidado, ondulei o meu cabelo irritantemente liso e vesti o que me apareceu primeiro à mão. Mais tarde teria tempo para me preocupar com o que vestir.
Saí de casa e dirigi-me à cabana de Thomas e do pai. Sempre admirei Thomas pela sua coragem. Quando tinha apenas três anos, o meu melhor amigo perdeu a mãe, que morreu ao voluntariar-se para combater a Alcateia Maior. Thomas sempre gozou com a situação, mas nunca percebi se ele sentiria a falta dela. As piadas sobre a mãe eram constantes, mas talvez fosse uma arma de defesa que ele utilizava para não se deixar abater pelos próprios pensamentos. Thomas sempre teve bastante humor, mas aquelas piadas acerca da mãe... Talvez fosse impressão minha, mas eu notava um pouco de ódio – será esse sentimento exato para descrever o que via no olhar dele? – nos seus olhos tão belos.
Respirei fundo e bati à porta. Quase de imediato, Thomas convidou-me a entrar. Fiquei admirada por vê-lo tão lindo com o cabelo loiro arruivado ainda molhado e com a roupa desportiva dele ainda vestida.
-Que se passa, Tommy?
Talvez ainda se notasse um pouco de desconfiança na minha voz por causa do que ele me tinha dito naquele manhã. Thomas indicou-me um sofá já gasto e eu sentei-me, mas não descontraidamente. Algo no tom de voz dele me dizia que havia algum problema. Thomas sentou-se num cadeirão à frente do sofá e cruzou as pernas. Pôs-se mais confortável e começou a falar:
-Fui convocado.
-Convocado para quê?– tinha milhões de perguntas na minha cabeça.
Thomas sorriu, mas não era um sorriso normal, era um sorriso cheio de maldade.
-Ora, Johanna... Tu sabes bem para quê.
Levantei uma sobrancelha, como sempre faço quando estou confusa. Thomas pareceu notar a minha expressão e continuou:
-Bem... Chamaram-me para ir para Alcateia Maior, e eu vou aceitar– Thomas dizia aquilo com um sorriso triunfante estampado no seu rosto de anjo, com os seus traços tão próprios.– Não vou poder voltar a ver-te tão cedo. Como sabes, os da Alcateia Maior são os únicos que têm escola própria e vou acabar a minha educação juntamente com eles.
Devo ter ficado com uma cara de absoluto choque. A Alcateia Maior era o meu sonho... O que teria Thomas de tão especial para o quererem? Seria ele uma pessoa que eu nunca conheci? Estaria ele a tirar a máscara que suportou durante anos? Não podia ser, recusava-me a aceitar tal coisa...
-Não dizes nada?
-O que vais fazer? A Cerimónia do início dos treinos é hoje, Thomas– dizer o verdadeiro nome dele em voz alta causava-me uma espécie de desconforto. – Quando é que vais aceitar?
-Hoje mesmo, em frente a todos os da nossa alcateia.
Senti uma lágrima a rolar pela minha face. Eu nem estava triste! Seria desilusão? Medo? Se Thomas me viu a chorar, ignorou-me completamente.
-E depois?
-No dia seguinte irei mudar-me para o setor deles.
Comecei a chorar convulsivamente. Ele era o meu maior apoio. Sim, era tristeza aquilo que eu sentia a esmagar o meu coração. Limpei as lágrimas. Eu nunca chorava à frente das pessoas. Segundo o meu pai, chorar em frente dos outros é sinal de fraqueza, e eu sou uma lobisomem feroz. Levantei-me do sofá e corri a abraçá-lo. Por momentos, Thomas voltou a ser o meu melhor amigo. Segurou-me nos seus braços fortes e acariciou-me. Fez-me festas na cabeça e olhou-me com o seu típico divertimento.
-Vai ficar tudo bem. Vemo-nos na Cerimónia?
Suspirei.
-Sim... Mas os treinos não serão o mesmo sem ti.
Saí e voltei a casa. Se anteriormente tinha achado que tudo estava numa confusão, então nada se comparava ao que tinha em frente aos meus olhos: os meus irmãos mais novos corriam de um lado para outro, a enfeitarem-se com serpentinas uns aos outros, a minha mãe numa correria entre o quarto dela e do meu pai e a casa de banho... O meu pai é que parecia ser o mais calmo em tudo aquilo. Estava sentado no sofá a ler, como sempre, um livro sobre psicologia animal. O meu pai era um dos melhores caçadores da nossa alcateia, e também dos melhores a lutar contra outras alcateias.
Enquanto descalçava as minhas botas molhadas pela neve, Juliet correu a abraçar-me, fazendo-me cair no chão entre risadas. Deixei-me ficar sentada no chão para poder observar a minha irmã preferida. Era tão linda! Dei-lhe um beijo na bochecha e sorri-lhe.
-Vem comigo,–disse-me ela, enquanto me segurava a mão com a sua– tenho uma coisa para ti.
Pediu-me para fechar os olhos, e assim o fiz. Pelo percurso que fizemos, percebi que nos estávamos a dirigir ao meu quarto. Juliet abriu a porta e depois fechou-a atrás de nós. Finalmente, mandou-me abrir os olhos e o que eu vi deixou-me boquiaberta: na minha cama estava um vestido de sonho.
-Gostas?
-É lindo!
Mal podia acreditar que aquele vestido era meu. Juliet pediu-me para o vestir e assim o fiz. O vestido assentava-me na perfeição e favorecia-me as minhas curvas invejáveis. Aquele vestido era azul escuro, mas não demasiado, batia-me um pouco mais acima dos joelhos e tinha uma saia de cintura subida que me fazia parecer mais alta. As costas do vestido faziam um losango que me deixavam imensa pele à mostra. Quer tivesse frio, quer não, eu ia utilizar aquele vestido na Cerimónia.
-Foi a mãe que escolheu. Gostas?
Ajoelhei-me e abracei a minha irmã. Estava cheia de felicidade até me lembrar de que ia perder o meu melhor amigo para a minha alcateia de sonho. "O que tem ele de especial que eu não tenha?", era o que eu me perguntava constantemente.
Quando a minha mãe estava pronta, arranjou-me o cabelo em frente a um enorme espelho. Começou por me apanhar o cabelo num rabo de cavalo. Depois fez alguns truques estranhos para mim com o meu cabelo e acabei por ver-me como uma pessoa completamente diferente: o meu cabelo loiro não parecia tão horrível ao caírem-me duas madeixas de cabelo pelo meu rosto e ao estar apanhado com muitas tranças e caracóis pelo meio. Estava absolutamente deslumbrante. Sorri, mas não foi um sorriso honesto. Metade de mim estava vazia pela falta de Thomas que já sentia. A minha mãe retocou-me a maquilhagem e fiquei estupefacta: a maquilhagem fazia milagres. Sorri para o nosso reflexo no espelho. A minha mãe também estava deslumbrante: tinha o cabelo apanhado de lado, com uma trança a modelar o penteado, vestia uma blusa branca e uma saia justa preta que lhe ficava a matar. Apesar do ar cansado, ela estava com um sorriso lindo. O batom vermelho ficava-lhe mesmo bem, a contrastar com o cabelo escuro.
-Está na hora de irmos para o Centro. Preparada?
Suspirei, continuando a olhar-nos no espelho:
-Mais tarde ou mais cedo terei que estar...

Quando chegámos ao Centro da zona da minha alcateia, vi centenas de famílias, algumas conhecidas, outras nem tanto. Todos os jovens da minha idade estavam com os nervos em franja. No centro da multidão, estava montado um grande palco por onde todos os jovens da minha idade iriam passar. Devo admitir que os nervos também me dominavam. Sentia-me a tremer com uma gelatina (não só pelo frio, mas também pelo significado daquele dia).
-Vai correr tudo bem– encorajou-me o meu pai.
Sorri com gratidão. O meu pai não era homem de muitas palavras, por isso guardei aquela frase no meu pensamento. A minha mãe embalava o meu irmão mais novo, que tinha apenas dois meses, Edward. O meu irmãozinho devia ser o único na família que tinha algo meu: o cabelo loiro.
De repente, o burburinho da multidão cessou. Veronica Teigen encontrava-se no palco, a dar pequenas batidas no microfone para o testar. Veronica era a líder da nossa alcateia, e era bastante excêntrica: tinha metade do cabelo ruivo rapado, usava rímel em excesso, com diversas cores, e vestia-se sempre de preto (o que tem isto de excêntrico?, pensam vocês), mas as suas roupas eram de tamanhos demasiado diminutos para uma senhora de 40 anos. Os olhos dela eram cinzentos de um tom gélido e tinha um sorriso intimidante. Naquele dia, estava um pouco mais contida no visual: uma T-shirt preta e uns calções pretos de cintura subida com correntes douradas por todo o lado e rasgões. O cabelo estava solto, como sempre, e a maquilhagem estava exagerada, mas não fora da sua normalidade.
-Boa noite, meus jovens.
-Boa noite– respondeu a multidão.
-Como todos vocês sabem– ao dizer todos, esticou o braço e fez um arco perfeito para a multidão à sua frente– hoje é A Cerimónia!
Começou a bater palmas, como que a dizer para que todos a imitassem. Nunca tinha gostado dela...
-Como todos sabem (ou pelo menos deviam saber), a comunidade dos lobisomens existe há milhares de anos, e sempre foram seres muito mais dotados que os vulgares humanos. Apesar de ao inicio termos sido uma comunidade perfeitamente organizada, as divergências entre lobisomens começaram a surgir, levando à separação da nossa comunidade e ao aparecimento de novas alcateias que combatem constantemente entre si. Para tentarmos sobreviver, foram criados os Treinos, cujo objetivo é desenvolver as capacidades de cada lobo que vive dentro de cada um de vocês. Por isso, estamos aqui hoje reunidos para dar início à Cerimónia do Início dos Treinos!
Aplausos romperam ao meu redor. A vontade de que tinha de bater palmas era quase nenhuma. Desde que tinha chegado que não parara de percorrer a multidão com os meus olhos em busca de Thomas. Veronica abriu um longo rolo de papel que lhe dava pelos pés e começou a chamar, um a um, todos os Novatos da alcateia.
-Johanna Bielson.
Era o meu nome, sim! Vários rostos se viraram à minha procura. À minha frente, as pessoas afastaram-se para me deixarem passar. Sentia todos os olhos postos em mim. Tirei o meu casaco e entreguei-o à minha mãe, que chorava emocionada. Respirei profundamente. "Um pé à frente do outro. Um de cada vez. Tu consegues, Jo.", dizia a minha voz interior. "Obrigada", respondi. Quando finalmente cheguei à beira do palco, pensava já ter percorrido imensos quilómetros. Subi as escadas e coloquei-me ao lado de Veronica, que me sorriu. Senti-me mesmo mal, ao sentir ter centenas de pares de olhos colocados em cima de mim e do meu vestido. Estaria bonita? Oxalá estivesse... Veronica estendeu-me uma folha de papel grosso, à qual não prestei atenção, e um cartão pequeno que tinha dois conjuntos de números complexos. Não quis pensar no que significavam. Acenei à multidão, para mostrar que não era tímida, e voltei a dirigir-me de encontro à minha família.
Quando chegou a vez de Thomas, pensei que ele já se tinha mudado para a zona da Alcateia Maior, porque nunca mais aparecia. Mas finalmente, ele apareceu com o seu sorriso triunfante, o cabelo loiro arruivado e os olhos cheios de brilho. Veronica estendeu-lhe o mesmo que me tinha entregue, mas Thomas não tocou nos objetos. Inclinou-se para o microfone, e a partir daí o meu mundo começou a desabar.
-Boa noite a todos. Sou Thomas Marin, e queria informar-vos de algo importante.
Sentia o peso da mão da minha mãe no meu ombro direito, talvez para tentar fazer com que eu deixasse de tremer. As lágrimas já vertiam dos meus olhos azuis, e possivelmente já devia ter a maquilhagem toda borratada, mas isso já não me importava.
-Há alguns dias, convocaram-me.
A multidão começou a exclamar.
-Para que alcateia, Marin?– perguntou alguém da multidão, utilizando o apelido de Thomas, o que se fazia aos traidores.
-Para a Alcateia Maior.
A multidão ficou inquieta, e Veronica, igualmente espantada, teve que a mandar calar.
-E decidi anunciar-vos aqui, em frente a todos vocês, que irei mudar-me amanhã cedo para o setor deles– não sei porquê, mas sentia que ele me fitava diretamente– Peço-vos para não guardarem qualquer tipo de ressentimento em relação a mim e que não me esqueçam, porque eu não me irei esquecer de vocês.
Dito aquilo, Thomas desceu do palco, entre insultos e encorajamentos. Passado um bocado, o velho Thomas estava à minha frente. Abracei-o com tanta força que tinha duvidas se ele conseguiria respirar. Um facto, era que eu própria já nem sabia se respirava. O choro fazia-me ficar completamente abatida. Entre soluços, sussurrei-lhe um "Adeus" quase impercetível e deixei-o ir para onde ele pertencia.

Out of the WoodsWhere stories live. Discover now