Sarilhos trazem sarilhos

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Eu devia adorar meter-me em sarilhos... Estar com Peter era algo que me deixava descontrolada, mas nunca pensei no sarilho que podia colocar ao estar na floresta com ele. As pessoas da cidade sabiam detetar quem era lobisomem ou não, e era mesmo arriscado estar com ele na floresta. Como é que podia ter sido tão ingénua ao pensar que não ia ser descoberta?! Era mais que óbvio que eles iam detectar alguém desconhecido no território. Por sorte ou azar, foram membros da minha alcateia.
Estávamos quase a sair da floresta quando alguém se atravessou à minha frente. Brian.
-Quem és tu?- disse Brian, olhando para Peter.
-O que se passa aqui? Porque é que há tanta gente numa floresta?!- Peter olhava para mim, incrédulo.
Brian estava furioso. Podia ver nos olhos dele que não estava a gostar nada daquilo. Mal podia ver o corpo definido do meu novo amigo (ou pelo menos achava que era), porque a luz da lanterna de Peter estava esquecida no chão, a apontar para um lugar indeterminado. Aproximei-me de Brian e olhei para ele com súplica estampada nos meus olhos claros.
-Brian, por favor- disse, quase como um sussurro.
-Conhece-lo?- perguntou Peter, que também estava furioso.
-Peter, vai. Quando tiver oportunidade explico-te.
Peter lançou um olhar amargo a Brian e foi-se embora, bastante contrariado.
Brian encostou um braço numa árvore e pousou a cabeça em cima dele. Percebi que estava cansado. Talvez se estivesse a acalmar. Mas eu estava tão enganada... Brian explodiu completamente:
-O que é te deu na cabeça, Jo?! Não sabes que não é bom para ti nem para ninguém que te dês com um humano? O cheiro dele... Ele é mesmo um humano, e dos maus. Ele não é quem tu pensas.
Ele não é quem tu pensas... Sempre a mesma frase. Thomas também me tinha dito o mesmo há apenas dois dias. Por que razão estava sempre toda a gente a avisar-me? Por um lado, Brian parecia zangado, mas por outro, ele parecia triste e desiludido comigo. Mas eu tinha que garantir que não era expulsa da Alcateia Arvoredos. Eu sabia as regras, e mesmo assim deixei-me levar pelos encantos de alguém que nunca poderia ter.
-Brian, que vais fazer?
Brian levantou a cabeça e olhou-me por cima do ombro. Estava a chorar. Como é que um rapaz que aparentava ser tão forte podia mostrar aquela fraqueza? Corri para o abraçar. Podia conhecê-lo há apenas umas horas, mas era como se fôssemos amigos de longa data. Sentia que podia confiar nele. Pensei que ele fosse recusar o meu abraço, mas deixou-se envolver pelos meus pequenos braços que não chegavam para circundar o seu corpo tão musculado e belo.
-Este é o nosso segredo- sussurrou-me, depois de muito tempo abraçados. Ele cheirava a detergente da roupa, um cheiro suave e adocicado.
-Este é o nosso segredo- repeti.

Quando cheguei a casa, todos pareciam atarefados. Ninguém dormia. Quanro mais velhos ficávamos menor era a nossa necessidade de dormir. No entanto, eu estava exausta e decidi deitar-me, porque numa questão de horas ia ter que voltar a levantar-me para ir para a escola. Era tão mais fácil se a nossa alcateia tivesse uma escola própria, como a Alcateia Maior... Como estaria Thomas? Estaria feliz com a sua escolha? Ainda se recordaria de mim? Será que já lhe tinham apagado a memória? Todas as minhas especulações ficaram sem respostas. Simplesmente tinha que aguentar a minha curiosidade e esperar que o destino cruzasse as nossas vidas de novo.
De repente lembrei-me de Jackson. Onde estaria ele?! Depois dos últimos acontecimentos tinha-me esquecido de que tínhamos discutido e que o tinha deixado para trás... A verdade é que entrei em casa sem me preocupar em cumprimentar as pessoas. Talvez ele estivesse na cozinha, ou então na sala, ou até mesmo a dormir. Levantei-me da cama, calcei uns chinelos e percorri todas as divisões da casa. Para meu alívio, Jackson encontrava-se no seu quarto com headphones na cabeça no máximo, pelo que podia ouvir a música Rock da banda preferida dele.
-Jackson!- chamei.
Não me respondeu e continuou com os seus olhos azuis a olhar fixamente o teto e o pé a bater ao ritmo da música.
-Jackson!!!
Era mais que óbvio que me estava a ignorar. Como não me restava alternativa, arranquei-lhe os phones dos ouvidos e obriguei-o a olhar para mim.
-Desculpa, ok?!
Jackson ficou a olhar para o teto novamente, fingindo que eu não existia.
-Às vezes pareces uma autêntica criança, Jackson.
-E tu às vezes pareces mesmo insuportável. Não, espera, és mesmo insuportável.
Ao menos estava a resultar. Consegui provocá-lo.
-Eu não quis dizer aquilo.
-Não quiseste insultar-me?! Foste bastante direta e explícita, Johanna.
Suspirei. Sentei-me na beira da cama dele. Jackson pôs as mãos atrás da cabeça e continuou a fitar o teto. Ele conseguia ser tão diferente de mim que nunca ninguém diria que éramos gémeos. Os pequenos caracóis fascinavam-me. Horas atrás seria capaz de mexer-lhes, mas agora eu tinha que manter o meu papel de rapariga forte. Não podia simplesmente acariciá-lo, tinha que fazê-lo ceder.
-Desculpa, Jackson. Eu não quis...- respirei fundo -... eu não quis dizer-te que não eras capaz de combater, Jackson. Só não te imagino num papel desses. Desculpa.
-Achas que não é difícil?
Não estava a perceber.
-Difícil o quê?
Jackson perguntou-me se não achava difícil que ele tivesse que aturar comentários desse género por parte de todos os colegas e alguns amigos. Suspirei. Eu sabia que ele tinha sofrido bastante na infância e também nos inícios da adolescência devido a piadinhas maldosas de pessoas que o viam como um fraco que não era capaz de lutar. Eu também fiz parte dessas pessoas, e estava a fazer com que ele voltasse a lembrar essa parte difícil da sua vida.
-Desculpa... Eu errei.- acabei por admitir.

Out of the WoodsWhere stories live. Discover now