A primeira perda

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O mundo na floresta era muito melhor. Pelo menos era isso o que Peter pensava. Estar perto de Johanna durante tanto tempo era algo que o deixava fascinado. Naquele momento já se recordava da última vez que tinha estado com ela, algo doloroso que o levara àquele estado.
Peter tinha enfiado na cabeça a ideia de ser um lobisomem. Jo pensava que era uma ideia absurda, que só queria ser lobisomem porque queria conhecer uma realidade diferente daquela em que vivia, mas Peter não era da mesma opinião.
-Quando é que posso começar os testes?
Brian andava pela casa com as mãos à volta da cabeça. Ouvir a voz do inimigo era algo que o deixava profundamente irritado. E o que o deixava ainda mais irado era ter que colaborar com ele para poder salvar a própria pele e a da cidade inteira.
-Não achas que o mais importante agora é acabar com a merda que fizeste?
Jo lançou-lhe um olhar que parecia cheio de farpas. Como se fosse para o provocar, pousou uma mão em cima da do inimigo e apertou-a carinhosamente. Brian deu consigo a desejar poder sentir aquelas mãos frias dela. Peter ergueu as mãos no ar num sinal de rendição.
-Se os testes derem positivo, vais ter que te apresentar aos lideres e possivelmente vais ter que desabelhar daqui.
Jo lançou-lhe outro olhar lancinante. Daquela vez foi Brian quem se rendeu. Jo dirigiu o seu olhar de novo para Peter.
-Estás preparado para amanhã? Fizeste tudo como combinado?
Peter assentiu. Estava numa pilha de nervos. As armas foram esvaziadas, os chefes receberam um aviso anónimo, os carros dos militares foram sabotados. Estava quase tudo pronto para que os lobisomens fugissem logo ao primeiro sinal de alarme.
Peter perguntou se era possível descobrir se era lobisomem num curto espaço de tempo, como daquele dia para o seguinte. Brian bufou perante a indiferença do inimigo.
-Vou dar uma volta.– anunciou.
Jo e Peter ficaram sozinhos de novo. Peter tirou o cabelo da frente dos olhos com os dedos da mão direita ligeiramente afastados.
-Estou cansada. Acho que vou dormir.
Jo estava já a dirigir-se para as escadas quando sentiu uma mão quente a envolver-lhe o braço. Virou-se, um pouco assustada, e encontrou imediatamente os olhos dourados de Peter.
-Não me confundas mais, por favor.
Ele fez um sorriso rasgado. Um sorriso diferente daquele àquele que estava habituada a ver. Talvez fosse o "novo Peter" a mostrar-se.
-Pensei que por esta altura já não tivesses dúvidas.
Sem lhe largar o braço, puxou-a para mais perto dele. Peter estava a exercer força a mais, fazendo com que Johanna se sentisse incomodada.
Os olhos dele eram hipnotizantes, com aquele dourado à volta da pupila negra. O outro braço dele envolveu-lhe a cintura, despertando pequenos pontos do corpo dela que ela desconhecia existirem. Tudo nela tremia. Aproximou-se mais dela e Johanna pôde ver o brilho da pele suave dele. Passou-lhe a mão livre pela zona do maxilar inferior, onde a barba começava a crescer. Peter aliviou a pressão. O nariz dele estava tão perto que um único movimento seria suficiente para que as pontas dos seus narizes se tocassem.
-E já não tenho. Neste momento, não tenho dúvidas que não quero estar contigo.
Dito isto, Johanna afastou-se, deixando Peter com o seu orgulho ferido ao fundo das escadas.

Peter decidiu ir correr e observar os outros lobisomens. Queria ver de que maneira eram diferentes dele. Ainda lhe custava a acreditar que fora atacado na noite em que descobrira o segredo mais bem guardado das florestas. Só de pensar que podia ter perdido a memória permanentemente já sentia um arrepio a percorrer-lhe a espinha. Aquela era a vida que ele queria tomar. Queria ser livre. Era um universo paralelo onde tudo parecia melhor. Havia muito por explicar, mas teria todo o tempo do mundo depois de evitar um desastre provocado por ele mesmo.
Tirou o telemóvel do bolso das calças e tentou ligar a Alexa, mas sem resultado. A rede naquela zona da floresta era igual a zero. Estendeu o braço em direção ao céu, mas observou com algum desânimo as barrinhas da rede completamente vazias. "Hoje não é o meu dia..."
Voltou a recordar o momento em que teve Johanna tão perto e como ela o afastara. Pensava que Brian não era competição para ele, mas enganara-se. Peter era alto, bastante alto, mas Brian era como a Torre Eiffel, ainda por cima tão belo como ela. Tinha um porte atlético, como se passasse 24 por 24 horas no ginásio a fazer como que os músculos ficassem tão definidos. Peter também tinha alguns músculos salientes, mas ao lado de Brian parecia um palito, ou então uma agulha perdida num palheiro, que seria Brian. Ele não podia deixar que ela se afastasse por causa de Brian. Ela tinha sido a razão de tudo. Se a perdesse para Brian, ficaria perdido e sem um motivo para agir como estava a agir. Ela tinha que ser dele e de mais ninguém. Talvez fosse um pensamento demasiado egoísta e machista, mas era mesmo assim que ele pensava quando o ciúme lhe invadia a cabeça.

O dia seguinte foi um dia de stress. Peter saiu da casa de Jo e Brian, ainda não tinha amanhecido, para poder pôr tudo em ordem. Ia ser um dia longo.
Decidiu visitar Alexa assim que achou que era uma hora apropriada para tal. Pobre Alexa, foi acordada às seis da manhã por um adolescente paranóico a dizer que tinha sido tudo adiado, que estava tudo planeado para o dia 30 de Fevereiro. Alexa, com grandes papos debaixo dos olhos, limitou-se a assentir e fechou-lhe a porta na cara, voltando a enfiar-se na sua cama já arrefecida, sem perceber que tinha sido enganada.
Peter tinha outra coisa para fazer: encontrar a mãe. Talvez nunca mais a voltasse a ver, talvez nunca mais voltasse a ver aquele mundo tão enfadonho. Estava decido a ser um lobisomem. Toda a vida esperara por algo importante, algo que o fizesse sentir-se orgulhoso. Esse momento chegara. Ele descobrira o segredo mais bem guardado do mundo. Só alguém tão inteligente poderia gabar-se dessa proeza. Mas gabar-se também não seria a coisa certa, era como oferecer numa bandeja todo o trabalho feito durante anos a pessoas que nunca pensaram no assunto.
A mente guiou-o para a sua antiga casa. Já tinha planeado tudo. Iria despedir-se. Talvez lhe dissesse que tinha ganho uma bolsa para estudar no Canadá. Ia desaparecer com todos os seus pertences (que por sinal não eram muitos) às costas e nunca mais ninguém ouviria falar dele. Talvez matasse a mãe de desgosto, mas preferia pensar que ela ficaria melhor sem ele, mais descansada (ou talvez não). Peter não era uma pessoa ponderada. Agia de cabeça quente seguindo os seus impulsos, nem sempre os mais acertados. Se calhar, o melhor seria deixar a mãe num lar, onde poderia parecer mais uma avozinha do que uma mulher abandonada pelo filho.
A decisão estava tomada. Ergueu o braço e bateu três vezes à porta. Não ouviu passos nem qualquer som proveniente do interior da casa. Bateu de novo à porta e o resultado foi o mesmo. Népias. Partiu uma janela com uma pedra que encontrou no chão e entrou. A casa estava silenciosa. Um silêncio irritante, como um zumbido de uma abelha ao ouvido.
-Mãe?– chamou.
Não obteve resposta, apenas o silêncio ensurdecedor de tão enervante.
Caminhou com passos cautelosos, como se fosse a primeira vez que pisava o solo daquela casa. Avançou até à sala e estacou. Viu a mão da mãe a pender em direção ao chão de madeira. Foi tudo o que conseguiu ver. Contornou o sofá onde a mãe estava deitada e deteve-se ao ver o que tinha diante dos seus olhos. A mãe estava imobilizada, deitada numa posição quase teatral e ao mesmo tempo arrepiante. Estava branca, branca como a cal. Segurou-lhe na mão caída, mas afastou-se logo ao sentir os dedos gelados da mãe. Não sentiu lágrimas a virem-lhe aos olhos, tudo o que sentiu foi um enorme vazio que o consumiu. Caiu de joelhos no chão sem sentir qualquer dor. A culpa era o sentimento mais avassalador de toda aquela situação. A mãe morrera porque ele não tinha estado lá para ela, porque tinha sido egocêntrico.
-Não...– murmurou.
Tomou uma decisão a partir daquele momento: ia tornar-se num lobisomem e ser feliz, isso era o que a mãe lhe desejaria se estivesse ali presente, não em corpo, mas em espírito.

Out of the WoodsOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz