Revelações

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Peter seguiu Johanna por entre a escuridão que o envolvia. Também ele conseguia ver luminosidade, mas não tinha coragem de o admitir. Estava feliz por ter descoberto que era um lobisomem, mas o mundo à volta dele parecia ruir. Tinha feito essa impressionante descoberta ao conseguir correr à velocidade dos outros lobisomens, ao conseguir sentir tudo de uma maneira completamente distinta do que anteriormente. Correra à procura de Johanna, e por sorte tinha-a encontrado a tempo.
Mas lá estavam eles, enfiados num buraco sabia-se lá onde, onde a luz era tão fraca que era quase impercetível.
-Continuo sem ver nada.– Johanna, que seria ser sempre Johanna para ele, interrompeu o silêncio.
O trio continuou a avançar, ignorando comentários feitos por um ou por outro.
Brian parou depois de meia hora a caminharem na escuridão.
-O que foi?– perguntou Johanna.
-Há aqui uma porta.
-Do que estás à espera para abri-la?– atirou Peter.
A porta abriu-se com um ranger assustador. Era de madeira velha, escura e com farpas prontas a cravarem-se nos dedos de quem lhes tocasse.
A luz vinda do interior da divisão atingiu-os como uma bomba a explodir. Levaram as mãos aos olhos e avançaram meio às cegas, meio a cambalear, para a divisão. Quando os olhos se adaptaram à luminosidade, perceberam que estavam numa sala de estar subterrânea. A luz provinha de uma lareira, onde as chamas crepitavam a uma altura assustadora.
Um cadeirão, voltado para as chamas, revelava uma pessoa sentada nas suas almofadas confortáveis.
-Finalmente chegaram.
Johanna preparou-se para começar a correr em direção a Thomas, que estava sentado, o rosto maléfico iluminado pelas chamas, mas Peter agarrou-a a tempo.
-Vou partir-te essa boca toda.– ameaçou a rebelde.
Thomas levantou-se aproximou-se dela. Voltou a mirá-la de alto a baixo com aquele olhar porco. Johanna levantou a mão e deu-lhe uma estalada.
-Cabra.
Thomas agarrou-lhe o pulso com força, deixando-o negro. Passou-lhe uma mão pelos cabelos loiros todos desgrenhados e sujos enquanto a agarrava.
-Nem te atrevas a tocar-lhe.– Brian desferiu um murro no inimigo, deixando-o a sangrar do lábio superior.
Thomas recuperou. Um sorriso cruel aflorava-lhe os lábios doridos. Os dentes estavam manchados do próprio sangue, lembrando um vampiro.
-Vocês os três pensam mesmo que me vencem?
-Tal como tu disseste, somos três contra um.– disse Jo.
Thomas, com aquele sorriso persistente, gritou para não se sabia onde:
-Está na hora.
Jo olhou em seu redor à procura de alguém. Os outros imitaram-na. Thomas voltou a rir-se, o que já se tornara algo habitual.
De repente, algo como uma explosão aconteceu. A reação de Thomas não parecia ser a esperada. O solo tremeu, ele olhou para o teto com um olhar um tanto confuso. Ouviram-se passos pesados, numa correria ritmada e coordenada. A porta atrás deles rangeu de novo, trazendo-lhes a boa nova de que chegara um exército vestido de preto, com botas de borracha pretas a baterem pelas canelas. Pareciam adequadas para o estilo de Brian.
-Levem-nos.– ordenou o inimigo, mais confiante.
Os guardas agarraram o trio com força, cada um a segurar-lhes os braços, os outros que restaram ficaram na retaguarda a assegurar a ordem.
-Não, ela fica.– Thomas estendeu um dedo indicador bastante comprido na direção de Jo, que se debatia para a libertarem.
Os guardas ficaram um bocado surpreendidos, mas libertaram-na sem protestos ou comentários inúteis.
A loira voltou ao seu estado normal. Sacudiu o cabelo comprido para trás das costas, endireitou-se e cruzou os braços sobre o peito.
-Eu não fico aqui contigo enquanto não os soltares.
-Não percebes que aqui quem manda sou eu? Não tens escolha.
-Então vou com eles.
Thomas voltou a soltar uma daquelas gargalhadas assustadoras.
-Percebe de uma vez por todas: ganhas mais em ficares aqui.
Jo ergueu uma sobrancelha em desafio.
-Então e eles os dois?
-Depois podes vê-los mais tarde.
Johanna pareceu dar-se por convencida. Os guardas, após o sinal do seu chefe, ausentaram-se daquela sala tão quente. A porta fechou-se com outro ranger ao qual ainda não se tinha habituado.
-Sei quem és.
Johanna ficou confusa. Bem, para ela já nada fazia sentido.
Thomas voltou a sentar-se ao cadeirão, deixando a "convidada" sem saber o que fazer. Optou por ficar a dar voltas à sala, observando o mais ínfimo pormenor, examinando cada parede de onde pudesse sair alguma coisa mortífera.
-Sempre foste paranóica.
-Já eu não posso dizer que "sempre foste" alguma coisa. A nossa "amizade" foi uma ilusão.– a cada expressão ridícula para ela, fazia aspas com o dedo indicador e médio no ar.
-Tens razão...– as palavras surpreenderam-na como um palhaço saído de dentro de uma caixa de música. Não pelo sentido delas, mas pela maneira como tinham sido pronunciadas. Podia jurar que ouvira um tremor de tristeza no meio daquelas simples duas palavras.
Johanna pôs-se de costas para as labaredas da lareira, tapando a luz do fogo de Thomas. A silhueta de Johanna contra a luz era de uma manequim, os cabelos loiros demasiado compridos, as curvas tão acentuadas que davam vontade de percorrer com as mãos. Thomas tentou afastar esse pensamento da mente.
-Podia ter sido tudo tão diferente.
Daquela vez foi Johanna que se riu.
-Sim, realmente tens razão, teria sido diferente se não me tivesses tentado matar.
Thomas levantou-se agarrou-lhe os braços, não com força, mas como se fosse para a chamar à realidade. Com aquele aspeto, os dois quase que podiam parecer irmãos. Com o cabelo rapado, Thomas parecia mais velho, mas também ainda mais bonito. Os olhos azuis continuavam frios como o céu num dia de chuva.
-Larga-me.– disse a antiga amiga depois de lhe examinar o rosto de uma maneira diferente.
-Não percebes, pois não?– reclamou.
-Não percebo o quê?!
-Eu nunca quis ser só teu amigo, mas tu mudavas de namorado todas as semanas. Parecia que achavas que eu era gay. Esforcei-me tanto para ser o que sou hoje, e mesmo assim nem deves ter pensado em mim uma única vez.
Era mentira, mas ele não sabia disso.
-Para de mentir.
-Eu não estou a mentir! Porra!– gritou.
As lágrimas começavam a aflorar nos cantos dos olhos de Jo. Limpou-as discretamente.
-Não sabes como me senti quando foste para a Alcateia Maior. Também não sabes como me senti quando soube que eras um dos grandes líderes. Nunca estiveste comigo para saber como eu estava. Não soubeste como foi ter sido expulsa da minha própria casa, ver a minha família a olhar-me de lado.
-Eu estive presente nesse momento, tu é que não sabias. Não devias ter-te envolvido com um humano seriamente. Não sabes como fiquei desapontado.
Jo afastou-se de novo. Voltou a andar às voltas naquela sala tão quente. Reviveu cada momento na sua cabeça.
-E aquela nem sequer é a tua família.– Thomas disparou a informação como um tiro.
Johanna demorou um bocado a assimilar aquela informação.
-O que é que tu sabes que eu não sei?
Thomas voltou a soltar uma gargalhada, a cabeça inclinada para trás, voltada para o teto.
-Não vamos jogar esse jogo agora. Tenho toda a tua família aqui. Foi por isso que te trouxe.
-Não estou a perceber.
A cabeça dela fervilhava com novas ideias. Nada fazia sentido.
-Robert, Cameron, Matthew... Estes nomes dizem-te alguma coisa?
Engoliu em seco. Ele sabia. Ele sabia o maior dos segredos que não podia ser revelado, o mais difícil de descobrir.
-Vá lá, Nora, não vais fingir que não sabes do que estou a falar. Esse segredinho foi tão difícil de descobrir... Eu fiz isto para te proteger.
Incrédula, Johanna gritou:
-Para me protegeres?! Não sei o que chamas àquilo que tens andado a fazer, mas na minha terra não se chama proteção.
Thomas reaproximou-se dela. Parecia o antigo Thomas, aquele engraçado com uma pitada de doçura.
-Chamo-lhe amor.
Johanna ficou sem palavras. O que dizer a tamanha revelação? Ela já não conseguia pensar devidamente. A cabeça era mais um peso que uma parte do corpo.
-Ouve-me.– Thomas implorou, aquela voz suave a suplicar-lhe um pouco de atenção.
Johanna abanou a cabeça de um lado para o outro.
-Infiltrei-me aqui, onde se sabe de tudo, onde podia fazer o que quisesse, desde que fosse melhor que toda a gente. Não sabes como me empenhei. Sempre soube que tu eras Nora, a rapariga valiosa. Percebi assim que vi que te envolveste a sério com o idiota do Peter. Trouxe toda a tua família para aqui, para que pudesses ficar protegida. Ninguém te fará mal.– levou uma das mãos à cabeça dela, mas Johanna afastou-a.
-Lá paleio tens tu muito...
-É verdade!
Ela continuava sem acreditar.
-Mostra-me onde estão os meus irmãos.
Foi a única maneira de a fazer acreditar. Chamou mais alguns dos seus guardas.
-Tragam os outros.– foi tudo o que disse.

Out of the WoodsWhere stories live. Discover now