Dois

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Fui liberada no dia seguinte. Meu pai não pode me visitar, já que ali tinha muitos policias e como um traficante conhecido ele não podia se arriscar. Meu irmão não saiu do meu lado, ele me levou para uma outra casa assim que saímos do hospital.

- Onde estamos? - perguntei rouca, já que estava praticamente sem voz.

- Tu vai ficar aqui por um tempo, até as coisas se acalmarem depois tu vai pro morro ficar com a gente.

- Eu não quero ir pro morro. - eu disse e ele negou com a cabeça, eu conseguia ver em seus olhos a raiva que ele estava sentindo, e o medo de falar alguma coisa.

- A gente resolve isso depois, vai descansar. - ele beijou minha testa e me levou a um quarto.

- Cadê a vó? - perguntei.

- Ela ainda não sabe o que rolou, mas o papai vai resolver tudo. - ele disse e eu assenti com os olhos molhados.

Estava em um pesadelo sem fim, a cada piscar dos olhos eu o via. A cada lágrima que escorria eu sentia o seu cheiro, a cada toque em meu corpo eu sentia suas mãos, a cada brisa de vendo que eu sentia eu me assustava.

Ele não estava ali, mas eu o sentia e me comprimia. Meu corpo estava completamente machucado, mas as feridas internas eram maiores que qualquer outra coisa. Acordei quase uma hora depois de finalmente pegar no sono, meu pai estava sentado na ponta da cama me olhando com os olhos molhados.

Meu pai é novo, ele tinha dezesseis anos quando meu irmão nasceu, e dezenove quando eu nasci. Ele não parecia ter a idade que tinha, pelo contrário, muitas pessoas que nos vê juntos acredita que ele é o meu irmão.

- Oi... - ele disse baixinho sorrindo de lado, vindo se sentar ao meu lado.

- Pai... - eu disse e ele me puxou para o seu colo e me abraçou.

- O papai ta aqui, vai ficar tudo bem... - ele passou a mão em meus cabelos enquanto eu chorava silenciosamente, deixava as lágrimas saírem sem emitir sons a não ser pelos soluços. - Me desculpa me amor... desculpa.

Ele pedia enquanto me ninava, mas não era culpa dele, ele não podia prever isso, eu só queria esquecer tudo que tinha acontecido, como se eu nunca tivesse passado por aquela situação.

Minha vó chegou no dia seguinte, meu pai já havia falado com ela sobre tudo que aconteceu, ela chegou e tentou me passar o máximo de conforto possível. Me abraçava e perguntava se eu precisava de alguma coisa, mas eu não tinha o que pedir além de pedir pra não ficar sozinha.

Os dias iam passando como uma tortura, as noites eram de pesadelos intermináveis, e quando eu acordava era sempre no susto. Tinha crises de pânico toda vez que ao pegar no sono eu o sentia me tocar. A cada vez que alguém batia na porta eu me escondia. Em todos os banhos que eu tomava, eu mal conseguia fechar os olhos com medo de que alguém estivesse me observando. Me esfregava nos banhos tentando me sentir menos suja, mas aquilo só me causava mais dor física.

Quase uma semana depois, meu irmão estava passando os dias lá em casa, mas meu pai ia sempre lá. Conversando com ele decidi ir ao psicólogo na igreja, eu não queria, principalmente por lembrar que ficaria sozinho com ele na sala, mas eu precisava daquilo, eu queria me agarrar nas poucas chances que eu tinha de me sentir melhor.

- Quando terminar me avisa... - meu irmão disse saindo do quarto e me deixando por as roupas.

Eu me olhei no espelho e suspirei. Agora alguns quilos mais magra eu me sentia muito mal, sentia pena de mim mesma, eu desacreditada de mim mesma, só conseguia pensar até quando ia aguentar tudo aquilo. Havia hematomas por todo o corpo, nas costelas eram os maiores. No rosto o corte ainda estava cicatrizando. As olheiras profundas mostravam que eu estava extremamente acabada.

Coloquei uma calça jeans, uma camisa cumprida que deveria ser do meu irmão. Deixei meu cabelo solto, porque assim parte dele ficaria sobre o meu rosto escondendo as marcas. Não estava frio, mas mesmo assim coloquei um casaco.

Sai do quarto e encontrei meu irmão sentado no chão do corredor.

- Vamos? - perguntou se levantando.

- Vamos... - assenti e fui andando ao seu lado devagar.

Ele pegou o carro e eu entrei, não conversamos pelo caminho, ele preferiu não falar nada e eu agradeci, ele colocou uma musica calma e eu fui o caminho olhando tudo pela janela. Com o cansaço que eu estava sentindo acabei cochilando no caminho.

- Ei... Alice, chegamos. - Meu irmão disse sem me tocar, e eu acordei pouco assustada. Olhei pra ele que me olhava triste. - Já chegamos. - disse novamente.

Desci do carro e ele também, minha vó já me esperava na entrada do consultório que ficava no pátio da igreja.

Ao entrar no consultório o pastor me olhou e sorriu de lado. Minha vó nos deixou sozinhos e ele pediu que eu ficasse a vontade sobre o sofá.

- Olá Alice... - ele disse e eu olhei para o nada.

- Olá.

- Não perguntarei como se sente, pois imagino o que deve estar passando, mas quero que saiba que estou aqui não para te julgar e sim para te escutar. - ele disse e eu assenti. - Se sente a vontade em dizer o que está sentindo? - perguntou e mesmo eu me sentindo terrível eu o contei.

Contei sobre tudo, sobre cada coisa que me passava na cabeça, sobre a dor e a raiva que eu estava sentindo por Maíra. No fim ele me abraçou e eu chorei em seu ombro, eu contei que tinha medo de tudo e que eu tinha medo dessa dor que eu estava sentindo nunca mais passar, que as minhas feridas nunca mais se curar.

- Sabe Alice, já atendi algumas pacientes com o mesmo relato de ter sido violentada, mas com você o caso é diferente. Além de ter um laço familiar com você, ter te visto crescer pelos corredores dessa igreja, ver todos os seus sonhos de casamento. Isso que aconteceu foi algo jamais previsto, e nada que eu diga vai poder tirar ou passar o que você esta sentindo, mas eu espero que você tenha forças suficiente para se manter de pé, para ver que não esta sozinha e que todos a sua volta querem o seu bem, querem te ver bem, querem te ver curada. Eu não tenho esse poder de tirar essa dor e acredito que com o tempo isso pode amenizar. As vezes passamos por umas coisas e nos questionamos por que disso, mas sendo cristã você sabe que isso tem um propósito. É a coisa mais complicada do mundo estar aqui tentando te ajudar com algo tão grande. Mas você não está sozinha... - ele ia falando comigo e me olhando nos olhos, eu chorava como um bebê, mas sentia algo como um conforto.

Com o passar dos dias eu comecei a tomar alguns remédios, para diminuir a minha energia, para eu conseguir dormir. Conseguia conversar com as pessoas sem ter que ficar olhando para todos os lados achando que tinha alguém me observando.






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Meu Recomeçar (Revisão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora