16. PERMITA-SE SENTIR

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PEDRO

Alexandra Martins, definitivamente, tem o dom de me deixar confuso. Depois do seu discurso de ontem, nem em um milhão de anos eu achei que ela fosse aceitar andar pela praça comigo e só perguntei da boca pra fora, mas então.... Cá estou eu, ao lado da própria, caminhando pela praça.

Estou tão confuso que, em um primeiro momento, não falo nada e apenas a olho de rabo de olho. Noto que Alexandra está usando calça jeans e uma blusa de malha preta, folgada nos ombros ao ponto de cair por um lado e revelar um deles. Incomumente, seu cabelo está preso em uma trança e o seu rosto está livre de maquiagem. Ela percebe que eu a estou olhando.

—O que foi? — Minha vizinha franze as sobrancelhas grossas, de um tom um pouco mais escuro que o castanho claro de seu cabelo.

Eu finjo interesse repentino no caminho e desvio o olhar dela para o horizonte.

—Você está bem? — Acabo perguntando.

Não é minha intenção trazer à tona um clima ruim pelas várias coisas entre nós que estão suspensas, mas é o que acontece. Alexandra se encolhe em seu casulo ao se sentir ameaçada, mesmo que a minha curiosidade seja apenas uma tentativa de buscar alívio após tanta tensão na noite em que completei dezenove anos.

Quando o silêncio se estende, volto a olhá-la de lado e a vejo presa em sua própria mente, até que suspira e diz:

—Eu estou bem, não se preocupe.

É mentira, óbvio. Qualquer um pode ver que ela ainda está cabisbaixa depois de semanas, mas não insisto. Certamente não sou sua pessoa favorita para discutir sobre o que aconteceu antes de eu ir buscá-la naquele sábado.

Por isso, decido mudar de assunto:

—O que você acha de um algodão doce? —Indico o carrinho no qual já estava de olho e que agora está, praticamente, do nosso lado.

Alexandra olha para ele com uma expressão ainda apática e dá de ombros.

—Se quiser...

Ah que saudade de quando ela simplesmente me xingava. Estou com saudade da parte agressiva que a abandonou apenas com a passiva.

—Volto em um minuto.

Deixo Alexandra e sigo até o carrinho para comprar o doce. Quando volto, ela está encostada em um dos postes da praça, de braços cruzados, e só descruza quando lhe ofereço uma das nuvens de açúcar.

—Obrigada.

Voltamos a caminhar lado a lado e uso o algodão como uma desculpa para o silêncio que beira o desconfortável. Apesar de nenhum de nós falar nada, pergunto-me se a mente de Alex está trabalhando de forma tão frenética quanto a minha em busca de um assunto em comum.

—Vamos nos sentar ali, na grama —, Alexandra fala de repente, indicando a parte verde da praça e me pegando de surpresa.

Ela querer se sentar deve indicar um pouco de interesse, certo?

—Vamos.

No caminho, uma brisa noturna nos pega e faz os algodões balançarem. Uma parte voa direto para Alex e gruda em seu cabelo, fazendo-a resmungar um palavrão.

—Agora eu posso dizer que você é um doce de pessoa —, não escondo o meu sorriso, o que a faz me lançar um olhar feio. É adorável.

—Não seja ridículo —, Alexandra retira o algodão de si e come um bom pedaço do resto para evitar mais acidentes quando enfim sentamos lado a lado na grama.

FOGO ENCONTRA GASOLINA [COMPLETO]Where stories live. Discover now