Jogo Duplo

169 3 0
                                    

Passavam das cinco da manhã, quando Conan sentiu a porta abrir-se. Estava deitado no sofá entediado, sem conseguir dormir. Conan olhou para a entrada e viu uma figura feminina, semelhante a Selena. Pensou primeiro que se podia tratar de uma miragem mas ao sentir o rosto dela junto ao seu compreendeu que era mesmo ela que estava ali. Mas Selena não dirigiu nenhuma palavra a Conan. Nem Conan a Selena. Selena caminhou até ao quarto e não tardou a adormecer. Conan deixou o sofá e dirigiu-se ao quarto, deitando-se ao lado dela.

No outro dia, Conan despertou e deu pela falta de Selena ao seu lado na cama. Pensou que talvez esta já tivesse ido embora mas não. Ao se levantar, compreendeu que ela estava a tomar o pequeno-almoço na cozinha e foi juntar-se a ela.

- Onde estiveste durante este tempo todo?- perguntou Conan.

- Andei por aí. Quis descobrir-me mas percebi que pertenço aqui- retorquiu Selena.

- Pensei que nunca mais te ia voltar a ver.- disse Conan, transparecendo um ar triste.

- Pois.- afirmou Selena, com um certo tom de desprezo- Vou trabalhar. Vemo-nos mais logo.

Dito isto, abandonou o apartamento. Selena mentira a Conan, não iria já para o McDonalds mas sim a Spero Mortius. Começara a sua missão.

Para Selena algo não batia certo. Desde sempre, fora astuta e perspicaz, características que talvez lhe tenham sido transmitidas por Conan. Cada minuto que passava, ela sentia se mergulhada numa realidade ficcionada e inventada com um objetivo muito claro e obsessivo. Havia vários sítios nos quais ninguém podia entrar, a excepção de Tara e Thomas. Eram sítios que Selena tinha curiosidade a entrar. Nos meses em que lá esteve conseguiu chegar a uma biblioteca assombrosa e impunente que ostentava livros acerca de todas as maldades de Conan, um local selado. Selena nunca percebera por que razão uma simples biblioteca estava selada. Foi por isso que continuou a ir lá várias vezes até encontrar esboços terríveis do plano que Tara e Thomas construíram. Mas ela sabia que havia muito mais para contar. Naquele dia de manhã, não se dirigiu logo ao gabinete de Thomas e de Tara, mas sim vagueou até chegar a uma sala selada. O seu espanto ao lá chegar foi visível... estava numa sala de tortura. As paredes estavam cobertas de sangue, assim como a alcatifa, os instrumentos de tortura eram macabros e dolorosos. Selena não queria imaginar o uso que o pai dera a este sitio e tentou voltar atrás mas não conseguiu. Sentiu uma força , superior a si, a agarrar-lhe e a impedi-la de sair. Continuou dentro da sala de tortura que era enorme até chegar a um pequeno baú de madeira velho e maltratado. Ao abri-lo, deparou-se com a foto de uma bonita rapariga que devia ter uns dezasseis ou dezassete anos.Ao colocar a mão na foto sentiu aquela força a puxa-la lá para dentro.

Olhara a sua volta a tentar identificar onde estava. Ninguém a podia ver mas ela via toda a gente. Tinha chegado a um local sujo e degradante. A rapariga da foto estava seminua, estando triste e chocada. A sua frente estava Conan, com a barba por fazer, via-o a agarrar nos seios da rapariga e a força-la a beija-lo. Selena estava horrorizada e chocada. Viu-o a abandonar a rapariga que estava totalmente destruída e sem forças. Conan tinha um sorriso estridente e notava-se que tinha ficado saciado com o que ali acabara de acontecer. Percebeu que aquela rapariga, era filha de Tara, que pelos vistos se chamava Nair. Percebeu também que esta esteve ali durante seis dias sem comer e a ser sujeita aos maus tratos de Conan. Tara era uma jornalista inconveniente que escrevera um artigo sobre o que Conan andava a fazer. Obviamente, foi pressionada a desmentir mas como se recusou a fazê-lo raptaram a filha adolescente dela. Passaram-se sete anos e ainda hoje Tara esta de luto e juntou-se a Spero Mortius, movida pela vingança que a tornam a cada dia que passa menos lúcida e mais sanguinária.

Quando voltou a realidade, Selena reparou que estava no seu quarto, encostada a sua cama. Olhou curiosa e chocada em sua volta e apalpou os édredons para saber se aquilo era real ou um sonho. Mas então apercebera-se que o único sonho que tivera foi com Nair, a filha de Tara, a morrer aos poucos. E era tudo culpa do Conan. Conan significava mal e crueldade. E Selena tinha sido a "cúmplice" dele durante todos estes anos, mesmo sem o saber, o que a tornava ma e cruel também. Selena sentia que o seu coração tinha sido atingido por uma bala que o perfurava de forma tortuosa. Levantou-se e fechou-se na casa de banho. Quando se olhou ao espelho teve pena daquela Selena. A Selena de olhos vermelhos e inchados devido ao choro e pele pálida. Ja não era a Selena que espalhava optimismo só com o olhar. Não. Essa Selena morrera a partir do momento em que a verdade começou a ser revelada. As vezes davam por si a pensar se era preferível continuar ingénua em relação a toda a sua vida e aqueles que pensava serem parte de si ou não. Havia vários pros e contras mas não valia a pena perder tempo com isso. Não havia forma de voltar atras e Selena estava ciente disso.

Ouviu uma porta a fechar-se. Selena logo pensou que Conan havia chegado. Apressou-se a passar a cara por água para suavizar o desastre que estava o seu rosto.

- Selena? - Perguntou Conan de forma alta.

Selena respirou fundo e mentalizou-se que tinha que enfrentar Conan. Não se podia esconder para sempre. Saiu da casa de banho em passos curtos apoiando-se a parede. Sentia-se um bebé a aprender a andar. Mas não tinha a felicidade do bebe. Conan entrou no quarto e estacou quando a viu. Selena, envergonhada e sem saber o que fazer, pôs-se a brincar com o fio de ouro que Conan lhe oferecera no seu décimo oitavo aniversário.

- Pensava que não estavas em casa. - Disse Conan. - Tens passado pouco tempo aqui.

Selena encolheu os ombros e sentou-se na cama. Conan pouco depois imitou Selena. Constrangimento. Silencio. Embora estivessem a centímetros um do outro, Conan e Selena não trocaram um único olhar, uma única palavra. Foi então que Conan ganhou coragem e pousou a sua mão sobre a coxa de Selena.

- Passa-se alguma coisa. Eu sei que sim. E preciso saber o que é. - Desabafou Conan quase implorando por uma explicação.

E pela primeira vez naquele dia os seus olhares cruzaram-se. Selena via o brilho nos olhos de Conan. Via tristeza. E era tao raro Conan mostrar-se vulnerável que Selena não se lembrava da última vez que observara tal sentimento nele. Se e que alguma vez o tinha feito. Mas na sua mente permaneciam os atos cruéis de Conan. Atos quais que Selena nunca conseguiria esquecer.

- Há muita coisa que eu gostaria de saber mas não sei. - Respondeu Selena sem muita emoção na voz.

E assim que proferiu aquelas palavras, Conan avançou e beijou-a. Beijou-a como se do último beijo se tratasse. E por momentos Selena enfraqueceu a sua postura e cedeu ao desejo de Conan. Mas então a imagem da jovem Nair a ser beijada ferozmente por Conan invadiu a mente de Selena. Sentiu-se na pele de Nair. E todo o amor que aquele beijo havia tido até ali, transformara-se em algo nojento. Selena sentiu-se completamente desconfortável, como se estivesse a ser obrigada a fazer aquilo. Mas não estava. E foi então que corrompeu o beijo e se levantou. Virou costas a Conan e passou a mão pelos seus lábios. Sentia os olhos marejados e estava prestes a chorar. Selena sentia-se confusa. A sua vida perdera completamente o rumo. Já não sabia o que sentir em relação a quem a rodeava. Nem em quem confiar. A sua vida tornara-se num autêntico puzzle difícil de resolver.

Guardiões do SubsoloOù les histoires vivent. Découvrez maintenant