Capitulo 1

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"Estou cansado deste lugar, eu espero que as pessoas mudem

Preciso de tempo para substituir o que eu afastei

E as minhas esperanças, elas são altas, eu devo mantê-las pequenas

Embora eu tente resistir, eu ainda quero tudo"

- Fools: Troye Sivan

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— PARE COM ISSO -gritou Zoe, com as pernas tremendo, fracas e cansadas.

A fada deu um tapa no rosto da garota e a mesma caiu de joelhos no chão, mordendo o lábio para não gritar.

— A próxima vez que falar quando não estiver autorizada, treinaremos dez vezes mais. Entendeu? - perguntou, os olhos dourados e brilhantes, que ficavam ainda pior combinando com a pele verde da fada, fitando Zoe. Havia impaciência, cansaço e raiva neles. O que claramente se devia à seu povo ainda não ter obtido sucesso em seu plano, que ja durava dez anos.

Zoe tinha seis anos quando o povo fada a sequestrou e a trouxe à corte Seelie. Na época, ela não fazia ideia do por quê haviam feito tal coisa; ela era somente uma caçadora de sombras e as fadas eram aliadas destes, não havia motivo.

E então eles explicaram tudo à ela. A verdade era que a garota tinha um dom, cujo qual ela ja nascera com. Seu dom era, pelo que sabiam, o poder de conseguir acessar as piores lembranças de uma pessoa, a deixando desorientada e confusa por algum tempo - era diferente com cada um - e também permitia a ela saber a fraqueza da pessoa. Seus pais sabiam desse dom, segundo as fadas, desde que ela era uma bebê. Mas, por medo da Clave descobrir a verdade e querer fazer algum mal à Zoe, haviam encoberto isso. Somente um feiticeiro cujo nome Zoe não se lembrava - algo como Mangus, talvez - sabia da verdade e havia ajudado a encobrir tudo.

Então as fadas a haviam capturado por isso. Queriam o dom dela para lutar contra os caçadores de sombras, de acordo com as conversas que Zoe ouvira. Mas exatamente por quê, ela nunca chegara a descobrir.

— Levante-se - disse a fada para Zoe.

Ela se levantou tirando uma mecha de cabelo do olho e encarou a fada, as pernas, ainda fracas, tremendo. A fada abriu a boca para provavelmente manda-la recomeçar, quando a porta do pequeno quarto em que a mantinham se abriu e um cavaleiro fada entrou, puxando um homem, provavelmente mundano, consigo.

— Ótimo, já estava demorando - disse a fada, enquanto o cavaleiro se retirava fechando a porta atrás de si e deixando o mundano parado ali.

Zoe olhou para o mundano, respirando fundo e pensando no que teria que fazer a seguir.

— Se aproxime - disse a fada para o mundano, e o mesmo, aterrorizado, deu um passo a frente. — Ande logo, garota. Não temos o dia todo.

Ela mordeu o lábio e levantou as mãos, estendendo os dedos indicadores e colocando-os de cada lado da cabeça do homem, um pouco afastados porém. Fechou os olhos e depois os abriu de novo, tendo a certeza de que suas iris ja estavam vermelhas agora. Se concentrou e em seguida sentiu os "fios" vermelhos saindo da ponta de cada dedo indicador e em seguida atingindo cada lado da cabeça do homem. Era o que acontecia toda vez que ia usar seu dom. As íris ficavam vermelhas e o "fio" flutuante saía de cada ponta do dedo indicador e penetrava a cabeça da pessoa, e em seguida atingia as lembranças dela.

Zoe sentiu a sala ao seu redor girar e sua visão embaçar, então fechou os olhos. Ela ficava menos tonta quando fechava os olhos.

Quando os abriu novamente, não estava mais na sala da corte Seelie.

Era uma casa escura e úmida, completamente desarrumada. Havia um adolescente bem no meio da sala, que Zoe pensava ser o homem em que ela usara o poder, só que anos antes. Ele estava de costas para a garota e tinha um homem em sua frente; que estava completamente desarrumado, sujo e segurava uma garrafa de bebida. Este cambaleava levemente e parecia falar com o garoto.

— Você...Onde diabos você estava, moleque? - perguntou o homem e Zoe pôde sentir o cheiro de seu hálito no canto da sala. Fedia a bebida.

— Na biblioteca estudando, p..papai. Eu te disse que ia ficar lá hoje - falou o garoto, e era óbvio que ele estava falando a verdade, pelo jeito com que falava. Havia medo em sua voz, e Zoe tinha certeza de que era do homem em sua frente.

— VOCÊ NÃO ESTAVA LÁ! EU SEI QUE NÃO, PROVAVELMENTE ESTAVA SE DIVERTINDO COM SEUS AMIGUINHOS. BANDO DE ADOLESCENTES MAL-CRIADOS! - gritou o homem e deu um soco no garoto, que cambaleou para trás. Uma lagrima caiu de seu olho esquerdo.

Zoe arregalou os olhos e soltou uma exclamação, do canto do quarto. Claro que eles não podiam ouvi-la nem ao menos vê-la, afinal aquilo era uma lembrança e era ela a intrusa ali. O que significa que também não podia fazer nada para ajudar o garoto.

— Pai...Por favor.. - gaguejou, as lagrimas agora caíam rapidamente por seu rosto.

O homem o chutou e deu mais um soco no garoto. Em seguida bebeu mais do bico da garrafa, acabando com o conteúdo dentro, e jogou a mesma na parede ao lado, quebrando a garrafa instantaneamente. Zoe pulou para o lado, pois era ela que estava ali naquele canto e arfou observando a cena.

— FORA DAQUI! AGORA! EU NÃO QUERO MAIS OLHAR PARA A SUA CARA DE IDIOTA - gritou o homem e o garoto correu escada a cima, então a vista de Zoe embaçou e ela fechou os olhos.

Quando os abriu de novo, já havia "voltado" para o quarto na corte Seelie.

A fada a encarava de braços cruzados, impaciente. Zoe olhou de soslaio para o homem, que antes fora aquele garoto, e não ficou surpresa ao ver o terror em seu rosto. Mundanos demoravam mais para conseguir sair da lembrança novamente, e a garota tinha certeza que o homem ainda estava vendo a mesma, observando cada detalhe e pensando nos traumas de infância. Zoe desviou o olhar. Ela fizera aquilo à ele.

— Tire-o daqui. - a garota ouviu a fada dizer à Montryart (que era o nome do cavaleiro fada - Zoe havia ouvido outros o chamando assim, certa vez). Ela ouviu a porta se fechar e presumiu que o homem havia sido arrastado para fora.

— Agora, nós tentamos de novo. - a fada disse, um pequeno sorriso aparecendo no canto dos lábios. Ela se aproximou de Zoe e seus olhos dourados encararam os azuis da garota. Como uma guerra entre o sol e o céu.

Ficaram assim por um tempo, como sempre faziam a cada dia. A fada estava fazendo a magia das fadas, tentando extrair o poder de Zoe para ela. E, para isso, precisava-se de contato visual. Nunca deu certo, claro, mas as fadas são um povo paciente e Zoe sabia que esperariam mais cinquenta anos se fosse necessário.

— Argh! - grunhiu a fada, dando as costas à garota. Ela chutou uma cadeira, que caiu fazendo um estalo. Depois pareceu se recuperar e balançou os cabelos castanhos, respirando fundo. - Durma - disse para Zoe -, continuaremos mais tarde.

E saiu, deixando a garota sozinha.

Zoe deitou na cama no canto do quarto e ficou encarando o dedo, suspirando. Como sempre quando ela ficava sozinha, pensamentos sobre sua família vieram. Por um lado, ela odiava ficar sozinha por causa disso. Mas por outro, odiava as fadas e ficar longe delas era muito mais confortável.

A garota socou a parede ao seu lado e em seguida soltou um grito, por conta da dor. Não utilizava as runas de caçadores de sombras há anos, portanto não possuía mais tanto de sua força. Agora só tinha marcas cinzas e desbotadas, como uma lembrança de sua vida de antes que nunca iria embora. Ela sentia saudades de tudo de sua vida antiga e, algumas vezes, passava horas pensando sobre isso, desejando poder ter de volta. Mas é claro que nunca teria sua vida de volta. Estava condenada a passar o resto de sua vida presa.

E, com esse pensamento feliz, caiu no sono. Se soubesse os sonhos que teria quando dormisse, nunca teria se permitido dormir. Mas ela não tinha como saber disso e passou-se horas até Zoe acordar.

A Dama do Sol - IWhere stories live. Discover now