Capítulo XXI

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Gritos preenchem o silêncio, o choro de uma criança pode ser escutado ao longe, um gosto horrível de fumaça está impregnado em minha garganta. Abro os olhos lentamente, uma nuvem negra de fumaça entra em contraste com o céu cinzento. Um floco de cinzas trazido pelo vento pousa na ponta de meu nariz.

Levanto-me e com batidas rápidas limpo a lama de minhas roupas. Olho para o relógio de bolso ainda em minha mão e noto que o ponteiro que marca os segundos começou a andar. Estreito os olhos para ver melhor de onde vem a fumaça, não muito longe um grupo de casas são consumidas pelas chamas. Ponho o relógio em meu bolso e inicio uma corrida desenfreada até lá.

O que vejo me deixa atordoada. O lugar está tomado pelas chamas, murmúrios de lamento e choro é a trilha sonora do caos no que antes era um vilarejo. A alguns metros de onde estou uma garotinha chora enquanto grita pela mãe, suas lágrimas deixam rastros em seu rosto coberto por fuligem. Aproximo-me devagar e me inclino perante a garotinha, seus pequenos olhos verdes estão avermelhados e inchados. Sou surpreendida quando a mesma se levanta e corre em minha direção, porém ela passa direto por mim, como se eu fosse um fantasma.

Viro-me e a vejo abraçada a um garoto que aparenta ter minha idade, pelo modo como ela o aperta suponho que sejam irmãos. Ele afaga seus cabelos enquanto sussurra palavras de conforto em seu ouvido. Abro um sorriso ao ver aquela cena, sempre quis ter uma irmãzinha.

Percebo quando a garotinha se assusta com algo, em poucos segundos o som do galope de um cavalo atinge meus tímpanos. Montado em um cavalo branco um homem  com trajes formais para ao lado dos irmãos. Ele desce do cavalo e troca palavras rápidas com o garoto, seja o que for o deixou assustado.

Seu olhar segue em minha direção. Por um momento parece que seu olhar cruza com o meu, e por um momento eu o vejo. Eu reconheceria aqueles olhos azuis em qualquer lugar. Levo às mãos a boca, por mais que pareça loucura sei quem ele é. Liam.

Ele entrega o cavalo ao garoto, o mesmo lhe entrega a garotinha enquanto monta no cavalo. Liam entrega a garotinha a seu irmão, se despedem com um rápido aceno e o cavalo parte levando os irmãos.

Coloco-me ao lado de Liam e o sigo, seu olhar perscruta a área procurando por alguém. Corro ao seu lado pelo o que parece serem dez minutos até chegarmos a uma praça totalmente destruída. Ainda assim reconheço aquele lugar, é a mesma praça que Becca me mostrou. O local onde havia o chafariz se tornou um monte de lama e destroços, é sobre ele que vejo meu eu do passado. Só que ela está diferente.

Seus cabelos agora soltos esvoaçam com a grande ventania, um livro flutua a sua frente enquanto um pó dourado surge da ponta de seus dedos sendo lançados em todas as direções. Os destroços ao seu redor começam a se erguer do chão sendo arremessados bruscamente sobre as casas do vilarejo.

-Kaya! – a voz de Liam ecoa pelo lugar, mas parece não atingi-la.

Ele começa a correr em sua direção e tento acompanhar seu ritmo. Quando ele está a poucos passos dela noto desespero e medo em seu olhar, vejo que ele hesita em se aproximar.

-Kaya. – sua voz sai trêmula assim como suas pernas ao arriscar o primeiro passo. – Pare com isso, por favor.

-ME DEIXE EM PAZ! – ela grita arremessado um pedaço enorme do chafariz sobre mais uma das casas.

-Você está fora de si! Será que não vê o caos que está esse lugar? – sua voz soa calma e ele arrisca mais um passo.

Fito os olhos de Kaya, eles estão brilhando em um tom violeta e dourado. Sua expressão mostra raiva e ódio. Seus pés começam a se erguer do chão, em poucos segundos Kaya está plainando acima de nós e das chamas.

As Crônicas de Misty Falls - Quedas EnevoadasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora