Capítulo VI

241 53 14
                                    

Estamos no refeitório e Valerie e eu não tínhamos trocado uma palavra desde que falamos com a recepcionista.

Desde que eu recebi o cartão.

Valerie coloca uma colher de nhoque no prato e diz:

-Talvez seja na Elena. - fico confusa e ela continua. - Veja bem, você acabou de sofrer um acidente. Talvez ela tenha deixado o número da sua casa pra você mandar notícias. - por um lado faz sentido até eu lembrar de uma questão.

-Mas por que ela pediria para a recepcionista não contar? - ela fica pensativa por uns segundos e responde:

-É claro! Aqui em Misty Falls os únicos dias que podemos ligar para a família é em feriados. Como isso não é permitido ela achou melhor não se identificar.

-De qualquer forma acho melhor eu ligar. - ela apenas dá de ombros e vamos até uma mesa do lado das enormes paredes de vidro que dão de frente ao portão de entrada.

Prendo uma mecha castanha detrás da orelha e vejo Morgan entrar no refeitório acompanhada por Liam. Quando me dou conta nossos olhares se cruzam e estou encarando ele novamente.

Assim como da primeira vez, seu olhar me puxa como se fossemos lados opostos de um imã sendo atraídos. Abaixo os olhos quebrando a conexão e me concentro em Valerie:

-E se for do Liam? - ela para com o garfo no ar e coloca de volta no prato.

-Do Liam? Por que? - revisto a área me certificando de que ninguém possa nos escutar e digo baixando a voz.

-Ele esteve na enfermaria hoje, pouco antes de você e Elena chegarem. - ela reiteira.

-Mas por que? O que ele fazia no seu quarto?

-Pelo o que ele me disse só queria saber como eu estava.

Ela desvia o olhar para além de mim. Me viro para seguir o seu olhar e duas mesas depois da nossa lá estão os dois. Morgan enrola uma mecha ruiva enquanto remexe em seu prato não dando a mínima atenção ao que Liam fala, até se cansar.

Ela bate com as mãos na mesa e se levanta, fala algo para ele que não consigo entender e passa pelas portas dupla do refeitório o deixando sozinho. Valerie volta a olhar para mim:

-Pelo visto as coisas não estão bem no Reino das Sombras. - penso em perguntar o porque de "reino das sombras" mas apenas pergunto:

-O que você acha que gerou a discussão? - com os cotovelos na mesa ela repousa a cabeça entre as mãos, seus olhos de um castanho mais escuro que os meus me fitam.

-Talvez a Morgan tenha descoberto que ele foi ver você. É melhor ficar atenta.

Aquilo me faz querer ir até ele mas decido ficar onde estou. Me lembro que ainda tenho que desfazer as malas e após terminarmos a refeição, Valerie e eu vamos direto para o quarto.

***

Valerie pega alguns livros em seu armário e segue para a aula de alemão. Como estou de atestado não preciso ir a aula e fico no quarto, subo até o andar de cima e encontro minhas malas dentro do meu armário ainda vazio.

Abro a mala com a intenção de desfazer-la quando me lembro do cartão. Aproveito que estou sozinha e procuro por ele no bolso do meu cardigã descendo as escadas. Vou até a escrivaninha onde encontro um telefone sem fio e começo a digitar o número.

Paro antes de digitar o último algarismo. E se esse número for de um desconhecido? O que é que eu vou dizer? Mas, e se Valerie estiver certa e for da minha mãe? Estou com tantas saudades.

A incerteza me faz digitar o último algarismo. Levo o telefone ao ouvido e escuto o som da chamada, só preciso esperar que a outra linha atenda. Estou tão concentrada ao telefone que grito, assustada com as batidas na porta. Desligo o telefone, coloco o cartão de volta no bolso e caminho até a porta tentando me acalmar.

-Ah, é você. - suspiro aliviada ao ver Valerie na porta. - O que aconteceu? - ela entra e diz subindo as escadas:

-Não dá pra ter aula de alemão sem o livro de alemão - ela desce com o livro na mão rindo do que acabou de dizer e rio junto com ela ficando mais calma. - Você vai ficar bem? - confirmo e ela me abraça. Olha para mim e dá um sorriso antes de fechar a porta.

Deixo para ligar em um outro momento e subo para desfazer minhas malas.

***

Já estou quase terminando de guardar minhas coisas quando encontro um livro de capa marrom no fundo da mala. Guardo a última peça de roupa no armário e pego o livro.

Passo os dedos sobre os desenhos dourados da capa e me vem a lembrança. Meu primeiro grimório. Havia o ganhado quando tinha doze anos, foi quando minha mãe percebeu que eu tinha um dom especial, que eu era diferente.

Depois disso entrei em uma escola para pessoas como eu,deixei de ser uma garota normal para voltar a ser uma em Misty Falls. Coloco-o dentro da minha caixa de recordações na prateleira de cima fazendo uma promessa: Só vou voltar a usá-lo quando for realmente necessário.

Assim que tranco o armário o telefone toca, desço rapidamente as escadas e paro de frente para ele. A sensação de medo toma conta de mim e peso as minhas opções. Não faço a mínima ideia de quem seja mas, para ter o número daqui tem que ser daqui ou da minha família. Dou um passo a frente e atendo o telefone:

-A-alô? Quem fala?

-Você ligou para mim. Deveria saber quem é.





As Crônicas de Misty Falls - Quedas EnevoadasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora