Capítulo XVI

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Cerca de duas horas depois de ter chegado em Kenbridge, o duque de Milford notou uma pequena diferença no comportamento dos filhos, que pareciam estar mais relaxados na presença de outras crianças. Estavam todos, exceto lady Graham e os bebês, na grande sala azul. Os pequenos estavam numa extremidade do recinto sentados no chão em círculo. Na outra, estavam George e a viscondessa viúva de Dungarvan, que refrescavam-se do calor com um refresco que fora servido assim que chegaram.

"Crianças precisam de outras crianças para interagir, querido", disse a viscondessa ao perceber que o olhar paterno demorava-se nos filhos.

"Vejo que sim", assentiu lord Milford sem tirar os olhos do grupo de crianças que confabulavam em volta de uma bandeja de sanduíches. "Parecem que estão tratando da paz mundial...", comentou o duque com bom humor.

"Sendo Patrick o líder, suspeito que se trata de um motim", riu baixinho lady Dungarvan observando que o sobrinho-neto mais velho estava de pé como se fizesse um discurso aos demais.

"Devemos nos preocupar, milady?", havia um tom de real preocupação na voz de George que fez a velha dama rir um pouco mais alto. Realmente aquele era um homem que desconhecia o agir infantil, pensou a viscondessa.

"Nos preocupar com o que, senhor?", a voz de lady Graham se uniu a conversa assim que entrou no recinto. Tinha uma expressão sonolenta, mas a aparência arrumada e bem composta depunha contra os olhos inchados da anfitriã.

"Disse ao pobre homem, Lizzie, que se Pat for o líder daquele grupo", e ela indicou as crianças que estavam do outro lado da sala. "Certamente há um motim sendo fomentado".

"Não tenho dúvidas disso, tia. Milord, Patrick convenceria os franceses a se renderem apenas conversando com Napoleão", a mãe comentou com um tom divertido. "Veja. Lá vem eles", indicou que as oito crianças estavam se aproximando de onde estavam os adultos.

Patrick e Alexandra vinham a frente seguidos por um cortejo de seus irmãos. A menina parecia muito corada, mas era aquilo um risinho divertido nos seus lábios?, observou o pai. O mais velho dos Graham caminhava com o peito estufado e segurando a mão da pequena Alexandra com gentileza de um lord. Elizabeth deixou o pensamento vagar e se permitiu pensar que ali poderiam ser ela e George num romance infantil.

"Tio George", o menino disse com uma expressão séria para o duque. "Meus irmãos, Alix e os meninos estávamos conversando e chegamos a uma conclusão".

"Pois diga-me, lord Patrick. Sobre o que este distinto grupo esteve deliberando?", inquiriu um duque assumindo um ar pomposo falso que fez a viscondessa rir.

"Vou me casar com Alix...", decretou o rapazinho com um ar sério.

Os três adultos se entreolharam, mas apenas lady Dungarvan riu. Elizabeth e George se entreolharam com um meio sorriso no rosto. Ambos tinham a impressão de que o destino pregava outra vez uma peça numa tentativa tola de unir os filhos. Foi ela quem quebrou aquele olhar, que seria denunciativo caso a tia não estivesse rindo tanto.

"Querido, como vocês chegaram a essa conclusão?", perguntou ao filho enquanto se sentava.

"Mãe, eles não tem mais uma mãe e nós temos a senhora. Se eu caso com a Alix, você vira mãe dela e dos irmãos também", o menino explicou com simplicidade, apesar do jeito travesso de falar. "Ficar sem mãe não é como ficar sem pai, sabe?".

Não havia como falar algo diante daquela intenção tão nobre e tão pura. Lady Dungarvan foi ouvida fungando baixinho logo após a explicação e o duque pigarreou como se algo lhe travasse a garganta. Lady Graham, por sua vez, sentia-se enternecida pela atitude do filho, mas devastada por perceber que havia a possibilidade de que os meninos Stanfield tivesse aberto um pouco a fresta de seu luto para os Graham.

"Pai, o senhor está bravo?", perguntou a voz doce e tímida de Alexandra, que não entendia muito por que os adultos estavam sérios diante de uma notícia que era alegre, pelo menos ela achava aquilo.

"Ah...não, minha querida...", lord Milford parecia ainda mais sério, mas tinha um tom emocionado na voz que era impossível de se disfarçar. "Eu não estou bravo. Estou surpreso e as senhoras também. Os dois são muito novos para assumirem essa responsabilidade toda", explicou colocando a mão por cima da mão de ambos. "Um casamento é para vida toda mesmo que seja um com motivos nobres".

"Mas minha mãe cuidaria de todos também...", insistiu Patrick preocupado com o rumo da conversa. "A Alix não é feia e não é estranha como as outras garotas, tio George. Eu posso cuidar bem dela. Eu já cuido da mamãe e da Audrey"

"Eu não tenho dúvida de que lady Graham cuidaria muito bem dos meus filhos, Pat", ele deu uma piscadela para o menino. "Mas não seria justo da minha parte ou da dela permitir que vocês sacrifiquem a felicidade futura de vocês em prol de ambas famílias". Era mais que claro, ao menos para Elizabeth, que o duque falava dele e da situação que viveram no passado. Afinal, ele abriu mão de se casar com ela pelo dever familiar.

"Façamos o seguinte: vocês não vão assumir nenhum compromisso até que Alix complete 21 anos. Se sentirem a inclinação de casarem, lord Milford e eu daremos nossas bençãos", interveio a mãe com gentileza. "Podem guardar essa vontade por esse tempo?"

As duas crianças se entreolharam e olharam os irmãos. Não havia como fazer os pais mudarem de ideia, portanto, aquela era a melhor opção.

"Sim, senhora", assentiu Patrick olhando para Alexandra.

"Sim, milady", a menina respondeu com um arzinho triste.

"Muito bem", suspirou e depositou um beijo na testa de cada um dos nubentes. "Independente dos Stanfield não serem meus filhos, meu amor, eu farei o possível para cuidar deles", prometeu a mãe ao filho mais velho, mas tinha o olhar em cada par de olhinhos que a fitava.

O duque não poderia estar mais surpreso com aquela cena dos filhos, mas nada superaria a maneira como a baronesa lidou com a situação. Sem delegar a um criado, sem gritar, sem ralhar, ela apenas demonstrou sua razão e guiou os meninos a uma decisão sensata e racional.

"Meninos, por que não levam nossos convidados para conhecerem seus aposentos e para descansarem um pouco?", foi a voz embargada de lady Dungarvan que interrompeu os pensamentos de Lord Milford. "Fiquei sabendo que há planos de saírem para cavalgar com os pais de vocês esta tarde. Precisam estar bem descansados", disse a velha dama despedindo os pequenos com um olhar generoso. 

O azul dos olhos teusWhere stories live. Discover now