Capítulo VIII

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Tendo permanecido em Ayton com o filho por mais uns dias, o duque de Milford passou a acompanhar de muito perto a rotina da família Graham. Mesmo grávida, lady Graham dava conta de administrar a casa, as outras propriedades da família e os meninos com igual energia. Acordava cedo, mais cedo do que Agnes jamais acordaria, e se reunia com a governanta, o mordomo e o administrador para definir detalhes do dia. Procurava acordar os meninos pessoalmente e ficava com eles até o café estar pronto. Naqueles dias, isto incluiu o tímido lord William que não tardou se adaptar aquela rotina.

"Mamãe, Will pode chamar a senhora de tia Elizabeth?", perguntou Patrick numa manhã três dias depois da chegada dos Stanfield. Os cinco meninos seguiam-na ordeiramente para o café como patinhos seguiam a mamãe pata.

"Mas é claro, querido. Se meus meninos chamam lord e lady Milford de tio e tia, porque os pequenos Stanfield não podem me tratar igual?", ela lançou um olhar generoso a William e deu uma piscadela quando o menino passou diante dela ao entrar no salão onde o café seria servido.

Lord Milford jurou sentir algo ao ver aquela mulher entrando na sala, permitindo-se cometer o pecado de imaginar ela como sua esposa e aqueles moleques como seus. Um raro sorriso permeou seus lábios com a imagem mental da vida feliz que levariam. Teriam viajado por lugares distantes antes de terem os meninos e agora lhes contariam histórias sobre as aventuras e perigos do alto mar. A imagem mental era tentadora e graciosa, mas era um pecado, portanto, logo foi abandonada.

"Milady, o senhor Adkins a aguarda na biblioteca", anunciou o mordomo já no final do café. "Ele disse que a presença do duque também será necessária".

"Obrigada, Burns", assentiu levantando-se. "Avise o Paul para selar os pôneis para os meninos. O dia está bom para alguns exercícios", ordenou antes de se retirar.

A baronesa e o duque caminharam em silêncio até a biblioteca onde um homem pequeno e encurvado de cabelos brancos os cumprimentou com uma profunda reverência.

"Milady, milord", a voz anasalada de Adkins disse.

"Este é o nosso advogado, o bom Adkins, milord", apresentou a baronesa se acomodando em uma poltrona. "Ele veio tratar da leitura do testamento de James".

"Corretíssimo, madame. Por sorte, milord está nas redondezas, pois o falecido barão deixou uma honrosa incumbência para Vossa Graça", anunciou o homem indicando que lord Milford se sentasse. Assim que o duque o fez, o velhote colocou um par de óculos e tomou nas mãos um documento começando a ler o testamento de Graham.

"Assim é minha vontade para o caso de meu falecimento. A Ayton bem como todas as propriedades Graham serão cuidadas por minha querida esposa, lady Graham, até que Patrick Graham, meu filho mais velho, cumpra 21 anos e possa substituir-me como barão Graham de Ayton. Ao meu herdeiro, lord Patrick ainda caberá o uso de toda Ayton sem que, no entanto, possa se desfazer de nenhum acre de terra bem como cinco mil libras no ato de sua maioridade e, aos 25 anos, receberá dez mil libras. Aos demais filhos independente do sexo, herdam aos 18 anos, cinco mil libras cada e quando se casarem herdarão mais cinco mil libras.

Lady Graham herda uma pensão anual de dez mil libras para seu uso pessoal e mais cinco mil para a manutenção de Ayton House e Townbridge, que são, a partir da presente data, propriedades suas para dispor como apetecer. Além disso, a partir do presente documento, libero-a, querida Elizabeth, de qualquer obrigação com o luto além do período de um mês após meu funeral. As possessões do pai de minha esposa tanto territoriais quanto financeiras retornam aos seus cuidados, podendo legá-las como e a quem desejar.

A minha afilhada, lady Alexandra Stanfield, completo seu dote com mais mil e quinhentas libras para que possa bem se estabelecer em sua vida. Aos demais Stanfield, minha obrigação de tio me impele a legar a cada 500 libras a serem disponibilizadas a partir de seu vigésimo primeiro aniversário.

Ao meu bom e fiel amigo, lord George Stanfield deixo a espada que me acompanhou a batalha de Lissa como símbolo eterno de minha amizade mais que devota. Por ser o melhor dos homens, é de meu desejo que ele seja responsável pelos ensinamentos masculinos pelos quais meus meninos haverão de passar. Entrego-os a você, amigo e irmão, na incumbência de que sob sua tutela, eles serão tudo o que se espera de homens e cavalheiros. Assista a minha esposa no que for necessário, seja seu guia nos negócios e um amigo nos tempos difíceis.

Ao senhor Burns, a senhora Fitzgerald e ao senhor Fitzpatrick, pelos bons serviços, lego a cada um cento e cinquenta libras. As criadas receberão cem libras para seu dote e os criados cinquenta ao se casarem.

Que seja feito conforme as vontades expressadas neste documento,

James Graham"

George ficara impressionado com o testamento do amigo, que era generoso em demasia até com criados. E tinha aquela incumbência de cuidar dos Graham e guiá-los a serem homens. Após os trâmites de assinaturas, eles se despediram do advogado e permaneceram na biblioteca.

"Me surpreende que James tenha me citado", confessou o duque após um longo silêncio.

"A mim não. Ele sempre o julgou um modelo de cumpridor dos deveres e desejava que os meninos assim o fossem", respondeu Elizabeth acariciando seu ventre. "Nada me impressionou neste testamento".

"Conhecia a vontade final dele?", perguntou George observando a beleza da cena e da sua anfitriã.

"Conheço todos os negócios do meu marido", ela voltou-se para olhar George e o surpreendeu olhando para si como dantes.

"Farei meu melhor pelos meninos e por você", disse com algum sentimento.

"Faça pelos meninos e já estarei satisfeita", não houve sorriso ali da parte de Elizabeth. Pelo contrário, ela fez uma pequena careta e pressionou a barriga com a mão. Respirou fundo uma vez, mais uma nova pontada veio. Respirou uma segunda, mas, quando abriu as boca para falar novamente, sentiu uma pontada forte no ventre que lhe estremeceu todo o ser. "Santo Deus! Acho que chegou a hora", anunciou com a voz entrecortada.

"O que? Sente-se bem?", estranhou George as caretas que ela fazia, mas não percebeu do que se tratava.

"Chame Molly e a senhora Fitzgerald. Diga que mais um Graham quer chegar ao mundo", havia calma no tom de voz com qual Elizabeth dava aquelas ordens a George. Ambas as mãos da baronesa estavam sob o ventre, segurando-o como se pudesse impedir o nascimento da criança ali no meio da biblioteca.

"Está na hora?", inquiriu um muito atônito George. "Pelos céus, você está com dor? Quer que eu a leve para o quarto?", perguntava se aproximando. "Não, não deveria movê-la, seria ruim", resmungava andando de um lado a outro do recinto atarantado.

"George", ela usou o mesmo tom que usava com os filhos quando tinha que usar a paciência. "George, se acalme, por favor. Sou eu quem vou parir e estou tão calma quanto um cordeiro".

Era verdade, segundo ele observou. Havia a sombra de um sorriso nos lábios dela. Havia umas caretas que denunciavam algum incomodo muito dolorido, mas nada comparado aos gritos de Agnes e ao horror que era cada parto que pelo qual passava. O duque parou de andar para lá e para cá e aguardou as ordens.

"Vá a Molly e a senhora Fitzgerald. Elas saberão o que fazer", repetiu as instruções e George partiu correndo para cumprir aquela tarefa. 

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