01. FOGO ENCONTRA GASOLINA

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FEVEREIRO DE 2016

PEDRO

Mudar de cidade deveria ter a sua dose de empolgação, mesmo quando a mudança é para a cidade ao lado da que você viveu a vida inteira. Pelo menos é isso que a minha irmã mais nova me diz, mas, francamente, não consigo ficar feliz com isso.

Ao contrário dos meus amigos, que ganharam o mundo e deram os primeiros passos em busca da realização dos seus sonhos quando nos formamos no ensino médio há três meses, eu me sinto preso; completamente refém das escolhas alheias sobre a minha vida. A começar com a mudança de Lugar Nenhum para Lugar Onde Judas Perdeu as Botas. Ou de Horizonte do Sul para Horizonte do Norte, se preferir.

Só com isso, não é difícil supor que eu nunca quis me mudar para a cidade ao lado, mas o fiz por causa do trabalho do meu padrasto. Se nos mudássemos, ele seria promovido e passaria a ganhar mais, então a decisão pareceu óbvia para ele e para a minha mãe, que sequer pediram a minha opinião ou a da minha irmã mais nova. Eles apenas nos informaram no final do ano passado que nós nos mudaríamos.

Porém, esse não é o maior problema.

Sendo bem sincero, a causa do meu mau humor sobre passar a viver em Horizonte do Norte vem do fato de que, ao contrário dos meus amigos, eu não escolhi seguir o meu sonho após a formatura. Eu escolhi o que era mais fácil e o que faria os meus pais felizes. Abandonei por completo a música em prol de um curso que não me interessa, cujas aulas começarão em breve.

Para mim, passar a morar em Horizonte do Norte é a certeza de que perdi não apenas uma batalha, mas a guerra da minha vida. Sem nem ao menos tentar travá-la, na verdade. Eu apenas aceitei a derrota antes mesmo de tentar.

Mais do que odiar a mudança de cidade ou minhas escolhas erradas, eu sinceramente odeio muito a mim mesmo agora e não me sinto minimamente capaz de fingir qualquer empolgação, para completo desgosto da minha família.

— Finalmente em casa, crianças —, por entre a música que toca nos meus fones de ouvido, escuto minha mãe falar do banco da frente.

Nós chegamos em Horizonte do Norte há cerca de dez minutos, mas a cidade é pequena o bastante para cruzarmos ela nesse meio tempo e chegarmos ao condomínio em que passaremos a morar. Trata-se de um lugar repleto de casas antigas e superestimadas pela localização próxima à praia. É a cara do meu padrasto.

— Parece legal —, ao meu lado e completamente diferente de mim, a minha irmã mais nova é a personificação do entusiasmo. Como se fosse a própria Dora Aventureira vivendo um episódio, os olhos castanhos de Mariana brilham e ela sorri como só uma jovenzinha de quatorze anos é capaz.

— A localização é ótima. Estamos a apenas cinco minutos de distância da praia, vinte da escola da Mari e trinta da faculdade do Pedro — Ricardo, o meu padrasto, faz questão de salientar.

Aparentemente, eu não sou muito bom na arte de atuar e o meu descontentamento com a mudança não é nenhum segredo, pois sinto que os três me olham com certa expectativa enquanto fico em silêncio.

No fim das contas, mamãe desiste de esperar por alguma reação minha e diz:

— Vamos nos apressar —, ela logo abre a porta para sair do carro, tão logo Rick para em frente ao que será nosso novo lar. — O caminhão de mudanças deve chegar em breve e queremos organizar o máximo possível antes do anoitecer.

—Eu só quero escolher o meu quarto logo. E talvez cumprimentar os vizinhos —, minha irmã não perde tempo em segui-la.

Eu, por outro lado, sinto-me bastante tentado a ignorar tudo e permanecer no carro ouvindo minhas músicas. Entretanto, o meu padrasto não colabora:

FOGO ENCONTRA GASOLINA [COMPLETO]Where stories live. Discover now