Capítulo 30 - Minha fuga

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Devolvo a granada ao cofre.

– Durante todo esse tempo eu sempre soube que era você, Willian – garante –, mas você fez um bom trabalho para eliminar as evidências. Não deixou uma prova sequer. Nenhuma ponta solta.

Enquanto ele fala, pego a maleta de pôquer onde escondo meu dinheiro e coloco na mala. Não é o suficiente para me sustentar por muito tempo, mas vai me garantir por uns meses até que decida o que fazer. Posiciono as três granadas de gás do lado oposto da mala.

– Mas, desta vez, você foi descuidado demais – continua. – Não tem mais como você fugir dos seus crimes.

Eu olho para ele com raiva. Foi ele que implorou por minha ajuda. Foi ele que pediu para que alguém interviesse para salvar aquelas pessoas. Ele é tão responsável quanto eu.

Mesmo desarmado e abatido, ele não é páreo para mim. Ainda que ele tivesse uma pistola, eu o venceria com as mãos nuas. Mas o que matar um policial honesto poderia me trazer? Além disso, tenho a sensação de que estamos do mesmo lado, desta vez. Ele pode ser responsabilizado como mandante do assassinato de Senador.

– Você tem muita cara de pau pra vir aqui e me dar lição de moral, hein?

– Eu não vim aqui para isso – argumenta. – Vim pra que você finalmente entenda como foi ingênuo. Você achou que, matando algumas pessoas ruins, estaria consertando a sociedade. Você tem que entender que essas pessoas foram criadas pela nossa sociedade. Se você não mudar a sociedade, quando eliminar uma pessoa ruim outra já vai estar pronta para assumir o papel do morto.

– Então, foi mesmo pra me dar lições de moral... – Digo.

– Não. Eu vim aqui te dar um aviso – olha para o relógio e continua. – Em uns dez minutos, a polícia vai invadir a sua casa e te prender. Eles já devem estar se reunindo no entorno do prédio.

Eu o olho surpreso.

– Por que você está me ajudando?

– Você fez algo que seria visto de outra forma, se você fosse outra coisa. Um policial, por exemplo. Eu acho que você escolheu o papel errado, desde o princípio. Um justiceiro, por mais que tenha boa intenção, só quebra a ordem. E, sem ordem, o homem fica livre para fazer mais atrocidades. A ordem é tão necessária quanto a justiça. É por isso que os justiceiros sempre caem em desgraça.

O que ele diz faz sentido, mas soa mais uma utopia do que algo possível. Como seria possível atingir a justiça social sem quebrar a ordem? Para mim, a história humana é simples. Uma sociedade justa é mais facilmente comprada com sangue do que com suor e boas intenções.

Desvio os olhos, e quando torno a olhar para a porta ele já não está lá. Foi e me deixou com perguntas demais e respostas de menos.

Não há tempo para filosofia, agora. A polícia está chegando. São dez para as três da manhã. Antes das três, tenho que fugir.

Abro todas as bocas do fogão no máximo e deixo o gás encher a cozinha. Pego tudo que é minimamente inflamável e faço uma trilha ligando a cozinha ao quarto. Roupas, lençóis, travesseiros, edredom, toalhas, cortinas, papéis, livros, o tapete da sala. Jogo por cima o que pode ser usado como combustível. Infelizmente, isso se limita a uma garrafa de álcool anidro, uma de uísque e meia de vodca. Vai ter que servir.

Olho para minha casa. A casa que meus pais me deram para se livrar de mim. Eles achavam que algumas brigas de rua eram um problema grande demais. Vão se espantar quando souberem quem é o filho deles de verdade. Um assassino sanguinário procurado pela polícia. O temido Segundo Caçador.

Mesmo assim, ou principalmente por isso, tenho inúmeras lembranças maravilhosas no apartamento. Ainda que não tenha tempo para ser sentimental, não consigo parar de olhar para cada detalhe dele. A prateleira que Pedrão quebrou, bêbado. As marcas dos tiros de Duncan no chão. E o quadro que Aninha comprou porque o apê era muito "dark". Jamais vou poder voltar. Escolhi este caminho e perder minha residência é a menor das consequências.

O Segundo Caçador:  vencedor do III PRÊMIO UFES DE LITERATURAWo Geschichten leben. Entdecke jetzt