Capítulo 5 - Um retorno

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O desgraçado do telefone toca mais uma vez. Deve ser a milésima vez só hoje e não vai ser desta que vou atender. Minha família, meus amigos, meus colegas de trabalho. Todo mundo está me ligando fingindo querer saber como estou ou me dar apoio. Na verdade, o que realmente querem é fazer perguntas sobre o que aconteceu no ônibus. Confirmar teorias ou aumentar especulações. Não aguento mais responder a essas perguntas. Sendo justo, eu não respondi a nenhuma delas desde que dei entrada no hospital. São sempre as mesmas. "Como você está? É verdade que você matou duas pessoas? Quando você volta a trabalhar?" É insuportável ficar esperando que eles desistam e parem de me ligar.

Mais uma desistência. Dessa vez, a ligação foi feita de um número restrito. Uma nova tentativa para instigar minha curiosidade e me fazer atender. Tão inútil quanto as outras. Minha curiosidade é muito menor do que a vontade de não falar com ninguém. Não sei por que ainda não taquei esse telefone na parede. Ou pelo menos não parei de recarregar. Porém, sempre que a bateria chega perto do final, volto a ligar o aparelho na tomada.

Uma nova chamada logo aparece no visor. Hoje vai ser um daqueles dias difíceis, em que todo mundo me telefona o tempo todo, tentando me infernizar até que eu atenda. O pessoal do escritório costuma fazer isso toda sexta-feira quando retorna do almoço. Todo mundo bebe e volta animado para uma rodada de ligações. Pela quantidade, cada um faz uma. Aposto que me falariam que só estão fazendo isso para me ajudar.

Mas é estranho. Eu jurava que hoje era quinta-feira. Ou eles mudaram o dia ou eu perdi a noção do tempo.

Desta vez, é a foto dela que aparece no visor. É assim que compreendo que venho mentindo para mim mesmo todos estes dias. O telefone não foi destruído e está carregado porque eu estava esperando que ela ligasse. Suportando todos os mil telefonemas à espera de apenas um. Feliz e ansioso, atendo o primeiro em semanas. No segundo toque. Porque durante o primeiro fiquei olhando para o aparelho, sem respirar.

– Alô?

– Aninha?

– E aí, rapaz?

Ela está alegre. Imaginei essa conversa mil vezes nos últimos dias e, em todas, estava triste, se sentindo rejeitada, por eu não ter ligado. Algumas vezes, apenas dizia que queria que eu nunca mais ligasse. O que nem faria sentido, já que era ela que estaria me ligando.

– Você acaba de me deixar rica, sabia? – Ela gargalha e continua. – Apostei com o pessoal do escritório que eu ia ser a primeira pessoa que você ia atender.

Sua alegria me contagia e pela primeira vez desde que saí do ônibus, desde meu encontro com Assassino, desde que tive alta, esboço um sorriso.

– Então era por isso que eles ficavam me ligando o dia inteiro? – Pergunto, com falsa irritação.

– Só pra deixar claro, eu fui contra desde o início. Mas essa gente carente acha que excesso de atenção faz qualquer um se sentir melhor.

– E, por mais atenção, você quer dizer, me infernizar.

– Isso! Aí, como você nunca atendia ninguém, um começou a desafiar o outro. Daí pra virar uma aposta foi um pulo. E as apostas cresceram tanto que eu achei melhor organizar um bolão.

– Que ótimo... Foi ideia de quem?

– Das apostas? Minha, claro.

– Isso eu sabia. Todas as apostas que você ganha são sempre ideias suas. Mas eu tava falando das ligações. De quem foi a grande ideia de pedir pra tudo mundo me ligar?

O Segundo Caçador:  vencedor do III PRÊMIO UFES DE LITERATURAWhere stories live. Discover now