Capítulo 4 - Uma investigação

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– Senhor Willian Barros, o senhor gostaria de me explicar por que temos nos visto com tanta frequência? – Reclama o delegado, quando entro em sua sala.

Ele tira os óculos e me encara com severidade. Não costuma ser um sujeito de sorrisos, mas hoje seu rosto perdeu a característica neutralidade.

Não abaixo o olhar, mas permaneço em silêncio. Meu corpo ainda está dolorido da surra. Meus pulsos, esfolados pelas algemas. Depois do que aconteceu, não estou com espírito para abaixar a cabeça e ouvir discursos moralistas. A hipocrisia já não consegue me impedir de ver a dura realidade. Mesmo os três dias que passei na cela da delegacia não me fizeram sentir uma gota de arrependimento.

"Um delegado deve seguir as leis e prezar pela segurança pública", ele me falou, num outro dia. Em sua cabeça limitada não há espaço para o meio-termo. Se uma coisa não é certa, necessariamente é errada. Ele não entenderia o que eu fiz nem com todo o esforço do mundo.

Mesmo eu tenho dificuldades para acreditar que fiz tantas coisas extremas. No entanto, entender o que me levou a fazer tudo isso não é difícil. É bem simples, na verdade. Eu estava sempre reagindo. A cada ataque, me defendi da forma que pude, da forma que sei. Atacando.

– Eu não terei paciência para este tipo de atitude! – Ele diz abruptamente, aumentando a voz.

Isso me surpreende. Até então, ele tinha sido irritantemente calmo em nossos encontros anteriores. Sério, mas calmo.

– Eu vou te colocar na cadeia, caralho! – Continua. – A não ser que me convença de que não existiu outra opção além do homicídio.

Não é a primeira vez que penso que posso ir para a cadeia. É a primeira vez que acredito. Lógico que tive outras opções além de matar o desgraçado. Poderia ter esperado a polícia. Poderia ter tentado dominar o cara; um mata-leão faria o trabalho. Poderia ter apenas olhado enquanto ele fugia da cena do crime com a ajuda dos outros policiais. E foi também por isso que matei aquele verme. Por mais que reflita sobre isso, se for sincero comigo, direi sempre que me sinto orgulhoso pelo que aconteceu. Pareceu, e ainda parece, a coisa certa a fazer. Mais um demônio no inferno, pagando pelos crimes que cometeu. Menos um aqui na Terra para nos infligir sofrimento.

O delegado me olha com a mais pura raiva. Meu silêncio o incomoda. Ele está acostumado em ser temido, não ignorado. Menos ainda confrontado. Ele gosta de ter suas perguntas retóricas respondidas. É uma forma de reafirmar sua autoridade. De nos obrigar a fazer e dizer o que ele quer. É um jogo que tem que ser jogado. E, por isso mesmo, respondo, enfim.

– Não. Vossa Excelência não me verá outra vez.

– Não se faça de ignorante!

– Não, excelentíssimo delegado. Não me verá outra vez.

Ele bufa e então ri irritado, como se não acreditasse no que a escória à sua frente disse. É parte do papel que representa nesta sala. O guardião da lei que faz os criminosos tremerem. Consigo me lembrar de vários filmes em que vi uma atitude semelhante do policial no comando. Talvez ele tenha usado algum desses filmes como inspiração. Mas, quando você percebe o papel que a pessoa se presta a fazer, toda a encenação fica patética.

– E como devo acreditar na palavra de um homicida que já vitimou três cidadãos? – Protesta, gritando.

– Foi o senhor mesmo que me disse que eu fui um herói naquele maldito ônibus! – Agora é a minha vez de gritar. – Não vai chamá-los de cidadãos de bem também, hein?

Seu rosto fica completamente vermelho. Toda a sua raiva transborda pelos olhos. Agora sim, estou com medo. Não de ele me mandar para um presídio, mas que ele sucumba à tentação de resolver o problema de uma vez por todas, exatamente como queriam os policiais que me trouxeram para cá. A única solução definitiva. Minha morte.

Ultrapassei os limites do bom senso. Como tenho feito com frequência.

– Não distorça as minhas palavras, seu merdinha! – Vocifera. – Caralho! Você matou três pessoas em menos de dois meses. Uma delas, um policial! Quem é você para decidir quem deve viver ou morrer?

Volto para meu silêncio. Não há nada que conseguiria falar para melhorar minha situação. Pela lei dele, não deveria ter feito o que fiz. Existem consequências e ele quer que eu as enfrente.

Mesmo que apodreça na cadeia por trinta anos, mesmo que morra lá, não me arrependerei. Não conseguiria viver sem ter acabado com aquele cara. Ele tirou mais de mim do que eu tirei dele. Sua vida era inútil, não a que eu perdi.

O silêncio dura alguns minutos e, quando o delegado volta a falar, já está calmo novamente.

– O que eu disse, naquela ocasião, é que você foi imprudente. Porém, não posso negar que a sua ação salvou a vida de outros inocentes – admite, em voz baixa. – O que, pelo relato das testemunhas, não é o mesmo que aconteceu desta vez. Ainda segundo as testemunhas, que você vai desqualificar facilmente nos tribunais – continua –, a vítima foi completamente subjugada antes de você matá-la. Como você explica o que fez, então?

– Antes de qualquer coisa, ele ainda estava armado – digo. – Se você acha que ele estava subjugado com uma arma na mão, eu te afirmo que ele foi subjugado quando foi morto.

– Você o desarmou antes de o matar.

– E ele se armou novamente de uma faca.

– Então uma pessoa alcoolizada oferece um perigo real para uma pessoa do seu tamanho e com um vasto currículo de lutas de rua?

– Eu também estava alcoolizado e ele teve treinamento oficial na polícia. Eu não sei nenhuma arte marcial.

– E você acredita que ele te oferecia perigo real?

– Ele enfiou uma faca no meu peito e teria me matado se eu lhe desse a chance.

– Responda minha pergunta. Você acredita que ele oferecia algum perigo real?

– Eu não me importei nem me importaria, em momento algum, com o meu "perigo real".

– Não?

– Não, e o excelentíssimo delegado me viu com a cara ensanguentada tantas vezes que tenho certeza de que concorda com isso.

– Mas dessa vez foi diferente. Negaria isso?

Respiro fundo, sei o que preciso fazer. Se for vago e cínico, não vou para a cadeia. Tenho certeza de que as testemunhas não deporiam contra mim para defender aquele miserável. E, sem testemunhas ou provas de minha intenção, e com a boa defesa que terei, é quase impossível que seja condenado.

Mas eu já caí na armadilha, e ele sabe disso.

– Sei que não deveria, mas vou te contar exatamente como tudo aconteceu. E se tiver que ir para a cadeia por isso, já não me importo mais. Que a sua consciência fique tão tranquila quanto a minha.

– Você sabe que me importo com leis e não com consciências, não sabe?

– Sei.

***

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O Segundo Caçador:  vencedor do III PRÊMIO UFES DE LITERATURAOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz