Capítulo 8 - Uma investigação

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– É verdade. Eu poderia não tê-lo matado. Mas o ilustríssimo delegado sabe muito bem que ele iria ficar apenas alguns meses na prisão. Se ficasse. E, então, estaria livre para destruir mais famílias e, provavelmente, nem perderia o emprego de policial. E a família do Pedrão, como fica, nisso?

O delegado me observa sem expressão.

– Eu não consegui simplesmente deixar que ele saísse impune depois de ter assassinado o meu melhor amigo, que estava apenas tentando defender a minha namorada – continuo. – Você sabe o que aquele animal queria fazer com a minha namorada, na minha frente? E, se não fosse o Pedrão, ele faria e nem seria punido.

– Então você o matou pensando racionalmente nas consequências? – Pergunta. – Frio e calculista. Simples assim?

O delegado ainda não desistiu de me colocar na cadeia. Esse corporativismo entre policiais é repugnante. Eles não se preocupam com crimes ou suas implicações, apenas com a possibilidade de impedir que um colega seja incriminado. Mesmo quando não são inocentes. Mesmo se já estão mortos.

– Você sabe muito bem que eu não sou um psicopata.

– Você pensou nas consequências antes de matar o policial? – Insiste.

– Foi instinto. Eu não pensei em nada a não ser vingar o meu amigo.

– E o seu instinto é sair por aí matando as pessoas?

– Contanto que não matem meu melhor amigo, não.

– Caralho, em dois meses, você matou mais gente do que eu em toda a minha carreira. Como vou acreditar que você não se transformou em um serial killer disfarçado de justiceiro? Talvez sua cabeça de advogado tenha distorcido o significado disso, mas sempre que mata uma pessoa, você comete um homicídio.

– Não vou voltar a matar – minto.

O delegado me olha por longos segundos. Está tentando buscar uma forma de me incriminar mais contundentemente. Porém, ele não tem testemunhas. E não tem provas de que eu não reagi apenas em legítima defesa. Além disso, sabe que trabalho em um dos melhores escritórios criminalistas do país. E, dessa vez, o corporativismo está a meu lado.

– Me diz: o que eu faço com você? – Questiona, com ar de cansado. – Você e seu amigo se metiam em todas as brigas que conseguiam. Algumas vezes para defender um qualquer desconhecido. Caralho, vocês tiveram a minha simpatia, quando surraram aqueles três playboyzinhos que espancaram um mendigo. E depois você bateu no mesmo mendigo quando ele assaltou uma idosa. Podia até acreditar que estava fazendo algo certo, fazendo algum bem, mas agora está matando, Willian. Passou de todos os limites.

Lembrar os momentos em que eu e Pedrão fizemos coisas inconsequentes traz um gosto amargo à boca. Na maioria das vezes, foi ele quem armou a confusão. Foi ele que iniciou a briga com os três pitboys. Ele que me fez correr atrás do mendigo. E ele é o idealizador da Lista. Mas, em sua última estupidez, ele me entregou um fardo pesado e não consigo deixar de concordar com Delegado. Isso está muito além de qualquer limite. É algo inaceitável mesmo para as pessoas que quero defender. Sem dúvida, estarei sozinho neste caminho.

– Você é uma boa pessoa, com boas intenções – continua –, mas repito: quem é você para julgar quem deve morrer? E quem é você para punir quem você mesmo julgou? Se a Justiça erra todos os dias, será que você seria tão bom a ponto de não errar nunca? Ou está sossegado caso mate alguns inocentes, de vez em quando?

Inegavelmente, ele está certo mais uma vez. Não há dúvida de que esse é meu grande desafio. Se possuo o que parece ser uma habilidade natural para matar, tenho que concentrar esforços em impedir que inocentes sejam tomados como alvos. Não que algum dia vá esquecer o que fiz com Desdentado, mas tenho que tomar medidas para não repetir o erro. Talvez deva buscar apenas os que sejam notoriamente culpados. Pessoas que, sem dúvida alguma, façam apenas mal à sociedade. Pessoas que a Justiça convencional tenha falhado em punir. Ou monstros cruéis demais para nosso sistema penal.

Se eu atingir as pessoas certas e a sensação de impunidade diminuir, talvez o medo de ser o próximo possa fazer com que menos gente cometa crimes. Ou, na pior das hipóteses, menos pessoas estarão disponíveis para cometer esses crimes...

– Não gosto deste seu olhar... – Ele suspira. – Me faz acreditar que algum dia vou precisar te colocar na cadeia.

– Não se preocupe com isso, o senhor não vai precisar – digo, tentando transmitir o máximo de credibilidade. Nada que o faça aumentar sua pouca fé em mim.

Meu amigo não morreu em vão pelas mãos de um policial bêbado que queria abusar da minha namorada e depois tentou me matar. Seu legado é a Lista. Vou dar tudo de mim e, a qualquer custo, essa escória vai ser destruída. Alvo a alvo. Sei que, no final, nada de bom vai sobrar para mim. Meu futuro é a cadeia ou a morte. Ou um ou outro. Ou os dois juntos, no caso de morrer na cadeia. Mas meu destino está selado.

Não dá para acreditar que agora entendo e concordo com tudo o que Assassino falou. Realmente, algumas pessoas fazem tão mal à sociedade que deveriam ser eliminadas. Mas, se ele entendeu certo, está mirando na direção errada. E isso faz dele uma pessoa perigosa para a sociedade. Assim que chegar em casa, vou escrever "Assassino" no topo da Lista. Assim que o achar, será meu primeiro alvo.

– Você vai atrás daquele bandido do ônibus, não vai?

Delegado parece ler minha mente e, mesmo sem responder, não consigo esconder meu espanto.

Suspira novamente. Parece alguns anos mais velho desde que entrei em sua sala. Ele me olha em silêncio. Parece medir o perigo que eu ofereço e decidir o que fazer comigo. Não que eu possa fazer algo sobre isso, agora.

– Bom, parece que não tem outra forma, então. A partir de agora, você será investigado de perto. Se eu achar alguma maneira de incriminá-lo, nem que seja por atravessar a rua fora da faixa, eu vou te prender. Esteja avisado.

Ele tira as algemas de mim. Não sei exatamente o que sinto, mas tem um pouco de alívio, muito de medo e algum orgulho, por ter confrontado Delegado e sair livre de sua sala. Não vou conseguir evitar o processo criminal, mas, ao menos, vou aguardar em liberdade. E, quando chegar a hora, serei inocentado. Não tenho dúvida.

– E, para que você não morra de curiosidade – anuncia, quando chego à porta –, existe apenas uma razão para que você não saia daqui direto para a prisão. Obviamente, você só ficaria um ou dois dias por lá, até conseguir um habeas corpus. E isso só te mostraria como as injustiças deste mundo são muito maiores do que as que você experimentou na sua vidinha de classe média alta.

É impossível ignorar o olhar de superioridade estampado na cara dele. Me sinto um garoto levado para a diretoria da escola.

– E – continua –, se você tiver realmente o objetivo de se tornar um justiceiro, isso só ia te dar mais determinação. Eu te dei mais essa chance, então, pense muito bem antes de seguir por esse caminho. Não tem volta. Uma vez que se entra nesse mundo, só se sai morto. Escreva o que estou te falando. Dentro ou fora da prisão, o futuro é a morte.

Mais uma vez ele está certo. Certo demais, até. Mas é como ele disse, uma vez que se entra, não há volta. É tarde demais para desistir. Mudei muito, depois de ter conhecido Assassino, e mais ainda depois de ter perdido Pedrão. Não há como fingir que posso ser a mesma pessoa que eu era.

– Na próxima vez que vier me visitar, lembre-se que não vai poder usar a desculpa de ter reagido. Você será um homicida como qualquer outro.

Caminho devagar até a porta.

– E tem uma outra razão também – digo. – A imprensa já estava me chamando de herói antes de eu matar um policial corrupto que assassinou meu amigo. Não imagino nada pior para a já frágil imagem da polícia do que forçar a barra e me prender, quando todos sabem que eu só reagi a um monstro de farda.

– Tinha me esquecido dessa daí.

Estou de costas, mas sei que ele está com seu tradicional sorriso triste no rosto.

Depois de tudo o que fiz, ele ainda está preocupado comigo.

***

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O Segundo Caçador:  vencedor do III PRÊMIO UFES DE LITERATURAWhere stories live. Discover now