Capítulo 6 - Uma lista

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- E aí, é verdade essas paradas que tão falando de você nos jornais? - Pergunta Pedrão.

- Que coisas? Eu nem liguei a televisão, nesses dias.

- O quê? Não ligou a TV? Que que cê fez esse tempo todo em casa?

- Só fiquei colocando o sono em dia.

- Imagino que nem o computador você ligou também.

- Nem o videogame.

- Você é maluco. Ficou esse tempo todo em casa e nem pra jogar um gamezinho - continua. - Esquece... Tem um blog desses anônimos que começou a te chamar de herói. Aí, uns outros blogs acharam que ele tava exagerando. Nossa, começou uma discussão sobre o que você era e o que aconteceu de verdade no ônibus.

O que eu mais queria era poder colocar uma pedra em cima de tudo e fingir que esqueci. Levar a vida da mesma forma que antes. Sem ser reconhecido. Sem ter que falar sobre isso. Contudo, isso não vai ser possível, se outras pessoas continuarem a tocar no assunto. E nada poderia ser pior que um blogueiro sensacionalista interessado em minha história.

- E o que eu sou?

- O pessoal tem variado bastante, mas, na média, estão falando que você é quase um ninja, que defendeu o ônibus de três assassinos perigosos e procurados.

- Os três eram procurados pela polícia?

- Parece que só um, mas ele era menor.

Aquele Segundo realmente era um desgraçado. Mesmo que tenha repetido todos esses dias que nenhum deles merecia morrer, é só a culpa falando. Com ele, eu sinto o orgulho do dever cumprido.

- Em outra versão você é uma pessoa violenta e descontrolada, altamente nociva à sociedade, mesmo salvando todo mundo, desta vez - comenta, com cautela.

Nocivo. Essa palavra resume tudo o que tenho sentido sobre mim. Um ser prejudicial aos outros. Alguém sem controle e imprudente, que destrói tudo ao redor.

- E tem uma terceira, que é a mais realista. Pelo relato de alguns passageiros, foi realmente isso que aconteceu: você ficou puto e virou um Hulk preto, virou o ônibus e saiu matando todo mundo - sorri. - Obviamente, eu acredito nessa aí.

Ele ri histericamente e, mesmo tentando me controlar, acabo rindo também.

- Até fizeram um videozinho de zoação.

Ele pega o celular e logo acha o vídeo. Nele, um sujeito negro e franzino vai ficando cada vez maior a cada bandido mascarado que aparece. Quando o terceiro entra, ele (ou eu) está tão grande que destrói o teto do ônibus. Então, ele pega os que restaram e os engole sem mastigar.

A animação é tosca, mas, sem ser muito criterioso, é engraçada. É o tipo de vídeo idiota que gosto de ver e procuro sempre que estou entediado. Assistimos mais duas vezes, até que eu finalmente relaxe, esqueça que sou aquele protagonista bizarro e gargalhe.

- Parece que não é cedo demais para fazer piada!

- Ainda é, mas essa foi boa.

Eu rio ainda mais enquanto ele imita o que seria o Hulk preto atacando seus inimigos. Quando finalmente a risada esmorece, vejo que ele está olhando para a cicatriz em meu ombro direito. Uma das marcas do incidente. Deveria ter vestido uma camiseta para escondê-las. Pedrão desvia o olhar, mas sei que lhe devo uma explicação sobre o que aconteceu no ônibus. É meu melhor amigo, afinal. Mais do que isso, preciso falar com alguém sobre o que aconteceu para tentar aliviar o peso em minhas costas. E é a única pessoa com quem já conversei com franqueza sobre meus instintos violentos.

O Segundo Caçador:  vencedor do III PRÊMIO UFES DE LITERATURAWhere stories live. Discover now