Capítulo 26 - Minha decisão

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O que ele está me pedindo é que eu arruíne minha vida e a de Aninha para tentar salvar a vida de pessoas que nem conheço. Não sei o que poderia fazer contra tanta gente armada, mas é isso que ele está me incitando a fazer. A mim e ao outro Caçador. Quando não se pode confiar nem em nossos policiais, seria certo confiar nos assassinos mais bem-intencionados?

Já não sou mais um Caçador. Estou aposentado. Alguns jornais até me noticiaram como morto, quando passei mais de um mês inativo. Ele, como delegado da região, deveria saber disso. Mesmo assim, está na televisão pedindo minha ajuda.

Isso tudo é uma loucura. Senador não seria tão petulante a ponto de matar todas as testemunhas e provar que Delegado estava certo. Ou seria? É uma dúvida idiota. Ele não acredita em consequências, nunca as sofreu. Acredita que de fato está acima da lei. Mais do que isso: em sua fazenda, ele é a lei. Nunca o que fez lá dentro foi usado contra ele do lado de fora, nem quando matou seu todo-poderoso pai. E um vídeo não vai mudar isso.

Fecho os olhos. Respiro devagar até que me acalme. Desta vez, não vou agir guiado pela raiva. O monstro já não tem voz. Mas, se eu ficar em silêncio e prestar atenção, consigo ouvir seus uivos por sangue. Agora, ele não passa de um animal trancado para fora de casa, sem conseguir entrar.

Meu coração me diz para fugir com Aninha para outro país e aproveitar a vida com ela. Ter filhos, ficar velho. Ter uma vida plena e feliz ao lado da mulher que amo.

Meu senso de justiça não grita como no passado, apenas me faz uma pergunta: "Você conseguiria ser feliz com a culpa de saber que dezenas de pessoas morreram porque escolheu aproveitar a vida?". Desde pequeno alguma coisa dentro de mim dizia que eu era grande por um motivo. Se eu era mais forte, é porque deveria proteger os mais fracos. Foi por isso que entrei em tantas brigas na escola. Foi por isso que me aproximei de meu amigo, fraco e abusado. E é por isso que deveria proteger essas vidas, mesmo ao preço da minha. É esse senso de dever que me diz para ser o herói que sempre deveria ter sido.

A questão, no entanto, é mais prática do que emocional. Qual seria o benefício de desperdiçar a vida e a felicidade, se eu morrer sem conseguir salvar uma pessoa sequer? E qual seria minha chance real contra todos os capangas da fazenda armados de fuzil? Se tivesse a ajuda de Primeiro, seria possível. Enquanto eu cuidasse dos bandidos próximos, ele me daria cobertura com os de longe. Seria uma boa equipe. Mas, sem ele, só com um milagre ou uma bazuca.

A porta se abre num arroubo. Nem preciso olhar para saber quem chegou.

– Você viu? – Pergunta, aflita.

Balanço a cabeça, ainda sem abrir os olhos. Ela vem até mim e me abraça com toda a força que tem, para que eu não fuja dela. Não diz nada. Eu também não. Não sei o que falar. Nem para ela, nem para mim mesmo.

Ficamos em silêncio por um bom tempo, sem que seus braços se afrouxem. Mas as decisões têm que ser tomadas antes que não haja tempo suficiente. Prefiro errar agindo a errar sendo omisso. Abro os olhos e ela está com uma expressão desesperada.

– Diz pra mim que você não vai lá.

Eu não digo nada.

– Diz pra mim, Will! – Grita.

O choro contrasta com a altura de sua voz, é suave e lento como se suas forças estivessem sendo drenadas pela lágrima anterior. Eu a abraço em silêncio. Uma parte de mim se contorce ao vê-la tão triste. Contudo, seria justo acabar com o sofrimento de uma pessoa, mesmo amando-a, e deixar tantas outras à mercê de um monstro cruel, sem o amparo de que precisam?

O Segundo Caçador:  vencedor do III PRÊMIO UFES DE LITERATURAUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum