Cinco: Viemos da Terra

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Lembro-me de que havia uma parede de tijolos à vista, uma árvore grande e velha e um pouco de grama meio seca debaixo do sol quente.
Meu pai e eu conversávamos sobre as dificuldades da vida e de como alguns momentos bons haviam nos marcado. Ele era um homem demasiadamente ocupado para termos conversas como aquelas. Um empresário bem sucedido, de uma fama e caráter desigual, claro, para os outros era grandioso e, para nós, bem, tínhamos um empresário que em alguns momentos se fazia pai. Ele fazia seu melhor.
Especialmente naquele momento, divaguei em meus pensamentos numa recordação valiosa.
Com um olhar compenetrado e sério me disse:
— "Filho, não importa o que você deseje. Um homem não pode fugir do seu destino. Encontre o seu".

Nossos olhos contemplaram o que havia à frente. Uma esfera gigante que representava Belácia.
— Voltem para seus assentos e coloquem o cinto de segurança, vamos descer — orientou Baboo.
Demos início à entrada na ionosfera do planeta e a turbulência tomou conta da nave por alguns minutos. Finalizada a turbulência incômoda que tremia tudo à nossa volta, inclusive dentro de nós, visualizamos um céu sem nuvens, uma bela montanha ao norte, a nordeste uma grande floresta verde, a leste uma floresta vermelha, ao sul um grande vale de terra seca e ao sudeste construções cercadas por diversas plantações. Entramos num novo mundo com outros seres, novo clima, uma biodiversidade exótica e fascinante. Uma experiência fantástica e inegável.
— Coloquem os respiradores. Precisam adaptar-se à nova atmosfera — lembrou Joel.
— Olhem! Que lindos! — comentou Isabela sem esconder toda empolgação ao olhar pela janela.
— Tessínios — disse Baboo. — São realmente incríveis! Inofensivos e dóceis.
Tessínios voavam próximos da nave de forma que podíamos vê-los com detalhes.
Os Tessínios eram aves grandes que chegavam ao triplo do tamanho de um avestruz, coloridas, lembravam várias misturas de aves que conhecíamos. Penas enormes e multicoloridas, uma cauda primorosa e longa composta por cinco penas. Garras e bico grandes, semelhante ao de uma águia, sustentado por um pescoço mais comprido que o normal, e quatro patas grandes acompanhando a proporção do corpo. Isabela estava maravilhada com aquilo. Estávamos todos.
— Estamos chegando a Bélia — disse Joel —, a Capital de Belácia. Seu povo é muito hospitaleiro. Vamos falar com o Governador Gairo.
Joel veio até mim e pediu para conversarmos em particular. Assenti com a cabeça e saímos da cabine. Conversamos por aproximadamente quinze minutos. Joel me explicou o que iríamos fazer em Belácia e o que eu deveria dizer ao Governador. No futuro que não existe mais, ele era um grande aliado, e isso imprescindivelmente deveria ser mantido. Tudo dependeria de como eu conduziria aquela conversa. Joel me deu as instruções de como me portar, o que dizer e como agir, para que a nossa aliança fosse firmada.
Baboo sobrevoou até o local próprio e aterrissou a Mícron em meio aos grandes canhões de defesa do palácio do Governador, todos apontados para nós.
— Chegamos! — disse Baboo abrindo a rampa de acesso, tensa pelo pouso escoltado.
Saímos da nave sendo recebidos por alguns belacianos.
— Bem-vindos à Bélia, a capital de Belácia. Eu os acompanharei em nossa cidade — traduziu Baboo o que aquela belaciana falava.
— Um de vocês é belaciano! Ótimo! — disse a belaciana impressionada.
— Sim, Elgie, sou Baboo. Muito prazer — disse ela sem delongas. — Se possível nosso líder gostaria de uma audiência com o Governador.
— Sem problemas. Arranjarei tudo para mais tarde — Baboo continuava a traduzir.
Os belacianos eram muito parecidos com os humanos.
Fomos carinhosamente recepcionados por Elgie, uma mulher que aparentava ter seus vinte e dois anos, de pele rosa-claro, orelhas do mesmo formato humano, exceto pelas dobras internas inexistentes, sobrancelhas finas que colocavam em evidência o par de belos e penetrantes olhos azuis, com pupilas idênticas as de Baboo, tanto quanto os cabelos soltos e compridos até a cintura, castanho-claro. Ela era a filha do Governador, segundo Baboo nos informara. Ela era extremamente simpática e prática, como se fossemos amigos há anos. Eles nunca haviam recepcionado humanos em Belácia antes, e minha missão era deixar essa primeira boa impressão.
Léa, Isabela e eu estávamos com uma ligeira dor de cabeça, que teve início justamente quando começamos a ouvir aquele estranho idioma.
Elgie nos mostrou a estufa das dependências do palácio do Governador e todas as quatro mil e setecentas espécies incríveis de plantas e flores como jamais havíamos visto. Claro, passamos os olhos rapidamente, pois eram muitas. Entre a estufa e o salão dos heróis que seria a atração seguinte, Elgie informou que eu seria recebido pelo Governador após nossa próxima visita.
O Salão das estátuas dos heróis. Um lugar singular! Do formato de uma lua crescente, com piso feito de ouro, assim como o revestimento das paredes. As estátuas, esculpidas magnificamente perfeitas, davam-nos a impressão de que os seres representados realmente estavam vivos. Detalhes minuciosos, desde as roupas até as expressões peculiares. A diferença de cor de pele entre os sexos era muito evidente, enquanto o sexo masculino tia uma pele roxa pouco escura, o sexo feminino tinha uma pele rosa-claro igual à de Elgie. As estátuas dos heróis retratavam as maiores conquistas dos belacianos. Em suas lápides, frente aos seus pés, uma inscrição simples dos seus feitos de forma que qualquer um pudesse entender, até um terráqueo.
— Léa, isso não é estranho? — questionou Isabela.
— Isso o que Isabela? — retrucou Léa.
— Como estamos entendendo tudo em bélico se nem sequer aprendemos seu idioma? — argumentou Isabela inteligentemente.
— Essa é uma das mudanças que vocês estão experimentando em Belácia. Suas cabeças doem, não doem? — perguntou Baboo.
— Sim, minha cabeça ainda dói um pouco — respondi.
Léa e Isabela concordaram.
— Suas cabeças doem porque seus cérebros estão assimilando as informações de um novo idioma em tempo recorde, dum jeito único e automático. Não sabemos como isso se dá, mas o desempenho de corpos terráqueos aqui em Belácia é cinquenta vezes maior para o uso da força física e capacidade de reconstrução de tecidos (cicatrização). O sistema imunológico é como uma barreira impenetrável dentro desta atmosfera — prosseguiu. — Nossa unidade de tempo é diferente da Terra, por isso, todos aparentarão ser muito jovens. Um dia em Ghore equivale há um ano e quatro meses na Via Láctea — concluiu Baboo.
— Rick, o Governador irá recebê-lo agora. Queira acompanhar-me — disse Elgie cordialmente.
Segui aquela beliana pelos largos corredores do palácio do Governador, cheios de pilares hexagonais da cor azul marinho com plantas estranhas no seu topo, que embelezavam o corredor. O amplo corredor teve fim nas grandes portas de vidro que davam entrada ao salão chamado de trono do Governador. Chegamos a um alto e espaçoso salão cheio de pilares redondos na cor azul marinho com um belo trono no fim dele.
Quatro sentinelas bem posicionados nos aguardavam. Sentado ao trono, um ser aparentemente alto, porte físico regular, cabelos pretos e curtos, barba rala, trajado com um manto incrivelmente fino sem desenhos específicos, tecido finamente à mão com as cores que marcavam os belacianos: vermelho sangue, roxo e azul marinho. Ao me aproximar, percebi seu olhar sério e desconfiado, medindo meus movimentos com cautela.
— Que novidade me traz, mensageiro? — questionou o Governador.
— Olá, senhor Gairo, é um prazer conhecê-lo — disse sem demora, um pouco acanhado.
— Quem é você para que chame o Governador pelo nome? — disse um dos guardas inesperadamente.
— Desculpe-me. Sou um futuro amigo, leal à amizade e confiança do Governador Gairo — respondi com um leve sorriso no rosto. — Estamos em uma jornada longa com poucos suprimentos. Precisamos de sua ajuda senhor. Baboo nos informou que suas frutas são as melhores e mais saborosas de todo este sistema. Precisamos delas, e também de água! Precisaremos de armas e uma nave maior para nossa tripulação.
O Governador fitando-me, interessou-se pelas minhas maneiras ousada e atrevida, encarou-me por um instante e percebendo minha sinceridade e tranquilidade no olhar, disse:
— Se você vem a mim e solicita meu armamento e uma aeronave, sinto-me no direito de saber... Que jornada é essa? Isto é um pedido incomum. Como pretende pagar pelo que deseja?
Refleti por um instante. Essa parte do meu discurso não havia sido mencionada por Joel. Arrisquei uma resposta:
— Oferecemos como pagamento nossos serviços. Dentre eles uma aliança com os belacianos que irá ajudar a prevenir a destruição de seu planeta pelos míntacos.
Ao mencionar os míntacos os guardas se aproximaram fazendo um cerco ao meu redor com suas espadas e armas.
— Que parte você tem com os míntacos? — indagou o capitão da guarda com expressão nada amigável.
Dirigi-me ao Governador em resposta ao questionamento de forma confiante e segura.
— Viemos da Terra, senhor, a qual pertence ao sistema solar Via Láctea. Somos, portanto, terráqueos. Parecemos ter muito em comum fisicamente, porém não sabemos exatamente quais são as diferenças biológicas entre nós. Aprendemos seu idioma em fração de minutos, apenas ouvindo Elgie e Baboo conversarem, o que para nós na Terra, seria praticamente impossível em tão pouco tempo. Sinto-me mais forte que o normal, mas nossa força está relacionada à gravidade deste planeta, pelo que tenho percebido, pois parece ser mais leve que a da Terra. Quero evidenciar que não há absolutamente nenhuma intenção de provocar desavenças entre nossas espécies.
Virando-me para o capitão, continuei:
— Volto a dizer, seremos aliados e grandes amigos. Não temos parte alguma com os míntacos, porém temos conhecimento de seus planos, e planejam atacar seu planeta em breve.
O Governador observou-me por alguns instantes silenciosamente.
— A adaga em sua cintura... Onde a conseguiu? — indagou.
— É presente de uma amiga — respondi de imediato, e ele levou a mão direita ao queixo, franziu a testa e pôs-se a pensar mais intensamente.
— Não o conheço, muito menos sua espécie... Por que confiaria em suas palavras? O que vocês oferecem em troca de uma aliança? Os belacianos não firmam novas alianças há centenas de anos. Elgie? — chamou-a o Governador.
— Senhor, conforme protocolo de segurança, verificamos a nave e não encontramos nada que os comprometa — relatou Elgie.
Elgie, além de filha do Governador, era também seu braço direito no conselho junto ao governo belaciano.
O Governador assentiu com a cabeça.
— Muito bem — disse ele em alto tom —, vocês terão o que desejam, mas, para isso terão a tarefa de recuperar o ovo de Ezcrat. Se preferirem, podem descansar por hoje, contudo, amanhã ao nascer do primeiro sol devem partir rumo à Selva Vermelha...
— Senhor?! — O capitão interrompeu o Governador espantado com a decisão, baixando sua arma.
— Tragam-me o ovo perdido, e terão o que vieram buscar. — O Governador concluiu olhando para seu capitão, que pareceu desconcertado, e ordenou a seus soldados que baixassem suas armas.
— Obrigado, senhor. Não vamos decepcioná-los — agradeci o voto de confiança. Virei-me seguindo a filha do Governador e, antes de sair do ambiente o Governador disse:
— Terráqueo!
Elgie e eu paramos e voltamos nossos olhares para o trono, a fim de saber o que o Governador desejava dizer antes que saíssemos.
— Sim, senhor? — respondi.
— Se obtiverem sucesso na busca poderemos iniciar algum diálogo sobre uma aliança — comentou ele.
Assenti com a cabeça e Elgie me lançou olhar curioso ao sairmos do local pelo mesmo corredor que havíamos entrado.
Não fazia a mínima ideia da tarefa que estava sendo proposta.
— Não sei o que você tem, mas conquistou a aprovação de meu pai — disse Elgie enquanto me acompanhava para fora. — Siga-me, juntemo-nos aos outros de sua espécie. A refeição será servida em breve.
— Não sei o que ele viu em mim também, mas seja o que for, parece positivo! — disse apreensivo. — Vamos até eles.
Os outros me aguardavam num pequeno jardim, sentados em bancos esculpidos em madeira sob a forma de animais de espécies desconhecidas para nós. À nossa frente uma paisagem muito bela com uma montanha ao fundo, uma floresta com árvores enormes, um vale e tessínios voando. Vimos também o cultivo de árvores frutíferas localizado próximo ao palácio do Governador.
— Como foi, senhor? — perguntou Joel imediatamente.
— Bem! Acredito. Gairo só teve apenas um pedido em troca do nosso favor.
— Qual? — perguntou Baboo curiosa.
— Que partamos para a Selva Vermelha pela manhã e tragamos algo.
— Selva Vermelha?... Não! Tem certeza, Rick?! — exclamou Baboo, atônita.
— O que há lá de tão ruim assim, Baboo? — questionou Isabela curiosa.
— Na Selva Vermelha?... "Domirah"! O monstro que protege o que o Governador deseja. O ovo de Ezcrat — disse Baboo pensativa. — Um ovo especial, bem protegido numa selva onde os belacianos não se atrevem a ir. Muitos já morreram buscando o ovo de Ezcrat, uma espécie rara e extremamente poderosa.
— Ah, tudo bem. Vamos pegar esse ovo então — comentou Isabela, confiante.
— A selva é repleta de animais carnívoros e selvagens, além das feiticeiras. É extremamente perigoso — disse Joel receoso. — Gairo está de fato colocando à prova nossa coragem.
Ouvimos o soar de uma trombeta. Era a refeição sendo servida. Dirigimo-nos para o salão.
Não havia mesas. Curiosa a maneira deles se alimentarem. A comida era depositada em taças gigantes, e em pé, servimo-nos à vontade. A refeição era a base de grãos, pães, carne branca, frutas e algumas verduras. A comida tinha um aspecto muito diferente e estranho, mas o sabor era divino, e nos fez muito bem.
— Minha dor de cabeça e a dor nas costas se foram! — comentou Léa contente e aliviada.
— Senhor, não havia uma cicatriz em seu pescoço? — perguntou Joel.
— Sim. Bem aqui... — apontei para o lado esquerdo do meu pescoço, e ao deslizar a mão sobre a pele percebi que a cicatriz havia desaparecido.
O que seria? O que teria causado a reconstrução perfeita do tecido?
— Não entendemos como isso é provocado, mas as oans de Belácia causam um efeito surpreendente de regeneração no metabolismo humano — explicou Joel. — Seu corpo não oxida com o tempo, não adoece e não enfraquece se fizerem uso delas periodicamente. Para o sucesso das nossas missões em futuras jornadas, as oans serão de fundamental importância.
Estava escurecendo e Baboo aproveitou a oportunidade para explicar que o dia em Belácia tinha duração diferente da Terra, composto por trinta e duas horas. Dezoito horas de luz e quatorze horas de noite.
Deitamos todos num ambiente bem arejado, com nada além de camas feitas de um material que lembrava a mesma flexibilidade do bambu, com a maciez da seda. As camas eram fixadas na parede pelo lado, sem suporte sob elas.
— Vocês podem se acomodar aqui — disse Elgie nos apresentando o alojamento. — Estas camas são muito confortáveis e trarão o descanso de que necessitam. As noites em Belácia são muito quentes, por isso temos alojamentos bem arejados, para ajudar a dissipar o calor. Fiquem tranquilos, não há perigo ao redor do palácio do Governador, então, durmam em paz — Elgie falou mais estas palavras e então se retirou de nossa presença.
Conversamos por mais alguns minutos, mas dormimos muito rápido, vencidos pelo cansaço daquele dia extraordinário, afinal, havíamos conhecido um novo mundo e descoberto coisas novas a nosso respeito, sem mencionar o desespero até chegarmos à Belácia.
"Intensa" era a melhor palavra para descrever aquela noite.
Acordei algumas horas depois de termos nos deitado, não sabia dizer que horas eram, apenas que era de madrugada. Não vi Isabela. Acordei Léa, e sem muito alarde saímos em busca de Isabela, andando nas proximidades do lugar onde estávamos alojados e...
— Olhe, Rick! Um respirador! Deve ser da Isabela! Onde será que ela foi parar? Eles a levaram? Nós não conhecemos essa gente, Rick! Ela é apenas uma menina! — disse Léa completamente preocupada.
Eu também estava, mas sabia que não tinha nada a ver com os belacianos.
— Léa, vamos continuar procurando — disse sério e muito apreensivo.
Encontramos seu respirador em cima de uma mureta próxima a escadaria que saía do terreno do palácio do Governador, mas nada dela. Mais preocupados do que antes voltamos para o alojamento e checamos uma última vez para garantir que ela não havia voltado para lá.
Saímos novamente à sua procura seguindo a única pista que havíamos encontrado. A escadaria próxima à mureta com seu respirador.
Quando terminamos de descer o último degrau ouvimos uma voz pouco mais alta que um sussurro...
— Esperem!
Era Joel e Baboo quem desciam as escadas ao nosso encontro.
— Percebemos nem que Isabela nem vocês estavam dormindo e viemos atrás — disse Baboo com pouco fôlego. — O que houve? — prosseguiu Baboo.
— Vamos para que lado, Rick? — perguntou Léa apressada.
— Socorro! Pai, Socorro!
— Ouviram isso? — falei arrepiado. — É Isabela! Vamos, por aqui!
Disparamos ao norte para um campo largo e corremos por ele.
Meu instinto nos guiava...
Enquanto corríamos Baboo disse:
— Aquela garota esperta já aprendeu a usar... Muito inteligente.
Corremos por quase um quilômetro sem ver nada além de capim entre nós no campo. Por fim paramos alguns segundos para descansar. Ouvimos o capim se mexer logo à nossa frente e já puxamos nossas facas para nos defender.
— Pai? — Uma voz mansa e meiga sussurra vinda do capim.
— Isabela?! — perguntei surpreso abaixando a adaga. — Venha cá! — chamei preocupado e apreensivo.
Isabela correu para perto de nós, sem nenhum ferimento, porém muito assustada.
— O que deu em você, menina? — perguntou Léa furiosa enquanto Isabela recuperava o fôlego. — Você poderia ter morrido!
— Silêncio vocês! Eles estão por aqui! — disse Isabela tentando nos acalmar e manter o tom baixo.
— Eles quem Isabela?! — perguntei curioso.
— São uns macacos com caudas compridas e que têm uma boca enorme com dentões afiados! — explicou Isabela.
— Saquêrvorus... — disse Baboo em voz alta. — Tomem cuidado! Eles são ágeis! — informou ela levantando a guarda novamente.
No final das contas, estávamos todos em um campo de capim alto, Joel, Baboo, Léa, Isabela e eu, vendo o lindo e estrelado céu belaciano e uma lua três vezes o tamanho da Via Láctea, de cor azul.
— Fiquem atentos! — disse Baboo ao prosseguirmos.
Andamos de volta para o Palácio do Governador, alertas ao perigo.
Distante e próximo ao final do capinzal avistamos o que pareciam ser serpentes nos olhando por cima do capim.
— São eles, pai! Eles estavam atrás de mim! — falou Isabela apontando para as cobras.
Pareciam serpentes por cima do capim deslocando-se rapidamente em nossa direção. Sem hesitar, corremos inocentemente em direção à Selva Vermelha na necessidade de fugir daquelas serpentes até um ponto onde o capim era mais baixo, que nos deu mais visibilidade sobre aqueles seres que nos perseguiam.
Eles eram rápidos, e tão logo chegamos a um lugar que nos dava mais vantagem, nos alcançaram. Cinco criaturas que pareciam macacos pequenos e fortes, corpo de cinquenta centímetros aproximadamente, cauda comprida e na ponta uma forma esférica com inúmeras bolinhas pretas, o que pareciam ser seus olhos. O corpo tinha a cor vermelha que os camuflava na selva tenebrosa. Vimos que a criatura tinha quatro patas e dois pequenos braços que sustentavam as mãos. No rosto não havia olhos, apenas três pequenos buracos dispostos e alinhados horizontalmente que supusemos ser o nariz, orelhas achatadas e curtas, embora parecessem ter a audição bem aguçada, e por fim a boca, que tomava o espaço de praticamente todo o rosto com seus dentes enormes, afiados e uma língua muito grande que ficava constantemente fora da boca, babando. Se não fosse pelo aspecto da boca, não saberíamos dizer que eram carnívoros.
Eles cercaram-nos e foram nos fechando... Joel disse baixo e pacientemente:
— Corte a cauda, eles enxergam por ela...
Imediatamente após Joel nos alertar, as criaturas nos atacaram, mas esquivamos de seu pulo alto e cortamos suas caudas, exceto Léa, que foi mordida por um deles. Léa havia conseguido se esquivar do pulo agilmente, mas não alcançou a cauda, e pela rapidez do Saquêrvoru acabou lhe mordendo e machucando gravemente o braço. Isabela e eu atacamos aquele Saquêrvoru e pelos golpes da minha adaga ele morreu. Aquele foi o único Saquêrvoru que matamos, pois os outros deixamos fugir correndo sem rumo, cegos.
Demos rapidamente uma oan para Léa.
As Oans eram frutas muito parecidas com mini maçãs alaranjadas. O que fez com que o braço de Léa fosse restaurado milagrosamente em questão de minutos.
— Que susto! — disse Isabela após a recuperação de Léa. — Ainda bem que estamos todos bem.
— Sim, ainda bem — concordei.
— Agora nos conte como usou essa sua telepatia, Isabela? — questionei intrigado.
— Não sei explicar, pai... Estava com medo e lembrei-me de você, imaginei seu rosto, e então falei em minha mente! De repente vocês estavam aqui! — respondeu ela.
— Ela é muito esperta e inteligente, Rick! Esperava o quê? — disse Baboo, nada surpresa com o acontecido.
— Acho isso extraordinário! Mas devemos prosseguir — disse convencido sobre o assunto.
Seguimos rápido e cuidadosamente até a margem do campo, que por algum tempo pareceu mais segura. Da margem até a Selva Vermelha havia aproximadamente mais quatro quilômetros. Estávamos bem e contentes por ter conseguido dar uma surra naqueles Saquêrvorus.
— Aonde você ia Isabela? — perguntei zangado depois que o perigo havia passado.
— Ouvi algo próximo ao lugar onde estávamos dormindo. O barulho sugeriu que alguém estivesse mexendo em nossas coisas — disse Isabela ansiosa —, então fui verificar o que era, mas quando cheguei ao ponto que me dava visão, aquela pessoa baixa, quase que da mesma altura de uma criança de oito anos, correu para a escadaria seguindo para o capinzal e desaparecendo. Fui atrás chamando por aquela pessoa, mas ela já havia desaparecido. Foi quando me dei conta das caudas dos Saquêrvorus vindo atrás de mim, e corri muito rápido para que não me pegassem... Fiquei tão apavorada! — disse Isabela olhando para baixo, sentindo-se mal.
— Ah! E tirem esses respiradores... Não precisamos mais deles! — instruiu-nos ela.
— Entendi, filha. Tudo bem — respondi mais calmo.
Léa e eu tiramos os respiradores e conseguíamos respirar normalmente.
— Ah! Muito melhor sem esse respirador! — disse respirando ar fresco normalmente.
— O que você viu Isabela, não era uma criança. Aquela era uma das feiticeiras da Selva Vermelha. Ela nos conduziu para este lugar — disse Baboo. — As bruxas da Selva Vermelha eram crianças do nosso povo antigamente. Um casal de irmãos descobriu uma magia obscura que conseguia manter sua aparência juvenil, se tornando resistentes contra o envelhecimento, ou em outras palavras, elas só conheceriam a morte caso as matássemos. Não entendo como se atreveram a ultrapassar os limites dos campos do palácio do Governador. Algo não está certo, elas estão nos levando à Domirah... Devemos encontrar o ovo de Ezcrat antes que Domirah nos encontre — explicou Baboo determinada.
— Então já estamos indo à Selva Vermelha?! — questionei confuso, tentando entender a situação.
— O que devemos fazer, Rick? — perguntou Baboo ao parar repentinamente.
— Já estamos a caminho e temos o que precisamos, podemos prosseguir até a Selva Vermelha se quisermos, senhor. O que acha? — sugeriu Joel.
Olhei ao nosso redor, olhei para o céu em direção à Selva, olhei para Isabela e me virei para Léa.
— Léa? — chamei seu nome tentando descobrir sua opinião.
— Já estamos aqui, não estamos? — suspirou após falar.
— Ok, prosseguiremos então, amigos — decidi confiante.
— Nunca havia visto um Saquêrvoru fora da Selva Vermelha. Eles vivem lá e nunca se atreveram sair. A bruxa deve ter os mandado — falou Joel tentando desvendar o fato.
— Pode ser Joel... Vamos ficar atentos, pois não sabemos o que podemos encontrar por aqui — falei alarmando-os.
Prosseguimos em direção à Selva Vermelha até chegarmos a uma parede de pedras rochosas, que contornamos por um lago de água cristalina até a parte mais rasa, para que pudéssemos atravessar, e nisso vimos como o rio era limpo pela transparência da água.
— Que sede! — disse Isabela se abaixando para beber da água do rio.
— Isabela! Não! — gritou Joel, impedindo-a de beber daquela água.
Quando Baboo cruzou o centro do lago, percebermos que ele estava enfeitiçado, pois aquela parte rasa começou a atrair mais água para aquele ponto, tornando-o mais fundo.
— Veem?! Esta água está enfeitiçada! Vamos logo! — confirmou Joel.
Atravessamos rapidamente para o outro lado e conseguimos ver que sobre o lago pairava uma fina névoa brilhante que não víamos da outra margem.
Atravessado o rio, escalamos a parte mais baixa da parede de rochas avermelhadas e vimos que no topo não havia nada de extraordinário, como rachaduras estranhas no chão de forma uniforme e contínua até o final daquela pequena elevação de pedras avermelhadas.
Começamos a caminhar por cima daquela passagem rochosa e, ao andarmos sentíamos a temperatura aumentando a cada metro. Era como se estivéssemos andando em direção a um vulcão.
De repente o chão começou a tremer bem levemente e ouvimos uma risada feminina em tom maléfico na distância. A risada parecia de uma velha miseravelmente perturbada. Quase que imediatamente o chão tremeu novamente.

ASAN QUO, GUARDIÕES REAIS: TERTÚLIAWhere stories live. Discover now