Capítulo 6 - Uma lista

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- E aí, vamos ou não vamos pro bar? - Pergunto.

- Lógico! - Concorda, animado - Quer dizer, se você quiser conversar aqui mesmo, eu entendo.

- Quando a gente chegar lá, eu te conto a porra toda.

E é isso que faço assim que a primeira cerveja chega. Depois do brinde, não paro de falar nem para beber um gole. Só quando um garçom se aproxima é que interrompo a história. Conto a ele tudo que aconteceu naquela noite. Detalhe por detalhe. Tudo que fiz, tudo que pensei. Ele me escuta atento e em silêncio, enquanto procuro as melhores palavras para explicar tudo que passei.

Quando termino, ele coloca a mão em meu ombro. Minha respiração está irregular. Estou usando toda a concentração para não chorar. Não quero chorar mais. Quero passar para a fase em que posso rir das tragédias do passado. Mas ainda não vai ser hoje que vou conseguir conter minhas emoções.

Ele me abraça e eu choro. Tremendo e soluçando, como uma criancinha indefesa.

A esta altura, a cerveja está quente e pedimos outra. Pedrão pede uma pizza gigante de calabresa e, só de ouvir a palavra "pizza", meu estômago grita de felicidade. Não comi o dia inteiro.

Ficamos em silêncio até a outra cerveja chegar. Cada um tentando achar as palavras certas para continuar a conversa.

- Dureza, cara... - Lamenta, depois do segundo gole. - Sei que você tá se culpando pelo que aconteceu com as duas pessoas. Mas, cara, um deles era a porra de um psicopata! Ele ia passar a vida matando gente. Ou pior, se Assassino tiver falado a verdade. Você fez bem em ter acabado com esse desgraçado.

- Aquele merdinha eu até me sinto um pouco bem por ter matado - digo, com toda a sinceridade que devo a meu amigo. - Mas o outro era só um infeliz...

- Infeliz ou não, algum dia ele ia se acostumar a roubar. E se alguém reagisse? Ele tava num caminho sem volta... Quando você entra nessa vida, já era!

Eu concordo com tudo o que Pedrão falou, mas não cabe a mim decidir sobre as possibilidades do futuro de ninguém. Ele teria que ser julgado apenas pelo que realmente fez, não pelo que poderia fazer. Não que eu de fato acredite na Justiça do país. Ou que sua punição seria suficiente para reparar os danos que acabaria causando. Afinal, também faço parte desse sistema quebrado. Mas não é sensato tirar as escolhas de uma pessoa.

E o extremo de, além de julgar, condenar à morte, é demais para mim. Eu, que sou, e sempre fui, contra a pena de morte, que chamava de boçal qualquer um que a defendesse, matei duas pessoas. Agi como um ditadorzinho intolerante e fui juiz e carrasco de duas pessoas. E julguei uma delas com base em mentiras contadas por um assassino.

Ainda que me sinta culpado por Desdentado, e triste por ter agido contra o que acho que é certo, sinto orgulho por ter acabado com a vida de Segundo. Ele era um psicopata e iria destruir várias vidas, se tivesse chance. Esse nasceu podre e nem o melhor sistema carcerário do mundo iria consertá-lo. No caso dele, eliminar as possibilidades foi uma coisa inteiramente positiva.

- Sei que é difícil ter matado uma pessoa - assegura Pedrão -, mas você é o herói da história, cara.

Ele para de falar enquanto enche meu copo.

- Se você não fizesse nada o outro cara ia te matar...

- É isso que não sai da minha cabeça - digo, depois de virar o copo de cerveja. - Se ele quisesse me matar, eu tava morto. Ele se levantou, me bateu e foi embora.

Não contei a Pedrão o que Assassino me disse enquanto eu estava prostrado no chão. Foi a única coisa que não contei a ele. Talvez para não mostrar o quanto estou com medo de um novo encontro. Talvez por vergonha de admitir que fiz parte do plano do maníaco. Uma marionete nas mãos de um monstro.

O Segundo Caçador:  vencedor do III PRÊMIO UFES DE LITERATURAWhere stories live. Discover now