Antes que eu possa dizer qualquer coisa, um grasnado rouco ecoa pela sala, vindo de um canto mais escuro. Mephisto, o corvo de Sylus, está empoleirado sobre uma estante de madeira escura, balançando a cabeça de um lado para o outro com curiosidade.
— Olha, Mephisto, trouxe uma amiguinha para você — brinco, levantando a pomba ligeiramente para que ele possa vê-la melhor. O corvo solta outro grasnado, então bate as asas uma única vez, sem sair do lugar.
— Não o trate como se ele fosse uma criança — a voz de Sylus interrompe minha pequena interação. Ele se acomoda no outro lado do sofá, de frente para mim, enquanto me olha atentamente.
— Com licença, mas Mephisto gosta muito mais de mim do que de você — provoco, e quase imediatamente a ave solta um ruído como se concordasse comigo.
Sylus estreita os olhos levemente, mas não responde. Aproveito o momento para voltar ao assunto e conto como encontrei a pomba congelada perto da minha moto e precisei levá-la para um veterinário. Mephisto observa tudo atentamente, inclinando a cabeça para o lado, como se estivesse julgando minha história.
— Ela quase não sobreviveu. Se ninguém cuidar dela, vai ter uma vida curta… — minha voz sai mais baixa no final da frase, um pouco dramática.
Sylus simplesmente dá de ombros. — E daí?
Fecho o rosto ligeiramente, incomodada com a falta de reação. — Você não quer ajudar?
Às vezes, tenho esperança de que Sylus pudesse ser uma pessoa melhor, que tivesse um coração bom escondido por baixo de todas aquelas camadas frias. Mas, sendo sincera, nunca sei o que pensar dele.
Ele não responde de imediato, apenas me encara com aquele olhar penetrante que sempre me deixa inquieta. — Os filantropos ajudam os outros por pena. É assim que você me vê?
— E se for para me ajudar? — corrijo.
O comentário parece pegá-lo desprevenido, ainda que sua expressão permaneça neutra. Sylus hesita, é raro vê-lo sem resposta.
— Por que você não está dizendo nada? — questiono, cruzando os braços.
Sylus solta um suspiro discreto, então pega um copo de uísque da mesinha de centro e gira o líquido âmbar dentro dele antes de tomar um gole. — Você deveria ter dito isso primeiro — ele resmunga, sem me encarar diretamente. — Eu já entendi, você quer despejar uma pomba para mim.
Meu olhar se estreita com sua escolha de palavras. — E você não poderia ter dito isso de uma forma mais agradável?
Ele não responde, apenas bebe mais um gole do uísque, enquanto um pequeno sorriso de canto surge em seus lábios. Sylus se abaixa e pega a pomba de meus braços. Ele ergue a ave para encará-la, por um momento, parece que ele está prestes a dizer algo a ela, mas suas palavras são, na verdade, dirigidas a mim.
— Você conhece o mito que envolve a história de Perséfone e Hades? — ele pergunta.
Eu me lembro vagamente da história — a mitologia grega não era mais conhecida assim como antigamente, mas sabia quem era Perséfone, a deusa da primavera, e Hades, o senhor do Submundo.
Cruzo os braços, inclinando a cabeça levemente, enquanto respondo com um toque de ironia. — Aquela história em que ela foi raptada por um homem e obrigada a ficar em seu reino? Isso me lembra muito um certo alguém.
Sylus sorri de canto. Ele baixa a pomba para segurá-la contra seu peito, e caminha até a mesinha de centro, onde repousa seu copo de uísque e o pega com a mão livre.
— Na verdade, querida, Hades ofereceu para Perséfone uma oportunidade de conhecer um outro mundo, onde ela deixaria de ser uma deusa esquecida para se tornar a rainha que nasceu para ser — ele sussurra, coloca o copo de volta na mesa e cruza os braços, estudando minha reação. — Infelizmente, a versão mais conhecida é a que você acabou de falar.
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✓ | PERSEPHONE ━ sylus.
FanfictionYelena Thorn faz parte da pequena parcela da população que possui um poder especial, também conhecido como Evol. Em 2034, a humanidade recebeu sua primeira mensagem do Espaço Profundo, uma transmissão que despertou a curiosidade pela exploração espa...
͏ ͏ ͏͏ ͏ ͏ ͏ ͏͏chapter ͏ ͏nine ͏ ͏- ͏ ͏nightplumes
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