Aquele com a metanoia

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- Eu to tão assustado, Bea, me sinto tão errado. Eu gosto demais dele, mais do que eu já gostei de qualquer outra pessoa, e não faz mais sentido eu tentar me convencer de que é só uma amizade muito forte, sabe?

- Eu sei irmão, está tudo bem, sei como se sente. Não há nada de errado nisso, ouviu? - ela segura meu rosto com as mãos e me encara, olho no olho - Não há nada de errado com você.

- Eu nunca me senti assim antes com ninguém Bea, ninguém. Com nenhuma menina, passei anos pensando que tinha algo errado comigo. Essa coisa de arrepio, coração acelerado, tudo isso, sabe? Não tenho prática com isso, nunca senti isso antes. E aí do nada vem todas essas sensações e, é como eu esperava, mas não como eu achava que seria, entende? Eu sempre achei que essa minha falta de interesse um dia ia passar e... sei lá... Eu me sinto bem mas ao mesmo tempo me sinto errado, uma fraude. Isso não parece normal, todos os casais que já vi na vida eram compostos por um homem e uma mulher, não por um homem e... e outro homem. Eu, eu tenho medo de como as pessoas podem reagir a isso.

- Oh meu maninho, vem cá. - Ela me puxa para um cafuné relaxante nos cabelos, o que ajuda a me acalmar. Apesar de ser mais nova do que eu, a Bea é muito boa em cumprir o papel de irmã mais velha (melhor do que eu às vezes). - Amar não é errado, nunca foi e nunca vai ser. Parece assustador agora, não é? Ir contra tudo o que você cresceu vendo e ouvindo, mas não é algo errado ou proibido, não é porque algo é diferente que significa que seja anormal ou errado, é apenas diferente.

- Então, por que eu me sinto assim?

- Porque somos condicionados a isso, a nos sentirmos errados. A gente não aprende na escola que casais podem ir além da heteronormatividade, não vemos nas novelas casais de homens ou de mulheres se amando, não existe muita representatividade para quem é LGBT nesse mundo, principalmente numa cidade pequena como Carpazinha.

- Nossa, isso é horrível.

- É sim, bastante

- Eu já vi uma coisa ou outra sobre pessoas LGBT mas, sei lá, nunca me imaginei... assim, sabe? Nunca tinha parado para pensar nisso. Me sinto ridículo falando isso, eu tô velho demais pra essas coisas. - Estampo minha frustração em uma careta elaborada e Beatrice ri de mim.

Sua gargalhada ecoa pela sala, deixando tudo mais suave, e ao mesmo tempo, aumentando minha carranca. Como pode ela estar rindo de mim em um momento de crise como esse?

- Não existe essa de estar "velho demais", seu bestão. Cada pessoa tem seu tempo de se entender, não precisa se sentir ridículo.

- Não?

- Claro que não. Tudo isso é um processo. Toda compreensão sobre si mesmo é um processo longo e contínuo, ele não vai parar agora que você entendeu o que está acontecendo, mas garanto que vai ficar um pouco mais fácil.

- Saquei. Que droga.

- É um pouco, mas é um lance bom também.

Ficamos um tempo em silêncio, cada um absorto em seus próprios pensamentos, até que algo passa em minha mente e me intriga.

- Posso perguntar uma coisa?

- Claro, fala aí.

- Como você entende tanto sobre essas coisas?

- Ah, eu sou vivida né, não passo o dia inteiro mofando no quarto quando não estou trabalhando.

- Metida. - Dou língua pra ela e ela ri, e continua a falar.

- E também, eu já passei por isso, tudo isso aí que você tá passando.

- O QUE? COMO ASSIM? Porque você nunca me contou?

- Você tava ocupado demais sendo um irmão mais velho, lidando com muita coisa, ocupado com os estudos, trabalho e todas essas besteiras, não queria ser um incômodo.

- Bea, você nunca vai ser um incômodo, nós somos família. Pode contar comigo pra tudo.

- Obrigado, Dandan. Significa muito pra mim. - Sorrio, bagunçando os cabelos dessa boba.

- E quem era a vítima?

- Você se lembra da Jasmim?

- Jasmim? Aquela sua amiga que vivia em nossa casa?

- Sim, que a mamãe adorava. Era ela.

- Então ela foi seu primeiro amor?

Beatrice suspira alto, absorta em suas memórias, consigo ver o brilho em seus olhos por se recordar dela. - Jasmim era todo um sentimento, ela era incrível, ela... ela foi tudo pra mim. Às vezes acho que ainda é.

- Uau!

- É, ela era uau mesmo.

- E nossa mãe? Ela sabia?

- Sabia sim, ela sempre soube, por que você que ela sempre convidava a Jasmim pra jantar com a gente?

Rimos juntos, imersos em uma nostalgia muito boa. Sempre ficamos assim ao lembrar da nossa mãe. Mãe...

- Então nossa mãe sabia, você acha que...

- Ela ia te apoiar muito, e ia adorar a sua pessoa, sei que ia, assim como adorou a minha.

Limpo uma lágrima e penso em nossa mãe. Mãe, onde você estiver, espero que goste do Arthur assim como gostava da Jasmim.

- Posso perguntar uma coisa? - Sou tirado de meus pensamentos pela pergunta repentina.

- Claro.

- Essa tal pessoa misteriosa é o Arthur, não é? E aí, quando vai rolar uns amassos?

- Bea! - Jogo um travesseiro nela. Às vezes não consigo acreditar nas besteiras que ela solta

- Tô brincando, tô brincando, mas você vai ter que me contar tudo.

- Quer fazer pipoca? A história é longa.

- Óbvio. Bora.

A sigo até a cozinha, me sentindo muito mais leve. Pela primeira vez em tempos, sinto que as coisas vão se ajeitar.

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Espero que tenham gostado do capítulo 😁

Esse ficou bem emocionante na minha opinião, espero ter conseguido passar a essência de toda a confusão que o Dante estava sentindo.

Três coisas que eu queria acrescentar:
- Toda a descoberta do Dante sobre sua sexualidade ficou bem resumida, quem já passou por isso sabe que não é tão rápido, mas espero ter conseguido passar todo o sentimento da coisa. Minha experiência foi diferente da dele em muitos aspectos, mas me baseei bastante nos pensamentos e sentimentos que tive durante toda a minha trajetória. E eu não tive nenhum apoio, então coloquei através da Bea o que eu gostaria de ter ouvido quando estava cheio de dúvidas.

- Sei que a Jasmim originalmente era o amor do Dante, mas tomei a liberdade de alterar as coisas, afinal isso é uma fic.

- Caso alguém esteja pensando "Ué, e o Tristan?", ele não foi esquecido, tá? a Beatrice ama ele, mas isso não a impede de guardar as memórias da Jasmim. Há amores que nunca esquecemos, e a Jasmim ia além do amor romântico para a Bea, ela guarda um imenso carinho por ela.

Ademais, obrigado por lerem 🫶

Aquele com os DanthurWhere stories live. Discover now